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1 CRIMES HEDIONDOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS E PRINCIPAIS

4.2. Diploma legal mais benéfico?

A demanda de ações requeria um disciplinamento da nova matéria. Os juristas, os doutrinadores, e a sociedade também. Não bastava uma declaração de inconstitucionalidade votada pela maioria dos membros da Suprema Corte. Os antigos requisitos pareceram insuficientes para apenar os infratores dos crimes de natureza hedionda, já que eles não estariam mais integralmente fechados nos presídios até o cumprimento total da pena.

A nova redação do parágrafo 1º do artigo 2º da LCH passou a expressar “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”. Legalizava-se o novo posicionamento do STF. Não há mais divergências quanto à permissão do direito de progredir de regime prisional. Agora é lei.

Mas esse entendimento ainda não é pacificado nos tribunais. Seus opositores não reconhecem essa lei como legítima, não acolhendo a permissiva de progressão, por dois motivos: um, o legislador teria sido “conduzido pelo calor da emoção e do sensacionalismo, decorrente da exaustiva exposição midiática de um crime que chocou a opinião pública brasileira”, como expõe o estudioso João José Leal48 em seu texto

escrito em co-autoria com o mestre em Ciências Jurídicas, Rodrigo José Leal, ao fazer referência ao crime de roubo qualificado ocorrido na cidade do Rio de Janeiro. E outro, porque a lei seria apenas uma forma de legalizar uma decisão do STF proferida em sede de recurso, e, portanto, com eficácia operada somente para as partes do mesmo.

48LEAL, João José. LEAL, Rodrigo José. Progressão de regime prisional e crime hediondo: análise da Lei

nº 11.464/2007 à luz da política criminal. O crime a que se referem os autores ocorreu com o menino João Hélio, de seis anos, que foi arrastado por mais de seis kilômetros, após o carro de sua mãe ser roubado, reacendendo o Movimento da Lei e da Ordem, em favor de leis penais mais severas. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br. Acesso em: 30 de setembro de 2007.

O fato é que a mudança do texto da LCH é acolhida pela maioria da doutrina e jurisprudência, em observância aos princípios penais e textos legais, como o artigo 33 do CP, e o 110 da LEP.

A nova lei, além de fixar o regime progressivo de regimes, estabeleceu uma importante diferenciação no critério temporal da pena, especialmente mais severa, e de acordo com a situação do condenado: se réu primário, deverá cumprir dois quintos da pena, ou seja, 40% (quarenta por cento), se reincidente, três quintos, ou 60% (sessenta por cento) da pena.

Observe-se que o reincidente de que trata a lei é o reincidente no sentido específico, não coincidindo com o descrito no artigo 63 do CP, significando aquele agente que cometer novo crime hediondo após ter sido condenado por crime desta mesma espécie.

Na prática, haverá retroatividade da parte favorável da lei (a admissão expressa da progressividade, pois lei especial afasta regra geral, segundo o princípio da especialidade), enquanto o tempo de cumprimento da pena para se pleitear o benefício, para crimes ocorridos antes da vigência da Lei 11.464/07, será de um sexto da pena, conforme o artigo 112 da LEP, e, se após a lei, atenderá ao tempo maior por ela estabelecido. Então a lei é benéfica em um ponto e severa em outro. Embora esse lapso temporal exigido também seja um ponto ainda divergente.

Para alguns juízes monocráticos e tribunais, embora admitam a progressividade estabelecida na nova lei, entendem que o critério temporal a ser satisfeito deva ser o mais rígido, em todos os casos, não cabendo mais a observância do artigo 112 da LEP.

Embora não expresso pela lei, entende-se que a verificação dos demais critérios para a progressão (bom comportamento carcerário e exame criminológico) continua válido, para embasar o convencimento do juiz. O artigo 112 da LEP foi objeto de derrogação apenas em sua parte relativa ao tempo.

Além de não ter explicitado os demais critérios de progressão, a nova lei não definiu quais as figuras criminosas são enquadradas como hediondas, permanecendo omissa, segundo a crítica. Entretanto, com relação à Lei AntiDrogas, a doutrina majoritária entende que somente o condenado pelos crimes descritos nos artigos 33, caput, parágrafo 1º, incisos I a III, e 34 a 36 devem ficar sujeitos ao cumprimento de pena estabelecido pela Lei 11.464/07.

Outro ponto de crítica diz respeito ao longo tempo de permanência do condenado nos regimes semi-aberto e aberto antes de obter o livramento condicional.

Uma vedação da LCH que também foi eliminada com a edição dessa lei refere- se à liberdade provisória, permitindo ao réu o direito de apelar em liberdade, permanecendo a proibição de fiança.

Assim, antes do novo diploma legal, a LCH, apesar de não mais eficaz, ao vedar a progressão de regime, manteve-se vigente, mesmo após a declaração no HC 82.959.

A Lei 11.464/07 adotou a mesma disposição em termos de regime de execução penal que as Leis 9.455/97 (Lei de Tortura) e a recente 11.343/07 (Lei AntiDrogas), e conformou-se aos princípios constitucionais. No dizer de seus defensores, tornou também o sistema penal menos assimétrico, avançando no sentido de sedimentar um direto pátrio menos rigoroso e mais coerente com o sistema penitenciário progressivo.

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5 INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELA DECISÃO DO STF E

A LEI 11.464/07: REFLEXOS E CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS

O fato é que a matéria era pacífica no Supremo Tribunal Federal, seja quanto ao regime integral fechado, seja quanto à ausência de derrogação deste dispositivo penal pela Lei nº 9.455/9749, que trouxe o regime inicial fechado aos crimes de tortura, até 23 de fevereiro de 2006, no julgamento do HC 82.959.

Entretanto, antes mesmo do julgamento final do referido recurso, alguns Tribunais já vinham concedendo inúmeras decisões para afastar o óbice legal proibitivo da progressão de regime nos crimes hediondos e seus assemelhados, conforme os exemplos:

Ementa

EMENTA: HABEAS-CORPUS. LATROCÍNIO. EXTENSÃO, PELO STJ, DA PROGRESSÃO DE REGIME PREVISTO NA LEI 9455/97. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROVIMENTO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO RÉU PRESO PARA CONTRA-ARRAZOAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Tentativa de latrocínio. Crime hediondo. Regime integral fechado. HC impetrado em nome próprio e deferido pelo STJ para garantir a progressão com base na Lei 9455/97, que prevê o benefício para os condenados por crime de tortura. Recurso extraordinário do Ministério Público provido com base no artigo 557, parágrafo 1º-A, do CPC, para restabelecer o regime integral de cumprimento da pena. Intimação pela imprensa, de réu preso, para contra-arrazoar. Constrangimento ilegal caracterizado, uma vez que na hipótese a intimação deve ser pessoal. HC deferido. (original sem grifo)

STF, HC 82867, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ 27-06-2003.

49Exemplos de dispositivos: HC nº 76.371, Rel. Min. Sydney Sanches – STF, Súmula 698. Disponível em:

"É imprópria a imposição de regime integralmente fechado, ante o sistema progressivo dos regimes de cumprimento de pena, constante do Código Penal e da Lei de Execução Penal, recepcionados pela Constituição Federal"

TJMG, Ap. 1.0000.00.353162-1/000(1), 3a Câm., rela. Desa. Jane Silva, j. 7-10- 2003, DOMG, 30-10-2003, RT 822/658.

"O regime integral fechado colide com o princípio constitucional da individualização da pena, referido no. 5º, XLVI, da Carta Magna”.

TJSP, ACrim. 167.338-3/2, 3ª CCrim., rel. Des. Silva Leme, j. 20-3-1995, m.v.

Interessante destacar alguns excertos do promotor e mestre em ciências penais Haroldo Caetano da Silva50, em artigo discorrendo acerca da decisão do Supremo, por

ser esclarecedor em vários pontos da temática do presente tópico. Ele aponta que, mesmo sob a pressão da mídia e dos críticos do Movimento da Lei e da Ordem, o STF enfatizou a importância dos princípios constitucionais gerando reflexos que alcançaram não somente aspectos penais, mostrando-se inovador:

“(...) mesmo sem essa pretensão explícita, o julgamento do STF acabou por ir ao encontro da criminologia e da política criminal contemporâneas, como também do entendimento de boa parte dos pensadores do Direito Penal pátrio. Traduz-se a decisão em avanço importante, na esteira das lições do Marquês de Beccaria que há mais de duzentos anos já sustentava que a eficácia da justiça criminal dependia não da severidade da pena, mas fundamentalmente da certeza da punição (...) não apenas reafirmou a independência de um dos poderes do Estado, mas também restaurou a força normativa dos princípios constitucionais afeitos à pena e sua execução (...).”(grifo nosso).

O fato é que, com o novo posicionamento, tantas eram as ações tramitando no STF sobre a progressão de regimes em ditos crimes que se chegou a dizer que a decisão do Supremo liberaria milhares de condenados, permitindo que criminosos altamente perigosos voltassem ao convívio da sociedade.

Então, com o objetivo de facilitar os julgamentos, a 1ª Turma da Corte decidiu que todos os habeas corpus contendo o pedido poderiam ser julgados individualmente

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SILVA, Haroldo Caetano da. Reflexos Penais da Decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Progressão Prisional em Crimes Hediondos. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br>. Acesso em: 23 de agosto de 2006.

pelo relator, atendendo à proposta, do ministro Cezar Peluso51, aprovada por unanimidade.

Inclusive muitas requeriam a inclusão imediata do paciente no benefício, por ser mais favorável, baseado no julgado proferido pelo relator Marco Aurélio. Coube, comentário do ministro Carlos Ayres Britto, esclarecendo e ressaltando que a “efetividade da progressão dependerá da análise, por parte do juiz da execução penal, de requisitos objetivos e subjetivos do preso”. Esse entendimento se mantém mesmo com a consagração da progressividade, com a Lei 11.464/2007. Jurisprudências do Supremo já expressavam sua impossibilidade de examinar, em sede de recurso, pedidos que determinem o imediato ingresso de sentenciado a regime menos gravoso:

E M E N T A: CRIME HEDIONDO OU DELITO A ESTE EQUIPARADO -

IMPOSIÇÃO DE REGIME INTEGRALMENTE FECHADO -

INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90 - PROGRESSÃO DE REGIME - ADMISSIBILIDADE - EXIGÊNCIA, CONTUDO, DE PRÉVIO CONTROLE DOS DEMAIS REQUISITOS, OBJETIVOS E SUBJETIVOS, A SER EXERCIDO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO (LEP, ART. 66, III, "B"), EXCLUÍDA, DESSE MODO, EM REGRA, NA LINHA DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE (RTJ 119/668 - RTJ 125/578 - RTJ 158/866 - RT 721/550), A POSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EXAMINANDO PRESSUPOSTOS DE ÍNDOLE SUBJETIVA NA VIA SUMARÍSSIMA DO "HABEAS CORPUS", DETERMINAR O INGRESSO IMEDIATO DO SENTENCIADO EM REGIME PENAL MENOS GRAVOSO - RECONHECIMENTO, AINDA, DA POSSIBILIDADE DE O JUIZ DA EXECUÇÃO ORDENAR, MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA, A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO - IMPORTÂNCIA DO MENCIONADO EXAME NA AFERIÇÃO DA PERSONALIDADE E DO GRAU DE PERICULOSIDADE DO SENTENCIADO (RT 613/278) - EDIÇÃO DA LEI Nº 10.792/2003, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 112 DA LEP - DIPLOMA LEGISLATIVO QUE,

EMBORA OMITINDO QUALQUER REFERÊNCIA AO EXAME

CRIMINOLÓGICO, NÃO LHE VEDA A REALIZAÇÃO, SEMPRE QUE JULGADA NECESSÁRIA PELO MAGISTRADO COMPETENTE - CONSEQÜENTE LEGITIMIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, DO EXAME CRIMINOLÓGICO (RT 832/676 - RT 836/535 - RT 837/568) - PRECEDENTES - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO, EM PARTE.

STF, HC 88052 / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento: 04/04/2006, DJ 28-04- 2006.

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BRASIL. Revista Consultor Jurídico. Enxurrada de Ações. Disponível em:

Ementa

EMENTA: 1. Recurso ordinário em Habeas Corpus. 2. Alegações de constrangimento ilegal em razão dos seguintes fatores: a) violação do princípio da unidade do Ministério Público e da indivisibilidade da ação penal (CF, art. 121, § 1o); b) inexistência de concurso de agentes, por suposta ausência de provas; c) nulidades decorrentes da intimação dos advogados de defesa quanto ao despacho saneador e quanto as audiências de inquirição das testemunhas; d) intempestividade da apelação ministerial; e) preclusão ao direito de recorrer do Ministério Público de sentença penal absolutória; e f) o direito de progressão de regime nos termos das alterações promovidas pela Lei no 9.455/1997 com relação a Lei no 8.072/1990. Com relação aos itens "a", "b", "c", "d" e "e" acima, em conformidade com o parecer da PGR e com a jurisprudência do Tribunal, não se vislumbra a procedência das alegações expendidas pelo recorrente. Precedentes: HC's nos 84.278/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 22.10.2004; 87.293/PE, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ de 03.03.2006; e AO no 933/AM, Rel. Min. Carlos Britto, Pleno, DJ de 06.02.2004. 3. Impossibilidade de apreciação e julgamento monocrático para a aplicação do precedente firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no HC no 82.959/SP, Relator Marco Aurélio, maioria, acórdão pendente de publicação. Precedentes: HC(QO) no 85.677-SP, de minha relatoria, 2ª Turma, unânime, DJ de 31.03.2006; HC(QO) no 86.224, Rel. Min. Carlos Brito, 1ª Turma, unânime, DJ de 17.03.2006. 4. Inconstitucionalidade do § 1o do art. 2o da Lei no 8.072/1990, que vedava a progressão. 5. Competência do juízo de primeiro grau para avaliar, no caso concreto, se o paciente atende ou não os requisitos para obter o benefício da progressão. 6. Recurso Ordinário em Habeas Corpus deferido em parte, sendo provido apenas no que se refere à progressão de regime.

STF, RHC 85656 / MS - MATO GROSSO DO SUL, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Órgão Julgador: Segunda Turma Julgamento: 15/08/2006, DJ 08-09- 2006.

Foi ante a repercussão da matéria, que se editou a Lei 11.464/2007. Necessário tornou-se adequar o texto, ainda vigente, da LCH à jurisprudência tecida pelo Supremo, e dirimir as dúvidas quanto à aplicação do benefício concedido.

Afinal, cumpre explanação dos reflexos e eficácia da decisão frente a prática jurídica dos processos que pleiteiam novos pedidos de progressão. Seja quanto ao procedimento adotado junto às sentenças proferidas antes da inovação jurisprudencial, após o HC 82.959 e antes da nova lei, e após a nova lei.

Para tanto, cabem esclarecimentos acerca da posição doutrinária quanto ao efeito vinculante ou não aos demais casos concretos, do benefício admitido em sede de recurso de habeas corpus, e o debate da matéria por meio da Reclamação 4335,

impetrada pela Defensoria Pública da União, que envolvem também discussões acerca da atuação do Juízo da Vara de Execuções Penais, quando transitada em julgado a sentença condenatória vedando a progressão, contrariando o julgado do HC 82.959.

Importa conhecimento acerca da coisa julgada e o papel dos juízes da execução, ante o novo contexto jurídico.