• Nenhum resultado encontrado

3.2 Desenho da Investigação

3.2.4 Elaboração e Validação do Questionário Q1

O questionário Q1 (Apêndice A) foi elaborado com o objetivo de realizar o levantamento das conceções dos alunos no domínio disciplinar da ótica. A elaboração do questionário teve duas orientações fundamentais. Por um lado, dentro do domínio da ótica procurámos averiguar o conhecimento dos alunos em áreas que são objeto de ensino-aprendizagem na unidade curricular em que desenvolvemos a investigação- ação e por outro, privilegiámos as perguntas abertas. Esta última opção resultou de possíveis ganhos na obtenção de representações sob a forma de esquemas ou modelos: as representações esquemáticas e os modelos têm no ensino-aprendizagem tradicional da ótica geométrica uma influência que a literatura aconselha a não desvalorizar (Colin & Viennot, 2001; Viennot & Kaminski, 2006).

Optámos de igual modo por não incluir no questionário questões que, de modo explícito, procurassem obter conceções sobre formação de imagens com instrumentos óticos como lentes ou espelhos. Ainda que este tópico seja objeto de ensino- aprendizagem, o número de horas de contato com os alunos tem diminuído de ano para

84 ano, tendo os docentes realizado opções didáticas que diminuíram o tempo de trabalho no âmbito da formação de imagens com lentes e espelhos.

A questão de validação do instrumento Q1 foi resolvida pelo uso sistemático na literatura relevante sobre o assunto das questões do questionário. No entanto, e porque algumas questões (questões, 10, 11, 12 e 13 a) e 13 b)) foram muito modificadas, usámos também a validação por peritos. Esta última foi particularmente relevante nas questões 13a) e 13b) que reportam à cor. A fiabilidade do questionário Q1, composto de catorze questões, será discutida quando realizarmos a análise dos dados.

Tabela 3

Questionário Q1: fontes bibliográficas para as questões

#Questões Fonte Outras contribuições

para a questão

Outros questionários com influência

1 Andersson e Kärrqvist (1983) Langley, Ronen, e

Eylon (1997) Fetherstonhaugh, Happs e Treagust (1987) Keleş e Demirel (2010) Heywood (2005) 2 Andersson e Bach (2005) 3 Andersson e Bach (2005) 4 Galili e Hazan (2000) 5 La Rosa, Mayer, Patrizi e

Vicentini-Missoni (1984) 6 Galili e Hazan (2000) 7 Andersson e Bach (2005)

8 Galili & Lavrik, 1998 Feigenberg, Lavrik e Shunyakov (2002) 9 Galili & Lavrik, 1998

10 Feigenberg, Lavrik e Shunyakov (2002) Galili e Lavrik (1998) 11 Feigenberg, Lavrik e Shunyakov (2002) Galili e Lavrik (1998) 12 Feigenberg, Lavrik e Shunyakov (2002)

13 a) Viennot e Hosson (2012) Olivieri, Torosantucci e Vicentini (1988); Chauvet (1996) 13 b) Viennot e Hosson (2012) Chauvet (1996)

3.3 Questões em torno da validade

Joseph Maxwell (1992) considera “cinco grandes categorias de compreensão, relevantes para o investigador qualitativo” às quais correspondem cinco tipos de validade que a implicam: validade descritiva, validade interpretativa, validade teórica, generalização e validade avaliativa.

85 (validade descritiva primária), ou a uma categoria de compreensão que resulta de inferência sobre os dados (validade descritiva secundária).

A uma outra categoria de compreensão, que está relacionada com os significados que os participantes na investigação-ação (ou na investigação qualitativa em geral) dão aos textos, acontecimentos ou comportamentos, por exemplo, Maxwell (1992) associa uma validade interpretativa28.

Uma terceira categoria de compreensão, compreensão teórica, nas palavras de Maxwell (1992) distingue-se tanto da compreensão descritiva como da interpretativa pelo nível de abstração mas também porque engloba uma função explicativa, ausente das anteriores categorias. A esta categoria de compreensão está associada uma validade teórica. No entanto, como afirma Maxwell (1992), a “distinção entre validade descritiva ou interpretativa e teórica não é um absoluto” (p. 292). Estes três tipos de validade são os mais diretamente envolvidos na avaliação de uma investigação qualitativa (Maxwell, 1992).

A fiabilidade de uma investigação, de acordo com o autor, refere a um tipo particular de ameaça à validade, não sendo uma questão separável desta: “Se diferentes observadores ou métodos produzem diferentes dados ou relatos (nível descritivo) dos mesmos acontecimentos ou situações, isto põe em questão a validade descritiva (e outros tipos de validade também) dos relatos.” (id., p. 288) Adotando esta abordagem fortemente ancorada na literatura e em posições epistémicas e ontológicas típicas da nossa investigação, vamos ver como abordámos estes vários tipos de validade na presente investigação.

A validade descritiva e interpretativa resultam de dois fatores essenciais: do entendimento que fizemos da investigação-ação como resultando de um empenho em modificar tanto a teoria como a prática – o que implica a preocupação da nossa descrição (nível descritivo) e significado atribuído à descrição (nível interpretativo) desenvolverem uma crescente aderência à prática em mudança e à teoria que enforma essa prática. Desta preocupação desenvolvemos os processos de validação dos instrumentos de recolha de dados. O questionário Q1 foi validado pelo uso na literatura e por pares; o guião das entrevistas focais foi validado pela leitura crítica de uma aluna não participante; as entrevistas clínicas foram validadas pelo seu uso na literatura. A transcrição das entrevistas foi realizada com uma preocupação tanto ao nível da validade descritiva como interpretativa. A presença quase permanente ao longo da investigação de um amigo crítico (Norris, 1997), atuou, essencialmente, ao nível da

28 Para questões associadas aos diferentes significados atribuídos a “interpretativo” na literatura

86 validade interpretativa. Por fim, a validade teórica, foi acautelada pelo recurso sistemático ao confronto com a literatura relevante, por um lado, mas também porque a nossa investigação-ação colocou a prática e a teoria numa relação intrincada entre iguais (Kemmis & McTaggart, 2000, 2006)29.

Maxwell (1992) apresenta outros dois constructos, a “generabilidade” que Merriam (1995) denomina de validade externa, e a validade avaliativa que, no dizer do próprio autor, não são de tão grande importância para o investigador qualitativo como os anteriores. De qualquer modo podemos fundar a generabilidade do nosso trabalho nos universais concretos (concrete universals) de Erickson (1984) onde o uso da HFC nesta investigação é mais um grão no universo do estudo do ensino-aprendizagem com HFC.

Outra abordagem à validade externa apoia-se na generabilidade do leitor (Merriam, 1995), onde este encontrará no caminho que trilhámos nesta investigação possibilidades para o seu próprio caminho; possibilidades do processo ser seguido em outra escola com outros alunos e professores e promover um conjunto de transformação, certamente diferentes das nossas mas que se dirigem ao nosso objetivo central, um ensino humanizado.

A acrescescentar a estes procedimentos de validação foram desenvolvidas a triangulação de dados e a triangulação metodológica (Denzin & Lincoln, 1998)30 (Tabela

4), uma descrição espessa e comparação modal (Merriam, 1995, p. 58,59), em particular a verificação de como os nossos resultados comparam com outros.

29 Alguns argumentos e posições colocam a validação como um processo mecânico realizado

por um conjunto de passos que levariam à legitimação do conhecimento que o instrumento “validado” permitiria inferir. Como uma posição de aviso contra os perigos de uma legitimation mania o texto de Kvale e Brinkmann (2009, p. 260) parece-nos particularmente valioso.

30 A triangulação em investigação qualitativa não é, segundo Denzin e Lincoln (1998) “ uma

ferramenta ou estratégia de validação, mas uma alternativa à validação. A combinação de múltiplos métodos, materiais empíricos, perspetivas e observadores num único estudo é melhor entendido (…) como uma estratégia que acrescenta rigor, amplitude e profundidade a qualquer investigação.”(p. 4) Ver também Flick (1992).

87 Tabela 4.

Uso de triangulação no processo de validação.

Instrumentos Triangulação de dados

Triangulação metodológica intramétodos Entrevista Grupo focal 1

Entrevista Grupo focal 2

Entrevista Grupo focal 3

Entrevista clínica 1

Entrevista clínica 2

Diário de bordo (1º Ciclo)

Diário de bordo (2º Ciclo)

Questionário Q1 (1º Ciclo)

Questionário Q1 (2º Ciclo)

Gravações de aulas

3.4 Questões éticas

Os problemas éticos associados à nossa investigação foram abordados na perspetiva de que formamos educadores e professores tentando concretizar (tornar concreto, real), nas palavras de Veiga (2003) o nosso:

Dever de imaginar e explorar novas possibilidades de formação dos futuros professores, concretizando projetos que possam vir a reconstruir os valores da solidariedade, da liberdade, da responsabilidade e da dignidade humana, num estilo 'inquietante' e não 'reconfortante' de emergência de um conhecimento emancipatório. (p. 15)

O comprometimento com estes valores e objetivos levam-nos a considerar as questões éticas não como estando colocadas e resolvidas numa única etapa do nosso trabalho, mas como presentes de modo permanente: a atenção que atribuímos à relação

88 entre a teoria e a prática teve influência determinante nas nossas considerações sobre a ética nesta investigação em concreto.

Jean McNiff e Jack Whitehead (2010, pp. 73–77) e Jane Zeni (2009) tratam especificamente de questões éticas associadas à investigação-ação. A questão fundamental que colocam logo de início é que aqueles que fazem investigação-ação em educação são de igual modo participantes, investidos no duplo papel de investigadores e professores. McNiff e Whitehead (2010) examinam esta questão da influência e salientam que o processo educativo “refere-se àqueles processos que ajudam os outros e nós próprios a desenvolver” (p. 74) a capacidade de nos tornarmos críticos através de uma “crítica dialética e reflexiva” (ibid.) numa abordagem em que parece ecoar o “estilo 'inquietante' e não 'reconfortante' de emergência de um conhecimento emancipatório” que Veiga (2003) refere.

A ideia de influência em educação, neste quadro, não é, de todo, negativa. “Este processo é sempre transparente, pois de modo a encorajar outros a serem críticos temos de mostrar a nossa própria capacidade de reflexão crítica no nosso próprio pensamento.” (pp. 74,75) Também a questão da participação do próprio investigador na investigação-ação levou Zeni (2009) a colocar a ênfase no papel dual do investigador (que também é professor). Para esta autora, este duplo papel não cria necessariamente uma ameaça ética, pois “os laços de cuidado (caring), responsabilidade e compromisso social que comprometem” os investigadores que realizam investigação-ação, constituirá a base mais apropriada para um processo de decisão ético (Zeni, 2009, p. 257). E são precisamente sobre os padrões éticos de responsabilidade, ação e justiça social e de cuidado (caring) e respeito que fundamos a nossa investigação (Zeni, 2009). Responsabilidade para com os alunos, colegas, administração escolar e sociedade; ação em direção à transformação crítica e reflexiva do ensino-aprendizagem fomentando uma posição crítica e reflexiva nos alunos; cuidado (caring) e respeito que advêm da promoção de relações desenvolvidas pelo processo de investigação-ação em educação de benefício para todos os participantes.

Para além do que foi dito, questões de confidencialidade e negociação com todos os participantes, assim como o direito a deixarem de participar em qualquer momento foram atentamente considerados.

89

Capítulo 4

91

Resultados

A apresentação de resultados será acompanhada de interpretação e discussão dos mesmos, ainda que no capítulo seguinte procuremos fazer uma sistematização de aspetos essenciais. Podemos dividir os resultados em três domínios: a) a reconfiguração dos nossos compromissos ontológicos e epistémicos enquanto professor-investigador, b) o processo de escolha de como usar HFC no ensino- aprendizagem e a opção pelo uso instrumental da HFC para a construção das duas sequências de ensino-aprendizagem correspondentes aos dois ciclos investigativos, e c) a análise dos conhecimentos dos alunos e sua evolução com a instrução.

Dentro de cada um destes domínios, os resultados apresentam várias componentes de análise. A segunda questão de investigação, i.e., “quais os processos utilizados na transformação das práticas de ensino em direção a um ensino das ciências com HFC?” levou-nos a explorar os vários caminhos que tentámos seguir. Nomeadamente porque inicialmente procurámos desenvolver o uso de narrativas históricas, as razões por que abandonámos esse caminho e porque optámos pelo uso instrumental da HFC através da sua utilização no desenho de sequências de ensino- aprendizagem.

A elaboração das sequências de ensino-aprendizagem levou-nos a considerar como o conhecimento dos alunos, futuros educadores e professores do 1º e 2º CEB, conceptualizam o conhecimento ótico na linguagem do dia-a-dia, pelo que realizámos uma revisão da literatura sobre conceções alternativas tão abrangente quanto julgámos necessário.

A descrição do primeiro e do segundo ciclos investigativos, seus sucessos, deficiências e como o segundo ciclo foi influenciado pela reflexão realizada sobre o primeiro, é também alvo de exposição e análise neste capítulo. Procurámos, na descrição realizada, dar uma ideia tão completa quanto possível do trabalho realizado de elaboração de materiais didáticos de vários tipos (textos de apoio, figuras, partes de traduções adequadas ao apoio às aulas) e formatos (papel, wiki, página web). Estes materiais didáticos, são parte constitutiva dos resultados e fruto de um trabalho mais vasto de leitura e trabalho sobre fontes históricas originais e secundárias.

Uma análise “aspeto-esquema” apresentada no capítulo da metodologia desta tese foi desenvolvida em torno das respostas dos alunos ao questionário Q1 no que respeita a todos os aspetos do conhecimento ótico que o questionário pretendia averiguar, com exceção da cor, que é trabalhada por análise de conteúdo. Os resultados do tratamento qualitativo dos dados e sua transformação quantitativa permite uma breve abordagem à eficácia da instrução nos conhecimentos dos alunos, respondendo assim

92 à terceira questão de investigação, i. e., “Qual o impacte das alterações das práticas de ensino em direção a um ensino das ciências com HFC nos conhecimentos concetuais, processuais e de contexto dos alunos?

Por fim, procurámos analisar como o inquiry, a Natureza da Ciência (NC) e as problemáticas sócio-científicas foram trabalhados, ou, de outro modo, até que ponto conseguimos desenvolver um ensino-aprendizagem que integrasse estes elementos que considerámos integrantes de um ensino humanizado. O caráter colaborativo desta IA e a ligação à transformação dos compromissos epistémicos e ontológicos enquanto professor-investigador são então objeto de um primeiro tratamento procurando dar resposta à primeira questão de investigação, i.e.,” De que modo a HFC modificou a nossa posição teórica relativa ao ensino-aprendizagem e compromissos ontológicos e epistemológicos enquanto professor-investigador?”

4.1 Vontade, Possibilidade e Necessidade: a Conjugação de Três Momentos Para