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1 CRIMES HEDIONDOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS E PRINCIPAIS

3.3 Embates da Doutrina e da Jurisprudência acerca da Progressão

A obrigatoriedade do cumprimento da pena em regime integralmente fechado está previsto no parágrafo 1º, do artigo 2º da LCH. Por certo tempo, esta foi a verdade sedimentada no STF e nos tribunais pátrios, até o início de 2006, tendo diversos julgados refutado a matéria de inconstitucionalidade, conforme se pode conferir abaixo:

Ementa

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE LATROCÍNIO. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA: INTEGRALMENTE FECHADO. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 9.455, DE 07.04.1997, À HIPÓTESE. 1. A Lei nº 9.455, de 07.04.1997, no parágrafo 7º do artigo 1º, estabeleceu que, nos casos de crime de tortura, o cumprimento da pena se inicie no regime fechado. 2. Tal norma não se aplica aos demais crimes hediondos, de que trata a Lei nº 8.072, de 26.7.1990 (artigo 1º), e cuja pena se deve cumprir em regime integralmente fechado (artigo 2º, parágrafo 1º), inclusive o de latrocínio, como é o caso dos autos. 3. Não há inconstitucionalidade na concessão de regime mais benigno, no cumprimento de pena, apenas inicialmente fechado, para o crime de tortura. E se inconstitucionalidade houvesse, nem por isso seria dado ao Poder Judiciário, a pretexto de isonomia, estender tal benefício aos demais crimes hediondos, pois estaria agindo desse modo, como legislador positivo (e não negativo), usurpando, assim, a competência do Poder Legislativo, que fez sua opção política. 4. Por outro lado, já decidiu o Plenário do STF, no julgamento do "H.C." nº 69.657, que não é inconstitucional o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, quando impõe o regime integralmente fechado, no cumprimento de penas por crimes hediondos, nela definidos. 5. "H.C." indeferido, por maioria, nos termos do voto do Relator. (original sem grifo)

STF, HC 76371 / SP, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, DJ 19-03-1999. Ementa

HABEAS CORPUS. LEI DOS CRIMES HEDIONDOS. PENA CUMPRIDA NECESSARIAMENTE EM REGIME FECHADO. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2. PAR. 1. DA LEI 8072. TRAFICO ILICITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO, ONDE O ARTIGO 2. PAR. 1. DA LEI 8072, DOS CRIMES HEDIONDOS, IMPÕE CUMPRIMENTO DA PENA NECESSARIAMENTE EM REGIME FECHADO. NÃO HÁ INCONSTITUCIONALIDADE EM SEMELHANTE RIGOR LEGAL, VISTO QUE O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NÃO SE OFENDE NA IMPOSSIBILIDADE DE SER PROGRESSIVO O REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA: RETIRADA A PERSPECTIVA DA PROGRESSAO FRENTE A CARACTERIZAÇÃO LEGAL DA HEDIONDEZ, DE TODO MODO TEM O JUIZ COMO DAR TRATO INDIVIDUAL A FIXAÇÃO DA PENA, SOBRETUDO NO QUE SE REFERE A INTENSIDADE DA MESMA. HABEAS CORPUS INDEFERIDO POR MAIORIA. (original sem grifo)

Ementa

EMENTA: Habeas corpus. 2. Processual Penal. 3. Crime hediondo. 4. Progressão de regime. 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a constitucionalidade do artigo 2º, § 1º da Lei nº 8.072, de 1990. Precedentes. 6. Entendimento contrário dos Ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio. Ressalva de uma melhor análise da matéria. Habeas corpus indeferido. (original sem grifo)

STF, HC 82638 / SP, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Dj. 12-03- 2004.

"O artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, ao estabelecer que o regime para cumprimento da pena para os crimes hediondos é o integralmente fechado, não pode ser considerado inconstitucional, pois não há ofensa ao princípio da individualização da pena diante da impossibilidade de ser progressivo o regime prisional, uma vez que a retirada da perspectiva de progressão, em face da caracterização legal da hediondez, não impede que o Juiz possa dar trato individual à fixação da reprimenda, inclusive no que se refere à sua intensidade". (original sem grifo)

TJSP, Ap. 266.216-3/8-00, 6ª Câm, rel. Des. Debatin Cardoso, Dj. 18-2-1999, v.u., RT 764/555.

Entendia-se que, em razão de ser o regime de cumprimento matéria infraconstitucional disciplinada por Lei, possibilitava-se ao legislador ordinário a discricionariedade para criação de regimes de cumprimento de pena, bem como hipóteses de progressão e regressão entre os diversos regimes previstos, e até a vedação absoluta da progressão. Observe dentre as jurisprudências colacionadas que mesmo o ministro relator do HC 82.959, Marco Aurélio, que tempo depois se tornou a base para os pedidos de concessão do benefício, reconhecia a constitucionalidade do regime integralmente fechado.

A respeito, veja-se a lição de Luiz Vicente Cernicchiaro35:

“A Constituição, no artigo 5º, XLIII, registrou tratamento especial a quatro delitos. Tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Atente-se para as restrições: inafiançabilidade e vedação de graça ou anistia. A lei ordinária, então, poderia, como fez, arrolar, definir os crimes hediondos. Norma, evidentemente, restritiva, de interpretação limitada. A Lei 8.072/90, entretanto, foi além, acrescentando, repita-se, no artigo 2º, parágrafo primeiro, que a pena será

35Escritos em Homenagem a Alberto Silva Franco, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003,

cumprida integralmente em regime fechado. Com isso, sem dúvida, afetou o sentido material da pena! Como atrás registrado, a sanção tem antecedente: conduta reprovável, previamente definida e finalidade: restituir o condenado ao convívio social. Prevalece o interesse público de obter-se a ressocialização do delinqüente. (...) O cumprimento da pena em regime inteiramente fechado, afronta a finalidade da pena que visa a readaptação social. Só se aprende a viver em sociedade vivendo na sociedade!” (grifos nossos)

Além do mais o legislador brasileiro acabou capitulando como crime hediondo uma série de fatos que não possuem essa natureza (conforme exemplos mencionados anteriormente). Nesses casos, o rigor da lei e sua desproporcionalidade são patentes. A proibição da progressão de regime mostrou-se um desses instrumentos carentes de razoabilidade, que impõe a severidade da lei. O diploma legal, com seus critérios abstratos, nem sempre se apresenta como instrumento justo nos casos concretos, senão veja-se matéria publicada no jornal Folha de São Paulo36:

“(...) A ex-bóia-fria estende as mãos e começa a apontar, um a um, os calos dos dedos. Quer mostrar que nunca teve medo de trabalho pesado. Antes de terminar, porém, esquece a conta e usa as mãos para comprimir a bolsa de colostomia, em uma tentativa de aliviar a dor.

O gesto é um sinal de que a entrevista terá de ser breve. Aos 79 anos, doente terminal de câncer de ovário e de intestino, pesando menos de 40 quilos, Iolanda Figueiral agora se contorce de dor na cama de uma penitenciária em São Paulo, onde aguarda julgamento longe de casa, dos quatro filhos, dos 15 netos e dos 15 bisnetos. Iolanda é uma das mais de 600 presas da Penitenciária Feminina do Tatuapé, na zona leste da cidade. A acusação: tráfico de drogas, equiparado a um crime hediondo (como um homicídio cometido com crueldade), segundo a legislação penal brasileira.

Só que Iolanda é presa provisória --até o julgamento, existe a presunção de inocência-- e nega ter cometido o crime. Policiais encontraram 19 pedras de crack --menos de 17 gramas-- na sua casa. Ela foi presa com o filho, de 40 anos, há quase quatro meses, na periferia da cidade de Campinas (95 km de São Paulo).

Iolanda afirma que a droga foi jogada na sua casa por um estranho, momento antes da chegada da polícia ao local (...).”

Diante de tais motivos, o estudioso Alberto Silva Franco já havia entendido pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/1990, que impõe o cumprimento da pena (por crime hediondo) integralmente em regime

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BRASIL. Jornal Folha de São Paulo. Sem julgamento, idosa agoniza na cadeia. Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br>. Acesso em: 29 de maio de 2006.

fechado. “Esse “integralmente” pareceu incoerente porque também os crimes hediondos admitem livramento condicional, ressalvando-se o reincidente específico em crime hediondo”, pois, nesse caso, como também lembra Luiz Flávio Gomes37, “não

cabe livramento condicional”.

De outro lado, na opinião dos críticos da progressão, o sistema ao ser ampliado para os infratores dos crimes hediondos traria a sensação de impunidade, caos na segurança pública e aumento do descrédito na Justiça.

Além disso, sustentam que a fixação do regime não atentaria contra o princípio da individualização da pena, que diz com a culpabilidade, com os antecedentes, com a conduta social e personalidade do agente. A fixação do regime diz com a periculosidade do indivíduo e a possibilidade dele tornar a praticar delitos, colocando em risco a sociedade. Desse modo, a permissiva gradação para regimes mais brandos representaria pena insuficiente e desnecessária, desajustada a agentes dos crimes hediondos e dos assemelhados, não sendo, portanto, a pena correta, a pena justa, perante esse dispositivo da legislação penal vigente.

Lembram os defensores da progressividade que criticáveis são as sentenças que, ao individualizar a pena do acusado, ficam aquém ou vão além do suficiente e necessário para a retribuição e prevenção do crime cometido. Nessa linha de idéias, merece correção tanto a sentença que impõe pena insuficiente, deixando, por mera benevolência, de afastar perigoso delinqüente do convívio social, como a que, por “mão pesada”, aplica pena excessiva ou nega benefícios a que faz jus o condenado.

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GOMES, Luiz Flávio. STF admite progressão de regime nos crimes hediondos. Disponível em: <http://www.lex.com.br> . Acesso em: 25 de maio de 2006.

Afirmam ainda que um óbice à progressão de regime de cumprimento de pena apenas adia, por razões de política criminal, a reinserção do sentenciado na sociedade, e que o legislador ordinário não permitiu, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional, posto ser integralmente fechado.

Fala-se muito na impunidade de crimes, quando se cogita possibilitar a progressividade de pena aos infratores em crimes hediondos e assemelhados. Entretanto, vale apresentar as razões colocadas pelo criminalista e ex-delegado de Polícia, João Ibaixe38, quando descrevendo o contexto em tela:

“Ora, maior impunidade é condenar e não poder executar a sentença condenatória. Isso atesta a inutilidade das sentenças ou dos mandados judiciais (...) Se o Estado pretende devolver aquele que cometeu um crime à sociedade, deve, para bem da própria sociedade, fornecer-lhe os recursos formativos básicos a fim de que ele, antes criminoso, torne-se um cidadão e possa alcançar um convívio adequado. Somente assim, mediante a progressiva reinserção do antes criminoso na vida social, a própria sociedade pode defender-se”.

O encarceramento prolongado, ainda no dizer dos críticos da LCH, tem mostrado que provoca a desintegração da consciência social necessária e o indivíduo preso “eternamente” não tem qualquer interesse ou compromisso com a sociedade que o isolou, tornando-se apático ou rebelde, e, na eventual situação de se ver livre, será forte candidato à reincidência.

Sabe-se, através da mídia, inclusive, que são esses condenados ao regime integralmente fechado os principais responsáveis pelas grandes rebeliões no Brasil. Tem-se cogitado ainda que um dos fatores preponderantes para tanto seria o fato de

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IBAIXE JR, João. Decisão do STF é de controle difuso, não vale para todos, Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.estadao.com.br>. Acesso em: 29 de maio de 2006.

não terem expectativa nenhuma de conseguir algum benefício, o que não enseja o bom comportamento. Não tendo, portanto, nada a perder.

Assis Toledo39, analisando o tema, conclui acerca dos reflexos da efetivação da pena para o condenado e para a própria sociedade:

“Essa idéia de pena, como realização implacável da Justiça e expiação da culpa, desconhece por completo o fato de que a pena pode, em certas circunstâncias, ser uma expiação desnecessária, inútil, para o agente que, por outros meios mais eficazes, já reparou ou remediou as conseqüências danosas do crime que cometeu. Além disso, pode significar certos ônus dispensáveis para a sociedade (...) a pena de prisão profusamente cominada e aplicada, com os presídios abarrotados, milhares de mandados de prisão não cumpridos e os índices de criminalidade crescendo nos centros urbanos”. (grifo nosso)

Defendeu o Desembargador Marcel Esquivel Hoppe40 assim:

“Não podemos esquecer a pessoa do delinqüente que faz parte da nossa sociedade. Devemos condenar o crime, mas tentar recuperar o criminoso”.