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Logo após termos decidido avançar pelo uso das narrativas em sala de aula, muito no início do nosso trabalho investigativo, trabalhámos o estudo de caso de Galili (2010) “Viagem à história do conceito de Imagem e Visão: de Pitágoras a Kepler” que adaptámos para Português (Apêndice G). Ao apresentarmos esta excursão histórica numa aula em que trabalhávamos a construção da imagem por Kepler, uma aluna perguntou no final, fazendo eco do sentimento de todas as outras: mas isso é preciso saber? Ou seja, sai para o teste? E nós não estávamos preparados para responder a isto. Após uma hesitação dissemos que não, não era preciso saber, e avançámos “com a matéria”. Esta experiência teve um peso essencial na nossa decisão de não adotar, pelo menos nesta investigação, a forma narrativa ou digressão histórica.

Ainda assim, era necessário considerar esta possibilidade seriamente pois já havíamos investido uma quantidade significativa de tempo e trabalho e, eventualmente, fruto de uma mais cuidada avaliação das possibilidades e constrangimentos, nossos e dos processos, a decisão de não adotar a forma narrativa poderia ser revertida. Deste modo mantivemo-la em suspenso.

Rudge e Howe (2009), acompanhados por vários autores (Allchin, 1992, 2003, 2013; Höttecke et al., 2012) propõem, por seu lado, um uso instrumental da HFC. Tendo em conta os constrangimentos do ensino das ciências em sala de aula, que aliás são avançados por Monk e Osborne (1997, pp. 406–408), Rudge e Howe (ibid.) defendem o uso da HFC:

Para explorar conceções prévias que os alunos trazem para a sala de aula e para lhes dar oportunidades de pensar de acordo com o que os cientistas no passado fizeram, como um exercício em pensar como cientistas, em lugar de recapitular exatamente o que historicamente aconteceu. Pensamos que a história da ciência é melhor usada para ajudar os alunos a superar conceções alternativas que possuem sobre fenómenos científicos quando são convidados a estudar os tipos de considerações que levaram cientistas no passado a ultrapassar conceções similares, ou quando a compreensão do desenvolvimento histórico é necessária para que [as conceções de hoje] façam sentido. (sublinhado nosso) (p. 566)

Assim, para atingir estes objetivos pedagógicos, Rudge e Howe (2009) defendem:

que é apropriado e mesmo avisado que os professores rompam com a real sequência de eventos e detalhes históricos quando (…) a vantagem de desenvolver uma compreensão mais sofisticada da história da ciência é superada por considerações de

105 outra ordem.(p. 566)

A estes usos da HFC, Höttecke et al. (2012), seguindo a aproximação instrumental de Rudge e Howe (2009) propõem o uso da HFC para (re)construção didática. Aliás, é o modelo de reconstrução didática (Duit, 2007; Höttecke et al., 2012, p. 1238) que é usado para a elaboração dos estudos de caso do projeto HIPST. Também Allchin (2013, pp. 28–45) desenvolve um conjunto articulado de argumentos que sustentam o título do capítulo “História como um instrumento” (History as a tool) no seu recente livro Teaching the Nature of Science: Perspectives & Resources.

Não foi no entanto, através da leitura de Dietmar Höttecke et al. (2012) que descobrimos a sequência de ensino-aprendizagem (teaching-learning sequences no original, com o acrónimo TLS que usaremos durante todo o texto). Mas notamos agora, numa nova leitura do trabalho de Höttecke et al. (ibid.), que as nossas opções metodológicas para o uso da HFC no ensino já lá estavam, nomeadamente no uso da reconstrução educacional e na referência explícita a um trabalho de 2004 de Reinders Duit e colegas “Towards science education research that is relevant for improving practice: The model of educational reconstruction” (Höttecke et al., 2012, p. 1238). Já conhecíamos Reinders Duit por ser um autor citado por autores como Méheut e Psillos (2004) no artigo com o título de “Teaching-learning sequences: aims and tools for science education research” devido às suas investigações em reconstrução educacional (Duit, Gropengießer, Kattmann, Komorek, & Parchmann, 2012), assim como pelo seu trabalho em mudança concetual (Duit & Treagust, 2003; Duit, Treagust, & Widodo, 2008) ou, ainda, através de Peter Lijnse e dos seus trabalhos em didática das ciências (Lijnse, 1995, 2000, 2004). Antes de avançarmos, convém perceber porque as TLS ou o modelo de reconstrução educacional de Duit et al. (2012; 2007) se tornou relevante para o nosso percurso.

Peter Lijnse (2000) exerceu em nós uma influência no domínio da didática que só comparamos ao trabalho de Yves Chevallard e Marie-Albert Joshua (1991). Ao explicitarem o conhecimento (académico ou de referência) como problemático e a necessitar de trabalho didático (de transposição), colocam o conhecimento, não como um dado estável do processo de ensino-aprendizagem, mas como um problema a ser trabalhado.

Ora, esta aproximação ao ensino-aprendizagem das ciências evoca o nosso sentido inicial de transformação das nossas práticas de ensino-aprendizagem que sempre envolveram, ainda que de modo implícito, o conhecimento (académico) e o conhecimento do professor como matéria a ser trabalhada. No início do nosso processo investigativo, havia em nós um elevado nível na identificação entre os dois

106 conhecimentos: a aderência a um ensino transmissivo e descontextualizado resulta muito de adotarmos uma grande identificação entre o conhecimento do professor como o conhecimento académico.

Yves Chevallard e a referência à teoria da transposição didática (TD) foi encontrada em Filomena Amador (2010) e foi seguindo este fio que chegámos às sequências de ensino-aprendizagem. No entanto, durante muito tempo, pensámos em usar a HFC para informar a nossa TD. De acordo com Chevallard e Joshua (1991), “todo o projeto social de ensino e aprendizagem constitui-se dialeticamente com a identificação e a designação de conteúdos de saberes como conteúdos a ensinar.” (p. 39) (sublinhado no original) Continuam, afirmando:

Os conteúdos dos saberes designados como sendo a ensinar (explicitamente: nos programas; implicitamente: através da tradição, evolutiva, de interpretação dos programas), em geral preexistem ao movimento que os identifica como tal. Às vezes, no entanto (…) são verdadeiras criações didáticas, suscitadas pelas ‘necessidades do ensino’ (sublinhado no original) (id., ibid.)

Num terceiro momento, definem então a transposição didática como o trabalho ou “conjunto de transformações adaptativas” que “um conteúdo de saber tendo sido designado como saber a ensinar sofre e que “irá torná-lo adequado a tomar lugar entre os objetos de ensino.” (id., ibid.)

A TD, conforme elaborada por Chevallard e Joshua (1991), ainda que elaborada no quadro da didática da matemática, seduziu-nos pela sua consistência e capacidade de gerar conhecimento didático (poder heurístico). No entanto, a sua origem na didática da matemática e o não encontrarmos referências significativas ao seu uso na didática das ciências, por um lado, e por outro, a ligação estreita que se verificava existir com a investigação no domínio das sequências de ensino aprendizagem, levou-nos a abandonar o uso da TD e a adotar as sequências de ensino aprendizagem (Duit, 2007; Duschl, Maeng, & Sezen, 2011; Leach & Scott, 2002; Lijnse, 1995, 2004; Méheut & Psillos, 2004; Tiberghien, Psillos, & Koumaras, 1995; Tiberghien, 1996, 2000).

Leach e Scott (2002, pp. 135–137) ligam explicitamente a TD ao seu próprio entendimento do processo de criação de sequências de ensino-aprendizagem. Pareceu-nos, portanto, mais natural seguir as abordagens mais usadas na didática das ciências, onde se situa o nosso trabalho. Não afirmamos com isto que fazer o contrário, e usar explicitamente uma abordagem usual em didática da matemática seria de algum modo errado; apenas referimos que não foi esse o nosso percurso.

Antes de abordar a nossa interpretação e uso do quadro teórico das TLS torna- se necessário abrir um parêntese para que possamos explicitar algumas abordagens no

107 nosso estudo que ficaram, até agora, na forma implícita.