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De Framingham para o mundo

LISTA DE GRÁFICOS

3) ensaio clínico: é o desenho de estudo voltado para o teste de intervenções terapêuticas e preventivas, que serão testadas em ao menos dois grupos

2.2 Um pouco de história

2.2.1 De Framingham para o mundo

O estudo de Framingham se originou de uma aproximação inicialmente tímida do Public Health System (PHS, o sistema de saúde pública dos Estados Unidos) com a questão das doenças crônicas, ao final dos anos 1940. Ainda que as doenças infecciosas fossem sua maior prioridade, após a Segunda Guerra Mundial e sob a influência de profissionais com formação na área de saúde pública, o problema da transição epidemiológica e emergência das doenças crônicas começou a receber alguma atenção do governo, interessado em avaliar o quadro de distribuição dessas doenças e em identificar melhores técnicas de diagnóstico e prevenção. A percepção da necessidade de um estudo de caráter populacional para a compreensão das doenças cardíacas é normalmente atribuída à Joseph Mountin, um profissional com formação na área de políticas públicas de saúde, alocado no Bureau of States Services do PHS (Dawber, 1980; Oppenheimer, 2005). Em boa medida, coube a ele elaborar alguns dos princípios norteadores dessa vertente de pesquisa, em especial pela necessidade de rastreamento (screening) e intervenção em nível local, comunitário (Mountin, 1949).

Na prática, a responsabilidade de organização inicial daquilo que viria a ser o FHS foi de Gilcin Meadors, funcionário de médio escalão do PHS, e de uma pequena equipe que o acompanhava. A primeira atividade da equipe foi determinar um local para a condução do estudo epidemiológico vislumbrado por Mountin e encomendado pelo PHS. Dentre os possíveis locais para a instalação do estudo estavam diversas pequenas comunidades, que supostamente correspondiam ao perfil demográfico e epidemiológico desejado. Portanto, a escolha da cidade de Framingham como o local para um estudo de grande escala sobre as doenças do coração não ocorreu por acaso. Dentre os fatores

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determinantes para a escolha dessa cidade de pequeno porte, de economia marcadamente industrial, normalmente destaca-se o motivo de sua proximidade com o importante centro universitário e de pesquisa representado pela cidade de Boston (aproximadamente 35 quilômetros de distância). Essa proximidade favoreceria o emprego de mão-de-obra qualificada para a condução de um estudo de larga escala, bem como para a análise e divulgação de seus resultados.

De fato, ainda que esse fator seja apontado de forma recorrente na bibliografia analisada, convém salientar outros motivos de ordem prática e política que determinaram a escolha de Framingham. Como primeiro fator adicional, é necessário destacar o alinhamento entre os objetivos do governo federal e do governo de Massachusetts -- historicamente interessado e envolvido em pesquisas sobre doenças crônicas como o câncer (Fox, 1993; Bigelow e Lombard, 1933). Nesse sentido, o estado de Massachusetts representava um ambiente favorável para a colaboração entre pesquisadores dos governos federal e local, até mesmo do ponto de vista burocrático e legal. Em contrapartida, funcionários públicos do estado, ligados à área de saúde, enxergavam na constituição de um estudo de grande porte uma oportunidade de captação de recursos e visibilidade para a pesquisa e ações de saúde pública locais (Oppenheimer, 2005). De forma relacionada, Framingham se apresentava como um local favorável por possuir uma população duplamente colaborativa: por um lado, por ter sido palco de uma pesquisa prévia sobre o tratamento de tuberculose, no período de 1917 até 1923, a população da cidade já possuía alguma experiência com os procedimentos necessários para a participação em uma pesquisa populacional; por outro, isso também fez com que a comunidade local de médicos e profissionais de saúde estivesse mais sensível para colaboração com os pesquisadores federais e das universidades de Boston (Dawber, 1980; Splanski, 2012). Além disso, o entusiasmo e envolvimento de pesquisadores da Universidade de Harvard e a existência de uma influente comunidade médica na região de Boston foram decisivos para a escolha da cidade de Framingham como o local para a instalação do pioneiro estudo populacional sobre as doenças do coração.

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Framingham é uma cidade de médio porte, poucos quilômetros distante dos centros universitários e de pesquisa de Boston e Cambridge. Na época do início do estudo, possuía uma população de aproximadamente 28.000 habitantes, distribuídos em aproximadamente 7.100 residências. A renda média familiar anual era de US$ 5.277 (Wallace, 2013). Para os pioneiros pesquisadores, a cidade apresentava condições demográficas, sociais e epidemiológicas ideais para abrigar o estudo encomendado pelo governo, por supostamente representar o padrão de vida americano:

"As pessoas da cidade comiam uma dieta comum, recebiam uma renda dentro da média, trabalhavam em uma variedade de empregos típica, fumavam tanto quanto a maioria dos americanos, viviam em residências ordinárias, e eram vítimas da mesma variedade usual de doenças. Sua mistura étnica -- incluindo raízes na Polônia, Irlanda, Itália, Grécia, França, Canada e Inglaterra -- era um reflexo da ancestralidade europeia da América naquele tempo" (Levy e Brink, 2005: 53).

Atualmente, o perfil demográfico da cidade é muito mais variado, com um forte contingente de imigrantes de outros países e continentes (contando, inclusive, com uma grande comunidade lusófona de origem portuguesa e, em maior número, brasileira). No entanto, as minorias étnicas -- de acordo com as categorias empregadas pelo estudo, afro-americanos, hispânicos, asiáticos, indianos, índios e nativos das ilhas do Pacífico -- foram incluídas no estudo apenas em 1994 (FHS, 2014; Pollock, 2012).

Outras cidades do estado de Massachusetts foram consideradas para a instalação do estudo, mas foram rapidamente descartadas: a cidade de Beverly já estava sendo considerada para um estudo sobre febre reumática infantil e Peabody estava "muito longe de Harvard" (Levy e Brink, 2005: 51). Na verdade, a

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influência de pesquisadores como o cardiologista David Rutstein, do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de Harvard e ex-diretor médico da American Heart Association, foi fundamental para o convencimento tanto das entidades governamentais, quanto para o convencimento da população e dos profissionais médicos locais (Castelli, 2013). Finalmente, em julho de 1947, a cidade de Framingham foi escolhida como o local para a instalação do novíssimo estudo populacional sobre as doenças cardíacas.

Figura 10: Framingham, MA. Hollis St. e Irving St., circa 1950 Fonte: Coleção Framingham Historical Society

Autoria desconhecida

Paralelamente ao processo de escolha da cidade para a condução do estudo, a equipe de Meadors se dedicava ao desenho conceitual e metodológico da pesquisa. Para isso, contava com o apoio de Rutstein e de um conselho

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consultivo composto, majoritariamente, por médicos cardiologistas vinculados à New England Heart Association.33 Nessa fase embrionária, o estudo estava dividido em dois objetivos e conjuntos de métodos distintos: por um lado, era direcionado para a análise da distribuição das doenças cardiovasculares em uma população normal (realizando uma medição estatística apurada das taxas de prevalência de doenças cardíacas e, posteriormente, das taxas de adoecimento naquela população). Por outro, estava voltado à avaliação de métodos e tecnologias de diagnóstico, como o uso de raios-X, eletrocardiograma e da eletroquimografia -- uma tecnica para diagnóstico por meio de fluoroscopia, posteriormente abandonada na prática cardiológica em geral. Em resumo, para o atual diretor do estudo, Daniel Levy (2013b) essa fase do FHS foi caracterizada "por uma missão e objetivos científicos confusos". Ou seja: simultaneamente, buscava ser um estudo piloto sobre vigilância epidemiológica de doenças crônicas, focado na análise da mortalidade e morbidade das doenças cardiovasculares e um experimento em intervenção, com o objetivo de reduzir essas doenças na população selecionada.

Isso se deve, segundo Oppenheimer (2005), à grande variedade de interesses que o FHS procurava atender, quais sejam, os objetivos iniciais propostos pelo governo, as diferentes concepções e formações dos profissionais envolvidos em sua elaboração e condução (por exemplo, a abordagem de saúde coletiva sugerida por Meadors em contraposição à aproximação clínica proposta por Rutstein e a comunidade de cardiologistas) e a interação com os profissionais médicos locais. Para Meadors, o estudo deveria acompanhar um grupo de voluntários auto-apontados, por um período de 5 a 10 anos, para identificar os casos de doenças cardiovasculares entre eles. Investigações subsequentes deveriam ser elaboradas para compreender os efeitos da hereditariedade, fatores constitucionais, estado emocional e comportamentos como os hábitos

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A Nova Inglaterra é uma região do extremo nordeste dos Estados Unidos, composta pelos estados do Maine, Massachusetts, New Hampshire, Vermont, Rhode Island e Connecticut. Trata- se de uma divisão geográfica, derivada de um passado colonial e cultural comum (os estados estão entre as primeiras colônias inglesas em território americano).

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alimentares.34 Essa abordagem, no entanto, não vingou, tanto por seu ineditismo (ou seja, a ausência de conceitos e mecanismos metodológicos que a apoiassem) quanto pela pouca experiência e habilidade analítica de Meadors (Oppenheimer, 2010). Eventualmente, a perspectiva de Rutstein e das associações profissionais de cardiologistas se impôs, e a dimensão descritiva, voltada para as técnicas de diagnósticos, prevaleceu:

David Rutstein, uma figura influente e obstinada, possuía laços significativos com as lideranças do PHS. Depois de sair [da direção] da American Heart Association, ele manteve ligações com a elite acadêmica que dominava a associação, se apoiando em seus membros de Boston para formar o grupo técnico consultivo. Rutstein procurou dobrar o novo estudo para seus próprios objetivos clínicos. (...) Tanto ele quanto o conselho consultivo de cardiologistas procuravam focar a pesquisa particularmente em critérios diagnósticos e performance clínica (Oppenheimer, 2010: 56).

Disputas à parte, em pouco tempo os organizadores começaram a cadastrar voluntários, com o objetivo de formar uma "população suficientemente grande para um estudo de longa duração" (Dawber, 1980: 16). Nesse estágio, os pesquisadores planejaram examinar aproximadamente 6 mil pessoas, buscando calcular a prevalência de doenças cardiovasculares e o uso e precisão de instrumentos diagnósticos. Todavia, o desenho de pesquisa era ainda problemático. Por exemplo, a abordagem de auto-seleção voluntária dos participantes (isto é, o engajamento voluntário não controlado pelos pesquisadores, mas determinado pelo entusiasmo e voluntarismo da população local) era apontada como uma péssima técnica para constituição de uma amostra representativa da cidade e, muito mais, da população americana. As variáveis investigadas também não estavam totalmente definidas e, em alguns casos,

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Em correspondência com seus superiores, Meadors procurava resumir sua abordagem da seguinte forma: "este projeto foi concebido para estudar a expressão da doença cardiocoronariana em uma população normal ou não-selecionada e determinar os fatores que a predispõe ao desenvolvimento da doença, por meio de exames clínicos e laboratoriais e um acompanhamento de longa duração de tal grupo" (Meadors, 1947).

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sequer chegaram a ser incluídas nos procedimentos de exame: algumas delas se manteriam ao longo da trajetória do estudo, tais como níveis de colesterol no sangue; outras seriam abandonadas em algum momento ou outro, e incluíam fatores como ocupação, status econômico, estado nervoso e mental e uso de estimulantes. Rutstein e o conselho consultivo prosseguiam imprimindo ao estudo os preceitos dos cardiologistas, em detrimento às ideias de outros profissionais médicos e pesquisadores e, em particular, em relação à American Medical Association (AMA). Essa tensão e as constantes mudanças no desenho da pesquisa ameaçavam a cooperação da comunidade médica local, cuja colaboração era considerada imprescindível para o sucesso de um estudo de longa duração.

A indeterminação inicial sobre o caráter do FHS terminou em 1948, com a mudança do controle do estudo para o National Institutes of Health (NIH) e seu desmembramento em duas iniciativas diferentes. Do ponto de vista institucional, essas mudanças estão relacionadas com uma maior ênfase para o problema das doenças do coração e a pesquisa científica sobre o tema, por parte do executivo e legislativo norte-americanos. Essa direção se consolidou com a aprovação em 1948 do National Heart Act, que representou um aporte financeiro no valor total de US$ 500.000 para a pesquisa científica sobre doenças cardíacas, sob a coordenação do NIH, com uma parte significativa desse valor a ser repassada em anos futuros ao estudo de Framingham (Levy e Brink, 2005).35 O National Heart Act também significou a transferência de atribuições -- como as iniciativas de pesquisa sobre as doenças crônicas do coração -- do sistema público de saúde para o recém-criado National Heart Institute (NHI), organização subordinada ao NIH e desde então responsável pelo estudo de Framingham.

Em comparação com a equipe de pesquisadores do PHS, os profissionais dirigentes do NIH eram muito mais inclinados aos métodos estatísticos e epidemiológicos e, sobretudo, eram decisivamente mais dispostos à construção de soluções voltadas para a prevenção das doenças crônicas. Essa postura foi

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Esse valor foi determinado por uma lei subsequente (P.L. 80-785), que regulava o financiamento das atividades do NHI durante o ano fiscal de 1949.

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fundamental para que Cassius Van Slyke, primeiro diretor do NIH, negociasse a mudança da jurisdição sobre o estudo de Framingham para a recém-criada agência governamental. A mudança se efetivaria em julho de 1949 (NHLBI, 2014). Com isso, se colocaram as condições para que o ainda incipiente estudo epidemiológico de longa duração permanecesse na cidade de Framingham, enquanto a pesquisa sobre a eficácia de métodos diagnósticos, capitaneada por Rutstein, fosse transferida para a cidade de Newton, também em Massachusetts (Oppenheimer, 2005).36

National Institutes of Health e National Heart Institute (atualmente National Heart, Blood, and Lung Institute)

O National Institutes of Health é uma instituição de pesquisa biomédica dos Estados Unidos. Suas origens podem ser vinculadas às forças armadas e os primeiros hospitais navais estadunidenses. Durante a Primeira Guerra Mundial, a entidade (então chamada Hygienic Laboratory) se dedicava à pesquisa relacionada com as atividades militares como, por exemplo, um surto de anthrax ocorrido entre os combatentes norte-americanos. Foi apenas em 1930 que o NIH assumiu o nome, a missão e estrutura mais similares aos atuais, por meio da assinatura do Ransdell Act.

Atualmente, o NIH dedica-se à pesquisa em medicina clínica, genômica e biotecnológica, dividida em 27 agências subordinadas como o National Heart, Blood and Lung Institute ou o National Cancer Institute. O orçamento do NIH é

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Além disso, com a alocação do estudo sob o NIH se abriram as possibilidades de uma maior colaboração entre a equipe de Framingham e profissionais das áreas de estatística e de computação do NIH em Bethesda, ML (nos arredores de Washington). Isso viabilizou a posterior elaboração e aplicação de métodos estatísticos complexos, que demandavam alto poder de processamento computacional (condições inexistentes na pequena cidade de Framingham), mas também uma divisão de trabalho e, a partir da segunda metade dos anos 1960, um conflito entre as duas equipes e subsequente aproximação do estudo com a comunidade científica da região de Boston (Dawber, 1980).

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dividido entre a pesquisa intra-muros, conduzida por seus funcionários em sedes próprias (aproximadamente 10%) e pesquisa extra-muros (cerca de 90%), caracterizada por acordos com outras instituições e universidades e concessão de bolsas (grants) diretamente para estudantes e pesquisadores.

O National Heart, Blood and Lung Institute (criado em 1948, com o nome de National Heart Institute), passou por diversas denominações, assumindo a forma atual em 1976, de forma a refletir seus interesses de pesquisa -- ou seja, as doenças do coração, sangue e pulmões. Sua missão é promover a pesquisa, treinamento e educação para combate e prevenção dessas desordens, seguindo as regras orçamentárias e diretrizes gerais estabelecidas pelo NIH (NIH, 2012).

Com as tensões na direção do estudo dissolvidas pelas mudanças institucionais mais amplas, alguns dos aspectos de seu design e condução também se alteraram nos anos seguintes. De início, Van Slyke visitou a cidade de Framingham acompanhado de Felix Moore, primeiro diretor do NHI e sociólogo especializado em estatística aplicada, para avaliar os métodos empregados no estudo até aquele momento. Por influência de Moore, o período de acompanhamento da população no projeto foi ampliado de dez para vinte anos. Essa decisão foi acompanhada por uma revisão das técnicas de amostragem do estudo, com maior ênfase na seleção aleatória da população e um melhor dimensionamento da amostra:

Com a ajuda de Meadors, Moore redesenhou Framingham em um estudo de 20 anos, de indivíduos inicialmente livres de doenças arteroescleróticas, selecionados aleatoriamente dentre os moradores adultos da cidade, ambos homens e mulheres, de 30 à 59 anos de idade. Por Moore ter subestimado as taxas de rejeição entre aqueles selecionados aleatoriamente, ele e Meadors tiveram que recorrer aos voluntários; no fim das contas, eles

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corresponderam a 14% da coorte de 5.127 participantes,37 adicionando um viés ao estudo (Oppenheimer, 2010: 57).

Do ponto de vista da operacionalização do FHS, as variáveis priorizadas sob a direção de Moore foram selecionadas não apenas por sua importância no esquema conceitual do estudo, mas também por conta da facilidade de coleta e confiabilidade das medições (Giroux, 2013), o que levou à predominância de variáveis biomédicas (como pressão arterial e colesterol) em detrimento de variáveis comportamentais (por exemplo, hábitos de dieta). Certas variáveis também foram abandonadas por motivos mais práticos do que científicos: questões sobre renda, classe ou até mesmo de foro mais íntimo, como a ocorrência de disfunções sexuais, foram excluídas do desenho do estudo, buscando evitar constrangimentos ou desconfianças que pudessem afastar os voluntários ou diminuir a colaboração da população local (Dawber et al, 1957; Oppenheimer, 2010). As principais diretrizes e métodos para coleta de dados do estudo seriam sistematizados, ainda durante o ano de 1949, em um Manual de Operações, que nortearia as práticas de coleta e análise de dados do estudo (NHI, 1949).

Em 1950, o médico Thomas Royle ("Roy") Dawber foi apontado por Moore para a direção do estudo de Framingham. Ex-funcionário do PHS, Dawber era formado pelo Haverford College, do estado da Pennsylvania e pela Harvard Medical School, mas não possuía experiência prévia em epidemiologia.38 Em sua visão, a epidemiologia era "o estudo clínico em um nível comunitário" (Dawber,

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A quantidade informada de participantes da coorte original do estudo pode variar de acordo com a fonte consultada. O site institucional do estudo, por exemplo, indica que esse número era de 5.209 pessoas. Esse seria o total de participantes selecionados aleatoriamente, somados aos voluntários que foram reintroduzidos na amostra a partir das orientações do NHI. Em um artigo de 1956, o número indicado de participantes é de 4.494 (Stokes e Dawber, 1956: 1228), cifra que se mantém nos artigos do FHS até 1964, quando o artigo Risk Factors in Coronary Heart Disease: An

Evaluation of Several Serum Lipids as Predictors of Coronary Heart Disease (Kannel et al, 1964:

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Dawber e seu sucessor, William Kannel, posteriormente se formaram mestres em saúde pública, pela Harvard School of Public Health (Oranski, 2006).

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1973) e, portanto, ela deveria ter utilidade prática para a comunidade médica (o que perpetuaria o pouco interesse por variáveis sociais durante a trajetória do estudo). Dentro dessa perspectiva, o objetivo do FHS passaria a ser a correlação de dados clínicos e laboratoriais com os históricos dos indivíduos, previamente ao aparecimento da doença para, dessa forma, estabelecer generalizações a respeito dos fatores de predisposição ou risco. Para isso, o NHI propôs (de certa forma, antecipando a ênfase nos fatores de risco) 28 hipóteses, relacionando alguma exposição ambiental ou comportamento com as doenças cardiovasculares.

Essas diretrizes guiariam os exames e tabulação de dados iniciais, realizados entre 1949 e 1950 e durante os exames bienais de acompanhamento. Dawber descreve esse processo da seguinte forma:

O exame inicial se preocupava principalmente com a determinação de uma população livre de doença e coleta de dados relacionados com as principais hipóteses propostas. O teste de outras hipóteses seria adiado para exames futuros, quando o tempo adequado poderia ser alocado e uma avaliação satisfatória conduzida. (...) A cada uma das visitas bienais, um histórico médico, exames físicos, de sangue e outros exames laboratorias eram realizados. Qualquer sintoma de doença desenvolvidos desde as visitas prévias eram registrados. Todos esses dados eram cuidadosamente coletados pela equipe de Framingham, sob a direção de um estatístico, que trabalhava com um painel de três médicos, revisando todas informações médicas pertinentes. (...) Eletrocardiogramas, registrados tanto em nossa clínica quanto em outros lugares eram revisados individualmente e comparados com outros obtidos do mesmo indivíduo (Dawber, 1980: 24-25).

Mais especificamente, sobre a tabulação dos dados, o pesquisador escreve:

Os dados coletados dos participantes a cada exame eram registrados em formulários codificados, então transferidos para cartões perfurados e posteriormente para fitas para a análise computadorizada. Todo material restante era preparado de maneira semelhante para estudo analítico (Dawber, idem: 26)

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No caso dos participantes apresentarem algum indício de doença, eles