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A decisão frente aos demais pedidos de progressividade: ocorre vinculação?

1 CRIMES HEDIONDOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS E PRINCIPAIS

5.1 A decisão frente aos demais pedidos de progressividade: ocorre vinculação?

Preliminarmente, faz-se necessário trazer à compreensão uma das funções do STF, disposta na Carta Maior, qual seja o controle da constitucionalidade.

Amparada pelo artigo 102 da Constituição Federal, a Suprema Corte verifica a adequação, ou seja, a compatibilidade de uma lei ou um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais.

A noção desse conhecimento é fundamental para que se tenha uma posição acerca da referida declaração de inconstitucionalidade. Afinal, esta se deu como questão para solucionar o específico caso concreto do HC 82.959, sem a análise da lei em tese, ou opera efeito erga omnes, seja, alcança todos os casos análogos?

Se apenas restringiu-se para decidir sobre o caso concreto, significa dizer que seus efeitos se operaram tão somente entre aquelas partes. Esta modalidade de declaração chama-se controle difuso de constitucionalidade52.

52Caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar, no caso concreto, a análise

sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e, para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo, pois, objeto principal da ação. Dicionário Jurídico. Disponível em: <http://www.dji.com.br>. Acesso em: 29 de maio de 2006.

O promotor Haroldo Caetano da Silva bem explanou a respeito do assunto, em seu já mencionado artigo, anterior a vigência da Lei 11.464/07, quando apesar de reconhecer o precedente aberto pela decisão da Corte, posiciona-se pelo seu efeito não erga omnes:

“Uma interpretação precipitada poderia levar à simplista idéia de que a decisão tem reflexo apenas para os condenados por crimes hediondos ou assemelhados que, agora, declarada a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, passariam a ter o direito à progressão. É certo que, mesmo não tendo a decisão proferida a chamada natureza erga omnes, ou seja, não alcançando de imediato todas as situações similares àquela do processo decidido, é óbvio que uma vez instaurado, em qualquer comarca brasileira, o incidente de progressão prisional e satisfeitos os requisitos legais para o benefício (cumprimento de um sexto da pena e bom comportamento carcerário - artigo 112, LEP), em última instância o Supremo Tribunal Federal garantirá o direito à progressão. Todavia, a repercussão da decisão vai além da esfera da execução penal.” (original sem grifo)

Assim, o controle difuso é uma função constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal que a efetivou de modo a analisar o caso específico do HC 82.959, sem, com isto, alterar o conteúdo da Lei de Crimes Hediondos, o que resultaria na ampliação e consolidação dos reflexos da inconstitucionalidade declarada, para todos os casos. Logo, não teria efeito vinculante para os demais casos.

Para que isto ocorra, faz-se necessário que o Senado Federal, por seu poder discricionário, e consagrado na CF, edite resolução retirando do ordenamento jurídico o artigo da lei disforme. Esclarece o promotor de justiça Herivelto de Almeida:

“A possibilidade de ampliação dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade somente ocorre através do mecanismo previsto na Constituição Federal (artigo 52, X), por meio de resolução editada, que pressupõe a comunicação do presidente do Tribunal sobre o fato e a edição de resolução pela Comissão de Constituição e Justiça (Regimento Interno do Senado Federal, artigo 386), sendo defeso ao Supremo Tribunal Federal dotar a decisão proferida em sede de habeas corpus do efeito erga omnes previsto no controle concentrado. Nesse procedimento, é retirada do mundo jurídico determinada lei declarada contrária à Constituição Federal, vinculando os efeitos da decisão (artigo 102, parágrafo 2º, CF/88). Esse é o mecanismo na Constituição para extensão dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade a todos, em se tratando de controle difuso”. (grifo nosso)

Importante o entendimento dessa diferença entre o controle difuso de constitucionalidade e o controle concentrado.

Na lição de Alexandre de Moraes53:

“Declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo STF, desfaz-se, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados. No entanto, tais efeitos ex tunc (retroativos) somente serão aplicados para as partes e no processo em que houve a citada declaração incidental.”

Isso porque, repise-se, no controle difuso de constitucionalidade, “a lei permanece válida e apta à produção de efeitos e, somente para o caso concreto determinado, ela deixa de ter essa aptidão e, para as partes, essa situação jurídica torna-se imutável”54.

A grande questão é que, até o momento, não há súmula vinculante sobre o tema, e isto tem gerado divergências nos julgamentos dos processos. Aqueles operadores do direito que interpretam ter a decisão do HC 82.959, efeito somente entre aquelas partes, não a reconhecem como um precedente para os demais casos com pedidos de progressão, e combatem a vigência da Lei 11.464/07, posto que sua razão de existir é diretamente ligada a este posicionamento jurisprudencial.

Em conseqüência, a LCH, na sua expressa obrigatoriedade pelo regime integralmente fechado, permanece válida, no entendimento destes juristas, apesar de haver toda a justificativa da doutrina, e atualmente da jurisprudência, quanto aos princípios constitucionais desrespeitados com a manutenção daquele dispositivo da lei.

53Mencionado no estudo de Herivelto de Almeida. Ob. cit. 54

Isso porque a decisão foi tomada por meio de um recurso de habeas corpus, então a eficácia geral da decisão, o efeito erga omnes, só passaria a valer quando o Senado Federal publicar resolução suspendendo a execução da norma considerada inconstitucional pelo Supremo, como prevê a Constituição.

Essa questão tem sido discutida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), desde o ingresso da Reclamação 433555, pela Defensoria Pública da União, e

distribuída para a relatoria do ministro Gilmar Mendes em 04 de maio de 2006, contestando a decisão do juiz da Vara de Execuções Penais de Rio Branco (AC), Marcelo Coelho de Carvalho, que indeferiu pedido de progressão a dez condenados por crime hediondo, fundamentando-se nos argumentos acima explicitados.

O instrumento da Reclamação é o meio de se preservar a competência dos tribunais e garantir a autoridade de seus julgados, como bem explicitou, o Ministério Público em seu parecer na Reclamação citada:

“A reclamação é o instrumento processual constitucionalmente instituído para a finalidade específica de preservar a competência dos tribunais e garantir a autoridade dos seus julgados. Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar as reclamações que visem a preservar a competência do próprio Supremo Tribunal Federal e a autoridade de suas decisões, proferidas em feitos de sua competência originária ou recursal”.

Quatro dos 11 ministros do STF já se posicionaram sobre a matéria. Gilmar Mendes e Eros Grau disseram que a regra constitucional, referente à função do Senado, tem simples efeito de publicidade, uma vez que as decisões do Supremo sobre a inconstitucionalidade de leis têm eficácia normativa, mesmo que tomadas em ações de controle difuso, ou seja, incidental, para suspender a execução da lei. A leitura do

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF analisa efeitos da declaração de inconstitucionalidade na vedação de progressão de regime em crimes hediondos. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 10 de outubro de 2007.

dispositivo constitucional estaria obsoleta. Já os ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa não concordaram em reduzir o Senado a uma “posição subalterna de órgão de publicidade de decisões do STF”.

O fato é que o Plenário do STF ainda está analisando a eficácia desse artigo que imputa ao Senado Federal a competência para dar eficácia geral a lei declarada inconstitucional pelo STF.

Assim, fundamentando seu pleito, a Defensoria alegou que o juiz teria feito afixar pelo Fórum de Rio Branco vários comunicados acerca da decisão do STF no HC 82.959, divulgando que:

“ (...) SOMENTE TERÁ EFICÁCIA A FAVOR DE TODOS OS CONDENADOS POR CRIMES HEDIONDOS OU A ELES EQUIPARADOS QUE ESTEJAM CUMPRINDO PENA, a partir da expedição, PELO SENADO FEDERAL, DE RESOLUÇÃO SUSPENDENDO A EFICÁCIA DO DISPOSITIVO DE LEI declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal”.

O Ministro Gilmar Mendes, em seu relatório, afirma que “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deu sinais de grande evolução no que se refere à utilização do instituto da reclamação em sede de controle concentrado de normas”. Por fim, o ministro declinou seu voto no sentido de cassar as decisões do juízo de execuções contrárias à disposição de inconstitucionalidade declarada pelo STF, posto seu caráter erga omnes:

“Com efeito, verifica-se que a recusa do Juiz de Direito da Vara de Execuções da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, em conceder o benefício da progressão de regime, nos casos de crimes hediondos, desrespeita a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão deste Supremo Tribunal Federal, no HC 82.959, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei n. 8.072/1990. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente reclamação, para cassar decisões proferidas pelo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, que negaram a possibilidade de progressão de regime relativamente a cada um dos interessados acima mencionados. Nesta extensão da procedência da reclamação, caberá ao juízo reclamado proferir

nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados (pacientes) atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”. (grifo nosso)

A divergência que tem sido freqüentemente observada nas decisões de juízes monocráticos e tribunais em todo o país, também é constatada nas decisões entre os próprios ministros do STF.

Em julgamento a uma Reclamação impetrada no Estado de São Paulo (RCL 5580/SP56), o reclamante cometeu crime no ano de 2004, e pleiteava o cumprimento progressivo de sua pena, posto que o HC 82.959 teria efeito erga omnes. Apesar de obtido o direito à progressão em juízo de 1ª instância, o período exigido para que alcançasse o benefício foi baseado nos critérios da nova lei (dois quintos, por ser primário), e não de um sexto. Em sede de habeas corpus teve seu pedido negado. O ministro Joaquim Barbosa, sendo relator da Reclamação, assim proferiu decisão publicada em 18/10/2007:

“(...) Ao contrário do que alega o reclamante, tal decisão não possui eficácia erga omnes, nem efeito vinculante, tendo em vista que foi proferida em controle concreto difuso de constitucionalidade, segundo as circunstâncias do caso concreto, não se enquadrando nas hipóteses do §2º do artigo 102 da Constituição Federal. É verdade que o alcance da eficácia da decisão proferida no HC nº 82.959 está sendo reexaminado pelo Plenário desta Corte (Reclamação nº4335, rel. min. Gilmar Mendes). O teor do artigo 102, inciso I, alínea l da Constituição Federal é no sentido de compete a esta Corte processar e julgar, originariamente "a reclamação para preservação de sua competência e garantia da autoridade das suas decisões". A redação do §3º do artigo 103-A, introduzido na Constituição Federal pela EC nA redação do §3º do artigo 103-A, introduzido na Constituição Federal pela EC nº 45, de 08.12.2004, estendeu o cabimento da reclamação contra o ato administrativo ou decisão judicial que contrariar súmula vinculante, ou indevidamente a aplicar. Verifico que, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses constitucionalmente previstas, a presente reclamação não pode prosperar. Em primeiro lugar, porque a decisão proferida no HC nº 82.959 não é, pelo menos em face da atual jurisprudência da Corte, dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante. Em segundo lugar, advirto que, mesmo na hipótese de esta Corte vir a adotar futuramente entendimento diverso - seja editando súmula vinculante sobre a matéria decidida no HC nº 82.959 ou alterando o seu entendimento quando do julgamento da RCL nº4335 -, a presente reclamação

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também não teria como prosperar, uma vez que o que ficou decidido quando do julgamento do HC nº 82.959 pelo Plenário foi a inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime consubstanciada no §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, afastando o óbice representado pela norma declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão. Ora, como se pode inferir da análise dos autos da presente reclamação, a autoridade reclamada denegou a ordem requerida no habeas corpus por ela julgado, por entender ausente o requisito objetivo da progressão de regime, mas reconhecendo, em tese, o direito ao benefício, em plena consonância com o decidido pelo Plenário desta Corte no julgamento do HC nº 82.959. Não há, portanto, ofensa à autoridade de qualquer decisão deste Tribunal. Do exposto, nego seguimento à presente reclamação (...)” (grifo nosso)

Rodrigo Carneiro Gomes57 lembra que “ainda em curso, o Projeto de Lei do Senado Federal n. 13/2006, elaborado pela Comissão Mista Especial da Reforma do Judiciário que regulamenta a edição, revisão e cancelamento das súmulas com efeito vinculante pelo STF”.

O que se analisa é se o intérprete da lei estaria excedendo-se do texto que o vincula, com o objetivo de dirimir o crescente número de litígios, arvorando-se a legislador. Em seu voto, o ministro Eros Grau reflete acerca desse tema:

“O crescimento do número de litígios e a multiplicação de processos idênticos no âmbito do sistema de controle difuso são expressivos da precariedade da paz construída no interior da sociedade civil. Uma paz dotada de caráter temporário, na medida em que o dissenso entre particularismos antagônicos é apenas mediado, superado pela conveniência (...) É necessário que o Poder Judiciário cumpra adequadamente a missão --- autêntica missão de serviço público (...) A esta altura importa indagarmos se não terá ele excedido a moldura do texto, de sorte a exercer a criatividade própria à interpretação para além do que ao intérprete incumbe. Até que ponto o intérprete pode caminhar, para além do texto que o vincula? Onde termina o legítimo desdobramento do texto e passa ele, o texto, a ser subvertido? Temo que essa seja uma questão que só possa e deva ser respondida de modo indubitável caso a caso”.

Entretanto, atente-se que como o Supremo reconheceu em decisão plenária a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, está resguardado o direito à progressão prisional a qualquer condenado por crime alcançado pela Lei nº 8.072/90, pois na hipótese de ser negado o benefício pelas instâncias inferiores a Corte Suprema

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GOMES, Rodrigo Carneiro. Limites à Progressão de regime da Lei 8072/90. Disponível em: <http://www.jus.uol.com.br>. Acesso em: 29 de maio de 2006.

autorizará a progressão. Daí, uma das razões de estudiosos como o mestre em Direito e juiz substituto, Mário Helton Jorge58, defender o alcance erga omnes da decisão, ao citar os motivos do Prof. José Carlos Barbosa Moreira:

“Dessume-se, ainda, que a ação declaratória de inconstitucionalidade tem repercussão geral porque (i) é capaz de influir, concretamente, de maneira generalizada, em grande quantidade de casos; (ii) é capaz de servir à unidade e ao aperfeiçoamento do direito, ou particularmente significativa para seu desenvolvimento; (iii) tem imediata importância jurídica para círculo mais amplo de pessoas e para mais extenso território da vida pública; (iv) e pode ter como conseqüência a intervenção do legislador no sentido de corrigir o ordenamento positivo (infraconstitucional), à luz da Constituição Federal”.

Segundo ele, há de se admitir a existência de um “controle difuso de constitucionalidade abstrativizado” que admite eficácia vinculante e erga omnes aos casos análogos. “Apesar da inexistência de norma explícita, o julga mento de inconstitucionalidade de um texto legal, pelo STF, na prática, mesmo quando se dá num caso concreto, no que diz respeito à sua “validade”, acaba produzindo efeitos erga omnes e possui eficácia vinculante, sobretudo frente ao Poder Judiciário”, justifica ele.

Ressalte-se, contudo, que prevalece o entendimento majoritário. O texto da LCH recebeu alteração formal, vigorando o estabelecido na Lei 11.464/07, conforme verificado. Qualquer juiz ou tribunal do país que discorde da tese acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, terá seus argumentos refutados quando apreciados por esta Corte, provocando somente uma demora na efetivação do benefício pelo paciente, posto que alguns estão aguardando a definitiva análise da Reclamação 4335.

Daí a urgência do STF redigir súmula vinculante sobre o efeito da decisão e julgar a RCL 4335. Frente às razões confrontadas, inválida é a súmula 698 do STF, que não admitia a extensão da progressividade para os demais tipos de crimes hediondos.

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JORGE, Mário Helton. Crimes Hediondos. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br>. Acesso em: 23 de agosto de 2006.