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Este conhecimento explícito que acabámos de referir resultou de um processo de formação enquanto professor-investigador, que caminhou em paralelo com o processo investigativo e a nossa integração na comunidade da educação em ciência com a simultânea mudança ontológica e epistemológica.

O estudo, com a professora Olga Pombo, de autores como Karl Popper, Thomas Kuhn, Gaston Bachelard, Feyerabend, Imre Lakatos e Gerald Holton em simultâneo com as aulas da Professora Ana Simões (“História das Ciências, do Iluminismo aos nossos dias”), levou-nos a considerar a integração da ciência no processo mais vasto de criação de conhecimento e a olhar este como tentativo e provisório; a ver os seus fundamentos

98 como uma construção humana e a obtenção do adjetivo “científico” como resultado de um processo que não está predeterminado.

Numa segunda fase, ainda com Olga Pombo, explorámos a “Filosofia do Conhecimento Científico” e, com Henrique Leitão, abordámos a Revolução Científica do século XVII. Ainda tivemos oportunidade de frequentar “Historiografia das Ciências” com Ana Simões.

Este caminho permitiu-nos ver a própria mudança: o desaparecimento da história das ideias do campo da historiografia das ciências e o emergir do contexto e dos artefactos/instrumentos como objetos de estudo (Baird, 2004; Hacking, 1983) ‒ sobre os quais, aliás, desenvolvemos um projeto de investigação que, também ele, é constitutivo da nossa identidade enquanto professor-investigador (Covelo, Maurício, & Pessoa, 2012) ‒ o desenvolvimento de estratégias de persuasão por Galileu como caminho para disseminar as suas posições científicas (Biagioli, 2005) as quais viríamos a reencontrar em Newton (Schaffer, 1989); as diferentes estratégias de legitimação do conhecimento como conhecimento científico perante a comunidade dos pares, e mesmo o que constitui conhecimento (por oposição a opinião) (Shapin & Shaffer, 1984). O conhecimento científico aparecia como resultante de atividades profundamente humanas, onde o erro, a persuasão, o poder, o jogo de influências não tinham um papel menor.

Os próprios problemas da Filosofia do Conhecimento Científico, o que apresentam é a sua diversidade nos conteúdos e na abordagem. O problema da demarcação toma uma diversidade de aspetos conforme o autor que o ataca, e.g. Popper (2005) ou Feyerabend (1993); o problema da validade (do conhecimento) é aproximado de modo diverso pelos positivistas lógicos ‒ o ventre de onde quase todos vieram ‒ ou por Thomas Kuhn (2011); o problema da progressão do conhecimento científico conhece respostas diversas, conforme olhamos para Lakatos (Lakatos, 1970b) ou Popper. Em todas estas abordagens à epistemologia, a História da Ciência (HC), ou casos de estudo da HC são, conforme os casos, fundamento ou ilustrações para os seus argumentos. Foi para nós muito rico ler sobre a metodologia que Newton afirma conduzir ao conhecimento certo – mais, afirma que é o único método que conduz ao conhecimento certo ‒ em Feyerabend (1981). Ver a filosofia em movimento, o pensamento em movimento (em diálogo) e destruir a “filosofia espontânea do cientista” Althusser (1990) que nos dominava foi conhecer um outro mundo.

Esta ideia de descoberta de um novo mundo é, aliás, uma ideia a que por vezes aludimos quando queremos representar a nossa inserção na comunidade da educação em ciência. A educação como campo do conhecimento, como ciência social foi uma descoberta, e o diálogo que mantínhamos com colegas sobre esta questão mudou

99 radicalmente de interlocutor: hoje são colegas do domínio das ciências da natureza que interpelamos, enquanto ontem eram os colegas das ciências sociais. Verificámos que sabíamos tão pouco (sabíamos mal) e que não tínhamos qualquer sofisticação epistemológica.

Duas notas podemos inferir desta primeira evolução. Uma primeira, é a confirmação do quão útil é a ligação da História da Ciência com a Filosofia da Ciência e assim, falar, como começámos em 2011, seguindo a literatura, em HFC e não apenas em HC, afigura-se-nos agora como essencial.

Ainda que o nosso projeto investigativo faça uso da História da Ciência para trabalhar uma sequência didática, a nossa leitura da HC foi informada pela filosofia da ciência que, além do mais, clarifica termos como facto, evidência, causa, lei, explicação, modelo, indução, conceito ou teoria, por um lado e, por outro, num segundo nível de análise, permite uma identificação das nossas posições sobre o conhecimento e sua evolução bem como assumir de modo explícito uma ideia de ciência.

De certo modo voltámos à literatura e podemos agora entender, olhando de outro modo, a ideia de Michael Matthews (1994) segundo a qual:

Os professores, como profissionais, devem ter um conhecimento histórico e filosófico do seu conhecimento de conteúdo, de forma totalmente independente do facto de esse conhecimento ser ou não usado diretamente em sala de aula: os professores devem saber mais dos seu assuntos do que é necessário para ensinar. Os professores têm uma responsabilidade profissional para ver além dos muros da escola. Eles estão a lidar com a formação da mente de crianças e a introduzir as crianças naquilo que John Dewey chamou de conversação da humanidade. Os professores de ciência, em particular, estão a introduzir as crianças a uma tradição que é complexa, rica, influente e de grande significado cultural. (…) Eles têm uma responsabilidade para com a sociedade, para com a sua profissão e para com os seus alunos, tanto em compreender ciência como em ver a ciência nos seus amplos contextos históricos, filosóficos e culturais. (pp. 200, 201) Uma segunda nota relaciona-se com a necessidade do nosso processo investigativo: ganhou uma nova urgência, agora intrínseca a nós próprios, quando antes era ainda uma necessidade que resultava do confronto da nossa prática, com a literatura. Esta urgência revelou-se no estudo quase avassalador da literatura relevante, atividade que nunca abandonámos ao longo do nosso trabalho de investigação e que foi ganhando em dimensão e consistência; atividade que prosseguirá após este trabalho.

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