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Das comunidades de aprendizagem às Comunidades de Práticas

No que ao universo educativo diz respeito, variadíssimos trabalhos em torno da profissionalidade docente têm colocado a tónica em duas questões essenciais: por um lado, na necessidade de atender a novos mode- los de profissionalidade tendo por base a reflexividade e o papel que o professor investigador das suas pró- prias práticas assume no seu desenvolvimento profissional; por outro, na importância que as práticas de colegialidade, numa “mútua supervisão e construção de saber inter pares” (Roldão, 2007: 102) assumem neste processo.

A articulação destas duas questões encontra uma resposta possível na emergência de comunidades de aprendizagem, fenómeno que tem proliferado em muitos contextos, desde os profissionais aos académicos, passando por outros de natureza mais ou menos informal.

De que falamos quando nos referimos a tais comunidades de aprendizagem?

Assumindo que qualquer comunidade se constitui como um todo dinâmico, resultado do envolvimento dos seus membros em atividades conjuntas e em torno de interesses comuns, o termo “de aprendizagem”, quando associado a este conceito de comunidade, aportará a este entendimento uma dimensão de finalida- de ou objetivo: a busca de conhecimento.

Uma comunidade de aprendizagem será, pois, uma comunidade constituída com fins específicos (construir determinadas aprendizagens), sendo que a sua própria constituição é determinada por esses mesmos obje- tivos e esgota-se, regra geral, com o terminus das atividades formativas. Não raras vezes, no entanto, este tipo de comunidade (aleatoriamente constituída, sem que os seus membros se conheçam necessariamente,

à partida) permanece, transfigurando-se, para além do formalismo e da efemeridade das formações que estiveram na sua génese, nas relações que (alguns d)os seus membros estabelecem entre si.

Quando tal acontece, podemos dizer que estamos na presença de uma Comunidade de Práticas. Neste sen- tido, como refere José Lagarto, “as comunidades de prática são fundamentalmente comunidades de apren- dizagem, pese embora a informalidade com que se efectuam as transferências do conhecimento.” (Lagarto, 2009: 55)

Ainda nas palavras de Lagarto (2009: 55), e ao contrário das comunidades de aprendizagem (mais formais, na sua aceção), uma “comunidade de prática (CoP), por definição, deve ser uma comunidade autónoma, com geometria variável quanto ao número dos seus membros, centrados nas suas características base, mas sem necessidade objetiva de atingir determinados fins.”

No entanto, ainda que as comunidades de aprendizagem partilhem com as Comunidades de Práticas carac- terísticas como a centralização do processo nos sujeitos da aprendizagem, enquanto atores determinantes, e ainda que as duas tenham em comum um conjunto de atividades (como a resolução de problemas, a pes- quisa de informação e a partilha de experiências, entre outras), tais características, a nosso ver, não impe- dem que estejamos em presença de dois modelos de trabalho colaborativo essencialmente distinto, pelo que discordamos da afirmação de Lagarto (2009: 56), o qual conclui que, “dentro de alguns limites, pode- mos tratar uma comunidade virtual de aprendizagem como uma comunidade de prática.”

O que distingue, então, uma comunidade de aprendizagem de uma Comunidade de Práticas?

No sentido de procurar esclarecer esta questão, procurámos, na origem da expressão Comunidades de Prá- ticas, atribuída a Jean Lave e Etienne Wenger, dois investigadores em modelos de aprendizagem, uma res- posta mais cabal.

Em 1991, Lave e Wenger postularam que mais que uma (tradicional) relação entre mestre e aprendiz, um estágio constitui um complexo sistema de relações sociais onde a aprendizagem acontece essencialmente pelo contacto do estagiário com outros estagiários e/ou com outros indivíduos com maior experiência (Wenger, 2006); neste sentido, a participação de um indivíduo num destes grupos traduz-se sempre em alguma sua aprendizagem, independentemente do papel que nela desempenha.

Assim, uma Comunidade de Práticas é um grupo de indivíduos que partilham um interesse ou um gosto por algo que fazem e sobre a qual podem aprender como fazer melhor pela interação. No entanto, como tivemos oportunidade de referir, não basta integrar um grupo em que todos os elementos partilham gosto ou interesse por uma mesma temática para podermos afirmar fazer parte de uma Comunidade de Práticas: em casos destes, estamos em presença de uma comunidade de interesses, a que um indivíduo pode pertencer simplesmente porque esta gira em torno de um assunto que lhe merece atenção. Este é apenas um dos requisitos necessários para falarmos em Comunidade de Práticas – o interesse. Além deste interesse, que lhe confere uma identidade própria, a noção de comunidade implícita a este tipo de organização é sinónima de compromisso e de partilha, mediante troca de conhecimentos e de práticas relacionadas com o interesse da comunidade: pertencer a uma Comunidade de Práticas significa interagir e aprender em conjunto, não apenas porque se tem o mesmo tipo de atividade mas porque se pode e quer aprender de forma coletiva. Os membros de uma Comunidade de Práticas praticam, isto é, desenvolvem de forma partilhada um repertório de recursos, sejam eles ferramentas, meras histórias ou relatos de experiências. É pela conjunção destes três conceitos – interesse, comunidade e práticas – que se constitui uma Comunidade de Práticas.

No contexto educativo, e constituindo um desafio às noções tradicionais de ensino-aprendizagem enquanto transmissão e receção de conhecimento frequentemente alheado da prática, as Comunidades de Práticas têm por base duas características centrais: a aprendizagem é essencialmente situada e a prática é tornada significativa mediante a reflexão proporcionada pelos/com os restantes membros envolvidos na experiên- cia. Esta perspetiva impõe as seguintes questões: como organizar as experiências educativas subjacentes à aprendizagem escolar em práticas de participação em comunidades? Como relacionar as experiências dos indivíduos com as práticas reais através da participação em comunidades mais amplas que ultrapassam os muros da escola? Como satisfazer as necessidades de aprendizagem ao longo da vida deste indivíduos atra- vés da organização de Comunidades de Práticas focadas em temas de interesse, mantendo a sua participa- ção para além do período de escolarização inicial?

Manter uma Comunidade de Práticas impõe, assim, dedicar especial atenção a alguns aspetos que, se não forem devidamente acautelados, poderão contribuir para o seu desaparecimento (Wenger, McDermont e Snyder, 2002). Flexibilidade e, sobretudo, abertura a interesses não demasiado específicos, recetividade à integração ocasional de contributos oriundos do seu exterior (sempre que considerados pertinentes) e a

apontadas por estes autores como essenciais à manutenção de/participação em Comunidades de Práticas. Focando-se em contextos de educação, Helm (2007) sugere ainda o reconhecimento e valorização de con- tributos oriundos de comunidades construídas informalmente (grupos de professores que de alguma ma- neira, não de forma muito intencional ou sistemática, partilhavam já experiências, por exemplo) poderá facilitar a constituição de Comunidades de Práticas na aceção aqui utilizada, assim como incentivar a aber- tura dessas comunidades a novos membros, contribuindo dessa forma para o seu alargamento. Este autor refere ainda a acessibilidade e funcionalidade de recursos como essenciais à afirmação e sustentabilidade de uma Comunidade de Práticas.