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Segundo Jean McNiff e Jack Whitehead (2002) a investigação-ação é “uma forma de prática que envolve recolha de dados, reflexão sobre a ação tal como apresentada pelos dados, geração de evidências a partir dos dados e produção de afirmações de conhecimento” (p. 16) fundamentadas em evidências.

Por seu lado, para John Elliott (2001), “o objetivo fundamental da investigação- ação é melhorar a prática mais do que produzir conhecimento. A produção e utilização do conhecimento é subordinada e condicionada por esse objetivo fundamental” (p. 49), ideia que reencontramos em, por exemplo, Diana Burton e Steve Bartlett (2005). Já para Geoffrey Mills (2003) a investigação-ação seria, numa definição que lembra a apresentada por Elliott:

Qualquer investigação sistemática conduzida por professores investigadores (...) e outros participantes no processo de ensino/aprendizagem, para recolher informação sobre como as suas escolas funcionam, como ensinam, e quão bem os seus estudantes aprendem. Esta informação é recolhida com o objetivo de ganhar um conhecimento, desenvolver uma prática reflexiva, efetuar mudanças positivas no ambiente da escola (e nas práticas educacionais em geral), e melhorar os resultados dos estudantes e as vidas dos envolvidos no processo. (p. 6)

65 Para Wilfred Carr e Stephen Kemmis (1986) a investigação-ação “é simplesmente uma forma de investigação autorreflexiva, desenvolvida por participantes em situações sociais, de modo a melhorar a racionalidade e justiça das suas próprias práticas, a sua compreensão dessas práticas e as situações nas quais as práticas são desenvolvidas.” (p. 162)

Valsa Koshy (2008), por sua vez, após recensear um conjunto de definições da literatura, conclui:

Muito da literatura sobre investigação-ação, enfatiza a natureza prática deste tipo de investigação. Relaciona-se com as práticas de pessoas, muitas vezes no seu local [de trabalho]. O seu principal objetivo é melhorar a prática – seja a sua própria prática, ou a eficácia de uma instituição.” (p.9)

Esta primeira abordagem à investigação-ação coloca algumas questões: o que é entendido por prática, porque o conhecimento (teoria) surge, em algumas abordagens da investigação-ação, subordinada à prática, qual a relação entre teoria e prática na investigação-ação, o que os dados apresentam, ou seja, qual o nosso compromisso ontológico, e como as evidências surgem dos dados.

A reflexão e a procura pela compreensão da investigação-ação realizada pelos investigadores na própria ação investigativa, levou a um melhor entendimento do que é esta metodologia pelos autores. Como afirmam McNiff e Whitehead (2002), na primeira edição do seu trabalho em 1988, reconhecem que escreveram sobre a investigação- ação de modo não problemático. Após vários anos de trabalho e reflexão, a investigação-ação começou então a deixar de ser vista como “um conjunto concreto de passos (...) mas um jogo dialético entre prática, reflexão e aprendizagem.” (p.14)

Procuramos de seguida, seguindo algumas propostas existentes na literatura, fundamentar uma conceção de investigação-ação que nos permitiu prosseguir com a investigação. Iremos em primeiro lugar ver como o ensino-aprendizagem é um processo social colaborativo, permitindo assim uma abordagem da investigação-ação colaborativa e da sua utilização em educação. Este processo vai levar-nos a refletir sobre a relação entre a teoria e a prática em educação o que nos vai permitir a operacionalização da investigação-ação.

3.1.1 A linguagem no ensino, ou o ensino como processo colaborativo

Em sala de aula desenvolve-se uma teia de (inter)relações mais ou menos densa. Esta teia, não se dissolve após a aula: prossegue nos trabalhos que ficam por realizar, nas comunicações que se concretizam entre aulas (e.g., e-mails, tutorias,

66 encontros casuais na escola, nas iniciativas dirigidas a toda a comunidade académica). As relações desenvolvidas em sala de aula assentam num caráter social colaborativo que tem no ensino-aprendizagem o cimento o sustenta. Mas é noutra instância que podemos fundar o ensino como processo social colaborativo.

O ensino-aprendizagem é um processo social onde a linguagem desempenha um papel fundamental (DeVries, 2000; Howe, 1996; Lemke, 1990; W.-M. Roth, 2013; Scott, 1998; Shayer, 2003; Sutton, 1992).

De acordo com Clive Sutton (1992), a linguagem no ensino tem como função: (…) ‘re-criar ideias’, um processo que é mais do que ‘informar’ os alunos, e que é melhor pensado como induzindo-os num certo modo de falar sobre o tópico em questão (…). Nenhuma destas respostas [sobre a função da linguagem] faz justiça às funções sociais e emocionais da linguagem, que, de facto, tomam precedência em sala de aula, mas elas começam a revelar um contraste nas crenças sobre como a linguagem funciona na relação com o conhecimento, informação e compreensão. (p. 49)

Já para Ann Howe (1996), num excerto que poderíamos reforçar com a investigação de Moll e Whitmore (1993):

A ênfase de Vygotsky esteve sempre na ideia de que o desenvolvimento vem através da interação entre crianças e adultos e entre as próprias crianças. Esta visão permeia o trabalho de Vygotsky e foi enfatizada por Davydov, um proeminente estudioso de Vygotky (…), [segundo o qual] o ensino, que não é mais do que uma forma de interação social, não era para Vygotsky uma atividade unidirecional mas uma verdadeira colaboração entre o professor e a criança, na qual o professor guia, direciona e encoraja a sua atividade (p. 38) [ênfase nossa]

Philip Scott (1998), por seu lado, oferece uma perspetiva na qual “o foco não está mais em atividades instrucionais isoladas (…) mas desloca-se para olhar essas atividades [no contexto] de um fluxo discursivo, o qual vai para trás e para a frente entre o professor e os alunos” (p. 73)

Segundo Marina (1995), “a linguagem, além de permitir ao sujeito construir o Mundo” (p. 76) permite que ele tome posse de si próprio: é a própria subjetividade que emerge da linguagem, sendo que esta reestrutura todas as funções mentais, numa ideia que Marina (ibid.) foi buscar a Vygotsky. Além do mais, “a capacidade de suscitar, dirigir e controlar os acontecimentos mentais” (p. 77), a que Marina (ibid.) chama de inteligência, “surge em situação social” (p. 77). E Marina (1995) acrescenta:

67 copiar a todos os níveis, pouco a pouco a mãe vai deixando à criança o controlo da ação. Wertsch, Minick e Arns estudaram o modo como levaram a cabo esta tarefa independentizadora mães de diferentes níveis educacionais. As que pertenciam a grupos sociais pouco escolarizados delegavam com mais dificuldade a direção da atividade. Consideravam que o importante era que o trabalho fosse feito, e não que a criança aprendesse a fazê-lo. [sublinhado nosso] (pp. 79-80)

Kubli (2005), analisando o trabalho temporalmente coincidente, mas realizado independentemente, de Vygotsky e de Michail Bakhtin, afirma que “o ensino é uma interação com a atividade mental do ouvinte, e a arena deste esforço para influenciar o estudante é o sistema partilhado da linguagem” (p. 508).

3.1.2 Fundamentação da investigação-ação colaborativa

A investigação-ação colaborativa tem uma sólida história em educação (Carr & Kemmis, 2009; Carr, 2006, 2007; Cochran-Smith & Donnell, 2006; Elliott, 1987; Fals- Borda, 2006; Groundwater-Smith, Mitchell, Mockler, Ponte, & Ronnerman, 2013; Kemmis & McTaggart, 2006, 2000; Kemmis, 2005, 2010; Koshy, 2008; McTaggart, 1996; Schratz, 1996; Wells, 2009).

Se a reputação do psicólogo social Kurt Lewin permitiu a disseminação da investigação-ação por várias disciplinas no fim da década de 1940 e início da década de 1950 do século XX, Stephen Corey (1954), pouco depois, introduziu-a em educação (Adelman, 1993; McTaggart, 1994; Somekh & Zeichner, 2009). Os esforços para justificar (incorporar) a investigação-ação no âmbito do dominante paradigma positivista, levou a um declínio temporário do seu uso nos EUA (Somekh & Zeichner, 2009).

A segunda geração de investigação-ação na década de setenta foi construída na tradição inglesa de desenvolvimento organizacional, onde se destacam os trabalhos de John Elliott (2009). O reconhecimento do carácter eminentemente “prático” da tradição inglesa (Elliott, 1987) levou à emergência da terceira geração de investigação-ação na Austrália na década de oitenta, através de uma exigência de investigação-ação de carácter mais crítico e emancipatório e onde salientamos os trabalhos de Mctaggart, Kemmis e Carr (Carr & Kemmis, 1986; Kemmis, 2006; McTaggart, 1994). Podemos reconhecer, ainda, uma quarta geração de investigação-ação que emergiu, por um lado, em conexão entre a perspetiva crítica e emancipatória e, por outro lado, com a perspetiva participativa da investigação-ação desenvolvida no contexto dos movimentos sociais do Terceiro Mundo, onde se destacaram, por exemplo, Paulo Freire e Orlando Fals-Borda (Fals-Borda, 2006; Gaventa & Cornwall, 2001).

68 ação como processo colaborativo varia de autor para autor. Frequentemente, a IA é entendida como um processo solitário de autorreflexão sistemática. Esta vertente está sempre presente em qualquer processo de investigação e portanto na investigação- ação. Mas esta é melhor conceptualizada como um processo colaborativo pois é “direcionada para o estudo, reenquadramento e reconstrução de práticas” que, como vimos, são pela sua própria natureza, sociais (id., ibid.).

A investigação-ação em educação

Se, como vimos, a educação é um processo social, e a ação educativa visa a melhoria desse processo, então assumimos, ainda que implicitamente, um compromisso de carácter político sobre o que é melhor para a educação, e logo para a sociedade (Carr & Kemmis, 2009, p. 80). Wilfred Carr e Stephen Kemmis (ibid.) propõem então que a distinção entre investigação-ação pessoal, profissional e política é uma questão de ênfase.

A investigação-ação é pessoal, pois a “participação na investigação pelos que estão envolvidos na ação tem sido uma característica definidora da investigação-ação em toda a sua história”; é profissional, pois, pelo menos no caso da investigação-ação desenvolvida pelo professor-investigador, relaciona-se com a sua conduta profissional e, como vimos, também é política, pela assunção do que é uma melhor educação, uma melhor escola (id., ibid.).

A prática educativa, ainda segundo os mesmos autores, é um constructo que interconecta a unidade da vida do investigador (o aspeto moral, pessoal), a existência de instituições (o aspeto profissional), bem como o “poder orientador das tradições” (o aspeto político). Deste modo, a investigação-ação deixa de ser investigação-ação em educação quando um destes elementos está ausente.

Daqui em diante, e dados os pressupostos discutidos já discutidos, referimos IA estamos a referir-nos a IA em educação.

3.1.3 A teoria e prática na investigação-ação

Segundo Kemmis e Mctaggart (2006, pp. 563 – 564), a IA envolve, a investigação de práticas concretas, materiais e não práticas abstratas, diferindo de outras formas de investigação na sua obstinação em focar-se na investigação e alteração de “práticas particulares de pessoas particulares em lugares particulares”. Deste modo caminhamos no sentido de satisfazer o critério de congruência metodológica que encontramos em Creswell (2007, p. 42): encontramo-lo satisfeito, para já, na relação entre o enunciado

69 do problema da presente investigação e a escolha metodológica da IA para o seu estudo.

Kemmis e Mctaggart (2006) rejeitando o dualismo teoria-ação, notam uma inferiorização da teoria e da construção teórica na literatura em IA ‒ conforme, aliás, verificámos no início deste capítulo ‒ defendendo que a IA necessita “tanto de mais teoria como de mais ação”

Prosseguindo na fundamentação da IA, a “investigação sobre a prática é ela própria uma prática” segundo Kemmis e Mctaggart (ibid., p. 572). Ora, a prática da investigação sobre a prática tem tomado, consoante as posições ontológicas e epistemológicas dos autores, formas diversas, com ênfase mais objetiva ou subjetiva, mais individual ou mais social. Dependendo do que entendem por conhecer a prática (escolha epistemológica) e o que é uma prática, “portanto, como ela própria se manifesta na realidade (escolha ontológica) ” (id., ibid.), são escolhidos diferentes métodos e técnicas de investigação.

Esta é a aproximação à IA abundantemente usada na literatura, constituindo-se como uma abordagem “metodologicamente definida” (id., ibid.). No entanto, nesta abordagem

os investigadores podem obscurecer, mesmo deles próprios, as escolhas epistemológicas e ontológicas subjacentes à sua escolha dos métodos [e técnicas] (...) [logo], é arriscado prosseguir uma discussão de investigação sobre a prática principalmente a partir de métodos e técnicas de investigação – arriscado porque os métodos que escolhemos, podem, inadvertidamente, 'comprometer-nos com um modo particular de ver o assunto'” [sublinhado no original] (id., p. 572)

Veja-se a seguinte passagem de Wittgenstein (citada em Kemmis e Mctaggart (2006, p. 572): “Como surge o problema filosófico sobre os processos e estados mentais e sobre o behaviourismo? O primeiro passo é aquele que de todo passa despercebido. Falamos de processos e estados e deixamos a sua natureza suspensa.” Este passo, o de não assumirmos, ainda que inadvertidamente nenhum compromisso ontológico, leva-nos a compromissos metodológicos que eventualmente até podem nem ser os mais adequados.

Cinco aproximações ao estudo da prática são identificadas por Kemmis e Mctaggart (2000, pp. 575–579): a) prática como comportamento individual, a ser estudada objetivamente, b) prática como comportamento de grupo, a ser estudada objetivamente, c) prática como ação individual a ser estudada de uma perspetiva subjetiva, d) prática como ação social, a ser estudada de uma perspetiva subjetiva e, e)

70 prática reflexiva, a ser estudada dialeticamente.

Todas estas visões da prática são suscetíveis de enquadrar investigações proveitosas em investigação em educação. A IA engloba estas cinco visões da prática e, se usa um método ou instrumento quantitativo, não é por os achar mais “rigorosos, válidos ou fidedignos” (id., ibid.), mas sim por os julgar uma aproximação ao entendimento da prática, ainda que grosseira. Inversamente, o investigador que utiliza a IA não vê que a prática possa ser apreendida apenas através de técnicas e métodos qualitativos. Pode-se revelar útil ou necessário explorar como as perspetivas dos participantes mudam e são mudadas com alteração das circunstâncias objetivas.

Assim, para Stephen Kemmis e Robin Mctaggart (2006) “o que torna a IA 'investigação' não é a maquinaria de técnicas de investigação, mas antes uma preocupação permanente com as relações entre as teorias sociais e educativas e a prática.” (p.574) Adotando uma visão mais abrangente da prática, com as cinco dimensões referidas, tornamo-nos capazes de compreender e teorizar de modo mais rico.

3.1.4 Para uma operacionalização da investigação-ação

A IA foi desenvolvida em dois ciclos investigativos (Figura 6) numa escola superior de Lisboa, com a participação de duas turmas em cada ciclo de investigação (Tabela 1) e foi operacionalizada por um conjunto de oito pontos orientadores, que adaptámos de Kemmis e Mctaggart (2006, pp. 563–568) para o nosso estudo:

(a) Ciclos autorreflexivos (Figura 6). Na presente investigação tivemos dois ciclos. Estes são definidos por um conjunto de passos (reflexão/observação, planeamento, atuação, observação/reflexão, revisão do plano) que se sucedem no tempo mas em geral podem sobrepor-se alimentando o ciclo seguinte. Foi o que aconteceu na presente investigação, onde o segundo ciclo autorreflexivo incorporou conhecimentos, experiências e resultados preliminares do primeiro ciclo autorreflexivo. Os participantes mudaram, mantendo-se apenas o professor-investigador. Vários autores consideram os próprios ciclos como definidores de um processo de investigação-ação, o que não é o nosso caso. (b) Processo social. O trabalho investigativo inseriu-se no âmbito da investigação

em educação, e como vimos, o ensino-aprendizagem é um processo social; (c) Participativa. O estudo teve esta vertente participativa, essencialmente por duas

ordens de razões. Primeiro não foi um trabalho apenas, ou mesmo essencialmente, feito sobre outros, pois envolve-nos de modo fundamental. Em segundo lugar, pretendeu despertar nos alunos uma atitude diferente em relação

71 à ciência (aprendizagem, ensino e concetualização) assim como uma aprendizagem mais rica e duradoura.

(d) Prática e colaborativa. Pretendemos envolver-nos num processo reflexivo sobre o ensino, identificando práticas a prosseguir ou a abandonar e envolvendo-nos na descoberta de outras em conjunto com os alunos e colegas.

(e) Emancipatória. Pretendemos com o presente trabalho, libertar-nos e libertar a nossa didática de uma tradição transmissiva e a-histórica, introduzindo a HFC. (f) Crítica. Tivemos como objetivo reforçar os nossos argumentos para um ensino

da ciência humanizado.

(g) Reflexiva. O estudo da realidade (em mudança) pretendeu mudá-la e mudá-la para a investigar.

(h) Objetivo de transformar tanto a teoria como a prática. Não considerámos nem a teoria nem a prática como prevalecendo uma sobre a outra, mas ambicionámos articular e desenvolver cada uma delas, raciocinando criticamente tanto sobre a teoria como sobre a prática, num processo que foi do particular à exploração de possíveis generalizações, e num outro que foi de teorizações mais globais para a exploração de potenciais práticas.

Figura 6. Ciclos de IA desenvolvidos.

Ao adotarmos uma conceção da IA onde os oito pontos apresentados entram em conjunto numa definição, não estamos a dizer, que no processo investigativo eles estiveram sempre, e de igual modo, presentes.