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1 CRIMES HEDIONDOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS E PRINCIPAIS

2.3 Princípio da Culpabilidade

A atual doutrina acerca da culpabilidade, apresentada por Romeu Falconi26, em

sua dissertação, insere o princípio num dos pontos culminantes do moderno Direito Penal, por dela derivar a proporcionalidade da pena nos casos concretos, de modo que o preceito “nullum crimen sine culpa”, inserido na Carta Magna em seu artigo 5º, LVII, exige o respeito à presunção de inocência até a prova cabal da culpa (lato senso).

Na definição de Aurélio Buarque27, culpabilidade é “a qualidade daquele que é digno de censura; condenável, repreensível”. Assim é que se entende indispensável a perfeita adequação da culpabilidade e da pena, que é a conseqüência natural de qualquer conduta comprometida com a culpa. Havendo uma punição, por menor que seja, ela deve corresponder à culpa do agente, sob resultado de gerar mal-estar e insatisfação generalizada contra a ação do julgador.

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FALCONI, Romeu. Reabilitação Criminal. São Paulo, Cone Editora, 1995, p.21.

27BRASIL. Dicionário Aurélio Buarque de Holanda. Disponível em:

Nesse ponto, cabe emitir o conceito de crime, desenvolvido por Magalhães Noronha28: “crime é a conduta humana que lesa ou põe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal”, sendo sua essência a ofensa a bem jurídico, posto que a norma penal tem por finalidade sua tutela.

Considera-se, então, o crime como ação típica (descrita na lei e correspondente a uma figura delitiva), antijurídica (contrária ao direito) e culpável. Restando a este último elemento o aspecto subjetivo do crime, entendido em sentido amplo, ou seja, dolo ou culpa. A culpabilidade é o elemento anímico do delito, surgindo quando o agente realiza, dolosamente ou culposamente, o evento cujo resultado planejou, ou sobre o que não teve o cuidado da análise da previsibilidade exigível, sendo irrelevante se obteve ou não sucesso.

Daí, o princípio da culpabilidade exercer a função de limitador dos máximos punitivos, tendo em vista o prejuízo social causado pela conduta típica, compondo elemento a ser observado pelo juiz no artigo 59 do Código Penal com o fim de estabelecer a pena necessária e suficiente.

Mesmo em linhas gerais, fez-se necessário traçar noções acerca dos princípios constitucionais para que se mensure com mais precisão os efeitos da declarada inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos, ao vedar expressamente a progressão de regimes.

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3 PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL E CRIMES HEDIONDOS

Passados dezessete anos desde a edição da Lei de Crimes Hediondos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal fora instado a declarar-se em matéria contida no HC 82.959-SP, que requeria a progressão de regimes alegando a inconstitucionalidade do dispositivo contido no artigo 2º, parágrafo 1º.

Sem dúvida, esse é o assunto central e tema de maior repercussão gerada pela decisão proferida no referido recurso: a possibilidade de progressão prisional, para os condenados por crimes hediondos ou assemelhados. Confiram-se alguns julgados:

Ementa

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.

INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. I - O indeferimento de diligência probatória tida por desnecessária pelo juízo ao quo não viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. II - Não se admite na via estreita do habeas corpus a análise aprofundada de fatos e provas. III - Após o julgamento do HC 82.929/SP pelo Plenário do STF, não mais é vedada a progressão de regime prisional aos condenados pela prática de crimes hediondos. IV - Ordem indeferida, concedida, porém, a ordem de ofício, para conceder o benefício da progressão de regime, observados os requisitos legais. (original sem grifo)

STF, HC 88904 / SP, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJ 01-09- 2006.

Ementa

EMENTA: HABEAS CORPUS. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO À IMPETRAÇÃO. REPETIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA INICIAL. DECISÃO MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO IMPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO, PARA QUE SEJA ANALISADO O PLEITO DE PROGRESSÃO DE REGIME. O ato impugnado é decisão que indeferiu liminar, não havendo ilegalidade flagrante. Aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. A mudança do título da prisão torna incabível o conhecimento do habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal. A

paciente foi condenada ao cumprimento de pena no regime integralmente fechado, por força do art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/1990. Embora o direito à progressão de regime não tenha sido pleiteado, reconhece-se a ilegalidade da vedação baseada tão-somente em dispositivo declarado inconstitucional pelo STF, em controle incidental (HC 82.959). Agravo regimental a que se nega provimento. Ordem concedida de ofício, para determinar que o juízo das execuções analise se a paciente preenche os requisitos objetivos e subjetivos indispensáveis à obtenção do benefício e ordene, se entender necessária, a realização de exame criminológico. (original sem grifo)

STF, HC-AgR 87539 / ES - ESPÍRITO SANTO, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento: 25/04/2006, DJ 26- 05-2006.

Ementa

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. ESTUPRO SIMPLES COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO: CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. I - Não há falar em falta de fundamentação do acórdão impugnado quanto ao regime de cumprimento da pena, se há referência expressa à Lei 8.072/90. II - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que "os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, tanto nas suas formas simples Código Penal, arts. 213 e 214 como nas qualificadas (Código Penal, art. 223, caput e parágrafo único), são crimes hediondos. Leis 8.072/90, redação da Lei 8.930/94, art. 1º, V e VI." HC 81.288/SC, Plenário, Rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, DJU 25.4.2003. III - Após o julgamento do HC 82.929/SP pelo Plenário do STF, não mais é vedada a progressão de regime prisional aos condenados pela prática de crimes hediondos. IV - Ordem parcialmente concedida. (original sem grifo)

STF, HC 87281 / MG - MINAS GERAIS, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento: 25/04/2006, DJ 04-08-2006.

Ementa

PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi- aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA

LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO

JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. (original sem grifo)

STF, HC 85483 / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento: 06/06/2006, DJ 30-06- 2006.

Ante a desarmonia da LCH com os valores constitucionais, a doutrina e a jurisprudência tenderam a propor um sistema mais reconhecidamente humano, embasado nos princípios da Carta Magna, e que atente também para a finalidade precípua da pena de restabelecer ao convívio social aquele que delinqüiu, constando esta como a razão de ser do regime progressivo.

Para a melhor compreensão dos aspectos relevantes envolvidos a partir da permissão proferida pelo STF, cumpre tecer algumas, mesmo que breves, considerações acerca dos requisitos legais para a concessão da progressividade, dos regimes prisionais reconhecidos no Código Penal pátrio, bem como conhecer e analisar os fundamentos da jurisprudência e de doutrinadores que defenderam argumentos favoráveis e contrários à possibilidade desse benefício durante a execução da pena.