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Populismo penal, “lei e ordem” e “tolerância zero”

CAPÍTULO 1 – Segurança Pública e Política Criminal como espaços de ofensiva da

1.3 O pensamento “securitário-autoritário” na academia, nas corporações policiais

1.3.1. Populismo penal, “lei e ordem” e “tolerância zero”

Mendes (2015), tendo como referência o trabalho de Pratt (2008) procurou discutir acerca do movimento político identificado como “populismo penal”, que, na visão dos autores,

“pode ser entendido/reconhecido como a forma pela qual: (i) uma série de grupos de lobby do movimento “Lei e Ordem”; (ii) a imprensa sensacionalista; (iii) apresentadores de rádio; (iv) thinktanks de Direita; e (v) alguns acadêmicos como James Q. Wilson e autoridades policiais que espalham a mensagem de “tolerância zero”, têm se tornado influentes na política de governo.” (MENDES, 2015 apud PRATT, 2008, p. 74-75).

As principais referências internacionais contemporâneas a respeito de política criminal e de segurança pública com um approach punitivo, repressivo e voltado à incapacitação dos indivíduos considerados criminosos são os movimentos teórico- políticos associados aos slogans “lei e ordem” e “tolerância zero” (GARLAND, 2014).

Estas perspectivas, que aparecem com força nas na Europa e nos Estados Unidos a partir do fim dos anos 70, são a expressão mais radical de um conjunto profundo de mudanças no modo como se pensava a política criminal nestas sociedades – o que envolve o declínio do ideal de reabilitação dos criminosos e o ressurgimento de sanções de caráter retributivo, argumentos de apelo emocional e com forte recurso à figura simbólica da vítima, uma constante percepção de uma situação de crise, e a visão das prisões como instrumentos eficientes de neutralização e retribuição, para satisfazer anseios populares

por políticas duras de combate à criminalidade (GARLAND, 2014).

A vertente acadêmica/científica desse pensamento, vista por Garland (2014) como teorias de controle – embora tenha traços que remontam à criminologia antropológica lombrosiana de fins do século XIX, bem como tenha sofrido influência da abordagem utilitarista de Gary Becker (1988) relativa à teoria econômica da criminalidade – tem como referência pioneira o pensamento de cientistas políticos ligados a think tanks de direita e a políticos do Partido Republicano estadunidense, como James Q. Wilson, Charles Murray e James Kelling.

O primeiro foi o autor da obra Thinking About Crime (WILSON, 2013), que representou uma guinada conservadora na forma como criminalidade e ordem e segurança pública eram tratadas. A partir de uma interpretação “biológica” a respeito do fenômeno da criminalidade – a consideração de que alguns indivíduos nasceram, por características genéticas, com uma “personalidade criminosa”, Wilson defendeu que uma parte dos criminosos seria irrecuperável.

A partir dessa suposta constatação, que estaria sustentada em estudos empíricos e o uso de técnicas recentemente difundidas, como a econometria, o cientista político defendeu que tais indivíduos deveriam ser neutralizados e incapacitados: separados da sociedade pelo sistema de justiça criminal do Estado (WILSON, 2013). O autor, desta forma, se opunha a teorias críticas à pena de prisão e àquelas que davam centralidade às causas e efeitos sociais e econômicos sobre a violência e a criminalidade – ao mesmo tempo que também se posicionava de forma críticas a acadêmicos que defendiam a função reabilitadora da responsabilização criminal.

A influência do trabalho intelectual de Wilson foi evidente nos Estados Unidos, e serviu de base para legislações e políticas sociais implementadas a partir do fim dos anos 1970 (e especialmente no governo de Ronald Reagan) que multiplicaram a população carcerária norte-americana nas décadas seguintes7.

Na década seguinte, Wilson ampliou sua influência intelectual na formulação de políticas de segurança e política criminal nos EUA, ao formular, junto com James Kelling, as bases da chamada “Teoria das Janelas Quebradas”, apresentada pela primeira vez em artigo de 1983 e desenvolvida nas décadas seguintes. Tal teoria defendia, em resumo, uma abordagem agressiva junto a autores de pequenos delitos, visto que tal estratégia seria

7 THE SENTENCING PROJECT. Fact Sheet: Trends in U.S. Corrections. Washington D.C., 2018.

Disponível em: <https://www.sentencingproject.org/wp-content/uploads/2016/01/Trends-in-US- Corrections.pdf> Acesso em 20 fev. 2019.

central para combater a criminalidade de maior gravidade (KELLING, COLES, 1996). Partindo desta perspectiva, a implementação prática mais notória destes princípios se deu no mandato de Rudolph Giuliani, do Partido Republicano, como prefeito de Nova York, a partir de 1994 (WENDEL, CURTIS, 2002; WACQUANT, 2001). A aplicação de políticas de “tolerância zero”, a implementação do chamado Compstat, associadas a mudanças legislativas de caráter federal, como a lei dos “three strikes”, reverberaram fortemente nos Estados Unidos e ao redor do mundo, servindo como inspiração e influência especialmente para políticas de segurança pública de grupos de direita (mas não se resumindo a ela – sendo adotadas por governos de centro e esquerda, como o do democrata Bill Clinton) em outros países da Europa e da América Latina, incluindo o Brasil.

A título de exemplo, políticas de segurança pública inspirada na teoria das Janelas Quebradas foram aplicadas em algumas capitais brasileiras, como na política anti- pichação “Respeito por BH”, empreendida na cidade de Belo Horizonte durante a prefeitura de Marcio Lacerda (PSB), entre 2009 e 2016 (DINIZ, FERREIRA, LACERDA, 2017).

No Brasil, existiram ligações entre economistas e cientistas sociais com governos conservadores, com alguns acadêmicos coordenando a política de segurança pública de estados brasileiros e chegando a se inspirar parcialmente nestas perspectivas. Entretanto, a radicalização das posições de partidos e políticos do centro à extrema-direita e a maioria das propostas punitivistas recentes de políticas na área da segurança pública não encontram muitos defensores ou referências intelectuais na academia ou nas instituições de pesquisa especializadas.

Defesas técnicas e acadêmicas de expansão do aparato securitário e do caráter incapacitador e retributivo da pena, como a presente em artigo de Adolfo Sachsida e Mário Mendonça (2013), economistas ligados ao IPEA – em que há uma defesa do argumento “mais prisões, mais polícia, menos crimes” – são raras. Os espaços de florescimento e legitimação do posicionamento punitivo, repressivo e crítico a garantias e direitos fundamentais de acusados vem majoritariamente de outros setores da sociedade.

1.3.2. Estruturas, ideias e atores que orientam a abordagem repressiva e punitiva à