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Princípios epistemológicos e a metodologia da problematização

No âmbito da investigação educacional, o paradigma do professor reflexivo na supervisão das práticas pe- dagógicas tem vindo a adquirir um valor formativo. É nossa intenção destacar que tal valor, porém, só é consciencializado e assumido por via da problematização da experiência educativa contextualizada desses mesmos professores, com fortes repercussões sobre a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem e da (re)configuração da sua identidade profissional, motivo pelo qual, cremos nós, também se poderá afir- mar no âmbito da Problematização em Educação e Formação de Educadores.

À capacidade de lidar com a imprevisibilidade da prática, ao agir profissional que envolve “processos artís- ticos e intuitivos” no âmbito de situações de “incerteza, instabilidade, de singularidade e conflito”, Schön (1983) chama criatividade. Trata-se de uma competência que se traduz num saber-fazer sólido, integrando e unindo o conhecimento teórico referencial e o quadro epistemológico pessoal de representações com o conhecimento emergente da prática e que, como é óbvio, só nela reside, porque se relaciona, sobretudo, com um exercício de reflexividade praxiológica. Nesta perspetiva reflexiva, a abordagem “baseia-se no va- lor da reflexão “na” e “sobre” a ação com vista à construção situada do conhecimento profissional” que Do- nald Schön apelidou de “epistemologia da prática” (1983:75), ou seja, baseia todo o processo formativo no valor da “reflexão a partir da acção”, com vista aos processos de consciencialização conducentes ao desen- volvimento profissional.

Constituindo esta perspetiva shöneana (porque fornece as condições de pensamento e de ação) a proble- mática de fundo na qual se pretende recorrer a indutores dilemáticos, no âmbito da linha da problematiza- ção, numa Comunidade de Práticas, contribuindo para um modelo de formação contínua de docentes ba- seado na “noção de experiência” de Dewey, permitirá, aos docentes, confrontarem-se com a direção e o significado da sua atividade profissional à luz daquele quadro.

Ao aceitarmos a convicção de Dewey de que a experiência se realiza como categoria da totalidade, expres- são plena, do modo de ser do homem, então tudo se compreende na experiência: a educação é de e por a experiência. Aqui a pedagogia assume um estatuto eminentemente praxiológico: o sujeito pedagógico, animado por uma racionalidade pragmática, desenvolve pela sua prática investigativa um novo espaço praxiológico do saber. Contudo, se toda a educação é experiência, nem toda a experiência é de novo movi- mento pedagógico. Portanto, podemos considerar que a noção de experiência de Dewey exige uma nova atitude educativa, assente em princípios epistemológicos pós-positivistas e em pressupostos próprios de uma pedagogia do conhecimento que tem como seu princípio heurístico a conceção de que educar, no con- texto da nossa contemporaneidade, implica a precedência da aprendizagem sobre o saber.

Por outras palavras, o problemático é aqui entendido como a modalidade de sentido e de juízo, assim como garantia da regulação dos processos na medida em que, com ela, se definem critérios, se assumem posições e se constroem problemas em correlação com a capacidade de se enfrentarem situações dilemáticas. Deste modo, a opção da linha da problematização através da utilização de indutores dilemáticos permite (numa Comunidade de Práticas) tomar consciência de situações-problema, articular a dúvida e a certeza, analisando dilemas, questionando pensamentos a partir (e sempre) das experiências, impasses e até mesmo de algumas conflitualidades inerentes às práticas pedagógicas partilhadas pelos docentes com o objetivo de gerar debate e ir construindo um pensamento reflexivo, crítico e criativo no sentido de atualizar o perfil deste profissional e as suas estratégias de intervenção. Partilhamos da opinião de Michel Fabre quando afirma que educar no mundo atual “não pode mais ser impor um caminho, é antes dar uma bússola e mapas para que cada um invente o seu próprio caminho sem se perder nos labirintos.” (Fabre, 2011: 19)

A problematização em contexto escolar deverá conciliar sucesso e compreensão, subordinando o primeiro à segunda: DE NADA SERVE RESOLVER SEM COMPREENDER. Portanto, emerge aqui o problema como dialética entre o conhecido e o desconhecido, como relação entre o sujeito e as tarefas a executar e ainda como perspetivação do enigma que leva ao delineamento do projeto.

A pedagogia do problema implica a definição de uma situação problemática que seja significativa para o público a que se destina, para a qual exista uma solução particular e que a solução proposta para essa situ- ação problemática permita a emergência dos conhecimentos que se pretendem explorar/formalizar e/ou contextualizar.

A aplicação desta pedagogia exige uma boa formulação/construção do problema, de forma a permitir uma sua eventual mas possível (re)construção, que contemple todos os dados pertinentes à sua resolução e res- peite as condições do problema original: torna-se por isso fundamental uma supervisão do professor (no caso aqui apresentado, mediatizada pela tecnologia – tutoria digital) ao longo de todo o processo.

Vejamos um exemplo ilustrativo no ensino e aprendizagem do conhecimento gramatical:

Consideramos que, no âmbito das relações entre problematização e aprendizagem da gramática, a necessi- dade de refletir sobre as práticas e de implementar outras metodologias no ensino e aprendizagem do co- nhecimento gramatical deverá ser equacionada numa perspetiva que considere as atuais conceções sobre um ensino centrado na promoção das aprendizagens. Cremos que a noção de problematização se enquadra no que autores como Hudson (1992) e Duarte (1998; 2008) defendem ao assumir que o ensino da gramáti- ca deve recorrer a uma abordagem ativa e centrada no aluno, que é induzido, sob orientação do professor, à descoberta do conhecimento gramatical. Para tal, compete ao professor guiar o aluno neste processo, ofe- recendo-lhe a possibilidade de realizar tarefas que passam pela manipulação de unidades da língua, obser- vação dos efeitos produzidos, comparação dos dados resultantes, descoberta e explicitação das regularida- des encontradas para mobilização dos saberes adquiridos ao serviço das restantes competências linguísti- cas. Sem rejeitar a ideia de que outras estratégias (como a memorização) são também elas válidas, esta conceção sustenta-se no que os resultados da investigação têm descrito como vantagens cognitivas e ins- trumentais desta conceção de ensino gramatical.

Esta metodologia ativa de descoberta e de resolução de problemas, baseada na experiência, pode ser apli- cada com vantagens a um laboratório gramatical, com uma vertente marcadamente experimental e na qual os estudantes têm oportunidade de questionar a língua e de refletir sobre ela de forma crítica, treinando o pensamento analítico e a experimentação, atividades que, aliás, são chamados a realizar igualmente nou- tras áreas, como a matemática (na resolução de problemas) ou nas ciências (por via do método experimen- tal) ou na educação artística (por via do método experiencial), entre outras.

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