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Defesa social e identidade repressiva atual

GENEALOGIA DA DIMENSÃO MORAL DA EDUCAÇÃO NA PRISÃO

2.3 Defesa social e identidade repressiva atual

Paralelamente e a partir do surgimento do Estado enquanto forma de administração do poder, desenvolveram-se no cenário criminológico moderno – influenciadas pelas reflexões filosófico-políticas advindas do racionalismo, empirismo, humanismo, contratualismo e utilitarismo – um conjunto de teorias voltadas à explicação das questões penais. A primeira delas, formulada como contraposição ao modelo criminal do Estado absolutista, e que reúne representantes como Cesare Beccaria, Cayetano Filangieri, Juan Domingo Romagnosi, e Francesco Carrara, tornou-se conhecida sob o nome de Escola Criminológica Clássica48.

Sérgio Salomão Shecaira (2012, p.7) esclarece que até o presente, os diversos criminólogos não são unânimes ao indicar o momento histórico no qual se teria iniciado a etapa científica da criminologia, contudo, não se pode deixar de reconhecer o pioneirismo que a Escola Clássica, sobretudo a partir de Dos Delitos e

Das Penas de Beccaria, de 1764, e mais tarde a Escola Positiva, ambas enraizadas

48 O termo Escola Criminológica deve ser entendido segundo a lição de Jiménez de Asúa (1950, p.29)

como sendo o corpo orgânico de concepções sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a natureza dos delitos e sobre os fins da punição.

na razão iluminista, assumem nesse cenário.

Antonio Garcia-Pablos de Molina, em seu Tratado de Criminología (2003, p.340), ensina que a Escola Clássica, utilizando-se de uma metodologia abstrata e dedutiva, construiu seu conjunto de argumentos a partir de três pilares distintos, uma imagem de homem como ser racional, igual e livre; a idéia do contrato social como fundamento da sociedade civil e do poder; e finalmente, uma concepção utilitária do castigo, segundo a qual a pena seria um instrumento para curar as enfermidades morais dos infratores, disciplinando-os.

A partir das lições de Molina (2003, p.341), Luis Rodriguez Manzanera (1981, p.237), e Moniz Sodré (1955, p. 78), se pode resumir as concepções teóricas da Escola Clássica. Primeiro, o Estado enquanto ordem política, bem como suas leis positivas, são subordinados a uma ordem anterior ou Estado de Natureza, de maneira que a lei positiva apenas reconhece os direitos e deveres já presentes no Estado de natureza; por constituir-se a partir da soma das vontades humanas, o direito de castigar pertence apenas ao Estado, de maneira que ele detém o monopólio das punições, que deve ser exercido mediante a obediência aos direitos individuais.

Segundo, o sujeito da lei penal é o homem capaz de querer como ser consciente, inteligente e livre. Se supõe que todos os homens tem uma igual capacidade de eleger entre o bem e o mal, de maneira que cada homem poderia livremente realizar a ação proibida, ou respeitá-la. O crime é portanto, obra exclusiva da vontade do delinqüente, e nunca um produto determinado também por causas naturais ou sociais. Em decorrência dessa idéia de livre arbítrio, a pena deveria ser aplicada aos indivíduos moralmente responsáveis, ficando assim excluídos do direito penal, aqueles que não possuem o livre arbítrio, como os loucos e os menores. O fundamento das punições é a idéia de justiça e de retribuição jurídica em face do mal causado à sociedade decorrente do uso indevido do livre arbítrio.

Terceiro, a pena deveria ser proporcional à gravidade do delito cometido e ao dano causado, de maneira que quanto maior o dano, maior deveria ser a retribuição penal. A finalidade da pena não é outra senão restabelecer a ordem social rompida pelo delinqüente, pois o delito, ao romper a ordem jurídica, ofende a sociedade, criando um estado de insegurança.

Por último, nada distingue o homem delinqüente dos demais, pois, formalmente, todos os homens são iguais, possuindo a mesma capacidade racional,

o mesmo valor de dignidade, os mesmos direitos e as mesmas obrigações. Daí por que o objeto do direito penal não é a pessoa do autor, mas tão somente o delito, este último, entendido não como um fato, mas como um ente artificial, jurídico.

Ocorre que, como explica Shecaira (2012, p.86), os postulados clássicos, aos poucos, mostraram-se incapazes de explicar alguns fenômenos da época, como a não diminuição da criminalidade no contexto do capitalismo industrial na Europa. O postulado da racionalidade pura e da homogeneidade absoluta entre os homens mostrava-se frágil; os supostos efeitos dissuasórios das punições obtidos mediante à retribuição penal não se revelaram efetivos; a aplicação da lei penal a partir de uma critério de igualdade se tornava cada vez mais indemonstrável diante das dificuldades interpostas entre a abstração do legislador e a punição concreta; a idéia de direitos individuais protegeria demasiadamente o individuo em detrimento da sociedade. Tudo isso, fez com que surgisse uma onda de críticas ao pensamento clássico, na qual insere-se a Escola Positivista49.

Explica Molina (2003, p.396) que a característica diferencial do positivismo criminológico estaria na forma para o estudo das questões penais, qual seja, o emprego do método causal-explicativo, empírico, indutivo, experimental. Se os clássicos haviam se colocado contra a irracionalidade dos castigos do sistema penal absolutista, ao contrário, os positivistas se ocupariam da luta contra o delito através de um conhecimento objetivo de suas causas, para que se pudesse proteger de maneira eficaz a ordem social nascente da burguesia industrial.

Tendo como principais expoentes Cesare Lombroso, Enrico Ferri, Dorado Montero e Rafael Garofalo, os positivistas partiriam da negação do livre arbítrio e da responsabilidade moral do homem, em favor de um determinismo antropológico, biológico ou cognitivo. O delinqüente, assim, não deveria ser punido em decorrência de sua culpabilidade (medida da vontade), mas em razão da periculosidade que representaria para o conjunto social. A punição teria pois, apenas fins preventivos, imputada não em decorrência do crime, mas para que se evitassem novos crimes.Nesse contexto, o delito em si, não haveria de interessar enquanto objeto cognoscente, mas tão somente enquanto sintoma da ofensividade do agente para a

49 Por positivo se deve entender aquilo que designa o real em oposição ao metafísico, ao abstrato; o

abandono das especulações em prol de uma melhoria contínua das condições individuais e coletivas. Todas essas características implicadas pelo positivismo criminológico representariam a refutação do pensamento penal clássico, entendido aqui como totalmente inútil para a proteção da nova ordem social (RAMIREZ, 1983, p.34).

sociedade. O delinqüente seria um sujeito desigual, diferente, devendo pois, se buscar sua correção independente de proporcionalidade na punição, senão até que estivesse devidamente remediado (QUISBERT, 2008, p.65).

Em síntese, explica Manzanera (1981, p.243), para os positivistas: o direito de impor sansões pertenceria ao Estado, a título de defesa efetiva da coletividade; a legislação penal deveria estar baseada em estudos antropológicos e biológicos dos delinqüentes; o delito seria um fenômeno natural e social que deveria ser estudado como algo real, atual, e produzido por fatores que independem da existência das normas jurídicas; a gravidade dos crimes não dependem dos danos causados, mas do perigo que o criminoso representa para a sociedade, por isso, a medida das sansões é justamente esse grau de periculosidade; as sansões não são aflitivas, não têm o objetivo de fazer sofrer o réu, mas de tratá-lo; e finalmente, algumas tipologias humanas estariam determinadas ao cometimento de crimes por degenerações em seu desenvolvimento.

A integração das concepções de homem, sociedade, desvio e punição, das criminologias clássicas e positivistas, deu origem ao que Alessandro Baratta (1999, p.41) chamou de “ideologia da defesa social”, um paradigma teórico e político, cujo desenvolvimento passou a legitimar todo um conjunto de instituições, concepções e práticas penais, chegando como perspectiva dominante até os nossos dias.

Explica o filósofo italiano que a ideologia da defesa social surge no contexto histórico das revoluções burguesas, no exato momento em que a estrutura burocrática penal se apresentava como elemento essencial da ordem jurídico/política, primeiro, com os postulados de inspiração ilustrada da criminologia clássica, passando suas premissas em seguida, para as escolas positivistas, quando da passagem do estado liberal clássico ao estado social.

Ainda segundo Baratta (1999, p.42) é possível condensar os argumentos desse paradigma em seis princípios estruturantes, quais sejam: o princípio da legitimidade; princípio do bem e do mal; princípio da culpabilidade; princípio da finalidade ou da prevenção; princípio da igualdade; e finalmente, princípio do interesse social e do delito natural.

Pelo princípio da legitimidade, o Estado é concebido como expressão maior das vontades da sociedade, estando, portanto, legitimado para reprimir os desvios sociais praticados por determinados indivíduos, mediante o emprego de um conjunto de instâncias oficiais de controle social, a exemplo da lei, da polícia, dos

magistrados e das instituições penitenciárias.

Tais instâncias, consoante explica Danilo Zolo (2002, p.23), teriam então o poder legítimo de produzir sofrimentos legais, “de variada natureza e intensidade, autorizando comportamentos hostis para com sujeitos submetidos a algum tipo de identificação e investigação”, procedimentos estes, realizados com o uso dos chamados inquéritos, que teriam o objetivo de auferir o grau de responsabilidade ou culpa do sujeito, com fundamento no princípio geral, mas de caráter pessoal, da responsabilidade penal fundada na responsabilidade moral e na livre volição individual.

Por sua vez, o princípio do bem e do mal implica na consideração ontológica do delito como um dano para a sociedade, de maneira que qualquer delinqüente, a despeito de suas condições pessoais ou posição social, seria um elemento disfuncional, diferente e pernicioso ao sistema social, ou seja, o mal, sendo a sociedade, o Estado, suas instituições e suas práticas de controle social, o bem.

O princípio de culpabilidade expressa a vinculação da ideologia da defesa social com a assunção filosófica típica da modernidade, qual seja, a liberdade do sujeito, pois, tal como esclarece Zolo (2002, p.24), seria impossível atribuir alguma responsabilidade aos indivíduos, considerando-os, portanto, imputáveis e puníveis, sem supor sua liberdade para valorar as circunstâncias e direcionar as condutas no sentido de suas escolhas. Por tal princípio, o delito apareceria como uma exteriorização de uma vontade interior contrária aos valores sociais, e por isso mesmo reprovável, surgindo daí para o Estado o poder/dever de defender-se (daí porque defesa social), punindo.

Outro princípio característico da defesa social é o da finalidade ou prevenção. Aqui, a imposição da pena aparece com um duplo objetivo, retribuir o mal causado pelo crime, e prevenir futuros delitos.

Para os defensores50 das teorias retributivas ou absolutas, o fundamento da

punição resta-se configurado em que esta é a condigna e merecida retribuição em face da violação do direito ocorrida no momento do ato desviante, não havendo aí

50 A idéia de retribuição apresenta incontáveis variantes, contudo, as de maior influência na história do

pensamento criminológico são atribuídas à Kant e Hegel. Kant, em sua metafísica dos costumes, defendeu que a pena não poderia jamais ser considerada como um meio para a realização de outro bem, mas um fim em si mesma, daí por que deveria se executar ainda que não proporcionasse benefício algum, ou do contrário, a dignidade do homem seria comprometida. Por sua vez, Hegel, em sua filosofia do direito, sustentou a pena como uma superação do delito, ou seja, a punição seria legítima na medida em que representa a negação da negação do direito.

nenhuma necessidade de função utilitária preventiva (ROSAL e ANTÓN, 1999, p. 809).

A teoria da retribuição parte da idéia de que o sentido da pena se baseia na compensação da culpabilidade do autor do desvio mediante a imposição de um mal penal, de forma que a pena haveria de se ocupar unicamente com a realização da justiça (ROXIN, 1976, p.12). Nesse sentido, ensinam Hassemer e Muñoz Conde (2001, p.228) que objetivamente, “la teoría retributiva sólo pretende que el acto

injusto cometido por un sujeto, culpable del mismo, sea retribuido a través del mal que constituye la pena”.

Son teorias absolutas todas las doctrinas retribucionistas, que conciben la pena como fin en si mismo, es decir, como castigo, como compensación, reacción, reparación o retribuición del delito, justificada por su valor axiológico intrínseco; por conseguiente no un medio, y menos aún un coste, sino un deber ser metajurídico que tiene en sí mismo su fundamento

(FERRAJOLI, 1998, p.253).

Explica o filósofo italiano que as doutrinas absolutas ou retribucionistas se fundamentam na máxima de que é justo devolver o mal pelo mal, princípio este, de origens arcaicas, comum em ordenamentos humanos primitivos que se orientavam pela vingança de sangue51. Assim, a concepção absoluta de justificação da punição

giraria em torno de três idéias elementares, a vingança, a expiação e o reequilíbrio entre pena e delito, argumento que nunca foi abandonado por completo na cultura penalista (FERRRAJOLI, 1998, p.254).

Desta forma, defende Roxin (1976, p.12) que é inquestionável que a idéia da compensação retributiva goza de uma força prática relevante, pois resgata um reflexo de harmonia superior em face da frágil existência terrena, daí porque conta, até os dias atuais, com um grande número de adeptos.

Por outro lado, a finalidade preventiva da pena contempla todas as doutrinas utilitárias que consideram a punição como um instrumento para a prevenção de futuros delitos, dividindo-se em teorias de prevenção geral (se referem à generalidade dos cidadãos) e teorias de prevenção especial (dizem respeito unicamente à pessoa do delinqüente). Aqui, não se castiga para o restabelecimento

51 Forma originária de castigo que consistia no direito que recaía sobre a parte ofendida e seu grupo

de uma ordem de valores, mas sim para evitar a ocorrência de condutas indesejáveis (MIR PUIG, 1994, p.118).

Ensina Roxin (1976, p.17) que a teoria da prevenção geral parte da idéia de que mediante um efeito intimidatório causado pela aplicação da pena se pode motivar a generalidade dos cidadãos a comportar-se segundo as leis e os valores vigentes. Assim, para a teoria preventiva geral, a ameaça de imposição de uma pena ou sua execução, serve, por um lado, para inibir os deliquentes em potencial (concepção negativa restrita), e por outro, para fortalecer a consciência jurídica dos cidadãos, sua confiança e sua fé no direito e nas instituições (concepção positiva ampla) (HASSEMER e MUÑOZ CONDE, 2001, p.227).

Por sua vez, as teorias de prevenção especial se dirigem à figura do autor e podem sem concebidas a partir de dois sentidos, a prevenção especial negativa – pela qual há a neutralização daquele que praticou a infração penal, afastando-o do convívio social e impedindo assim que este cometa novos crimes – e a prevenção especial positiva, pela qual a missão da pena é fazer com que o criminoso reflita sobre sua conduta e desista de cometer novos delitos. Daí que, segundo Roxin (1976, p.15), a prevenção especial pode ocorrer corrigindo os corrigíveis (ressocialização), intimidando os intimidáveis e fazendo inofensivos mediante a aplicação da pena de privação da liberdade os que não são nem corrigíveis nem intimidáveis.

Assim, explica Ferrajoli (1998, p.262) que as quatro finalidades preventivas utilizadas pelo utilitarismo das teorias relativas são, a emenda ou correção do réu, sua neutralização, a dissuasão de toda a generalidade de pessoas da tentação de imitá-lo mediante o exemplo do castigo ou de sua ameaça, e por fim, o reforço da ordem mediante a afirmação penal dos valores sociais lesionados.

Combinando los dos critérios (prevenção geral e prevenção especial) tendremos cuatro grupos de doctrinas relativas o utilitaristas, caracterizadas respectivamente por las cuatro finalidades preventivas anteriormente enunciadas: a) las doctrinas de la prevención especial positiva o de la corrección, que atribuyen a la pena la función positiva de corregir al reo; b) las doctrinas de la prevención especial negativa o de la incapacitación, que le asignan la función negativa de eliminar o de um modo u outro neutralizar al reo; c) las doctrinas de la prevención general positiva o de la integración, que le asignan la función positiva de reformar la fidelidad de los asociados al orden constituído; d) las doctrinas de la prevención general negativa o de intimidación, que le asignan la función de disuadir a los ciudadanos mediante el ejemplo o la emenaza de la pena (FERRAJOLI, 1998, p.263).

Mais tarde, na primeira metade do século XX viriam a surgir as chamadas teorias mistas ou teorias de união, que se por um lado postulam que a pena deve servir para retribuir a culpabilidade do desviante, por outro entendem que ela não pode se furtar ao efeito preventivo, tanto em relação à generalidade quanto ao condenado.

Ensinam Hassemer e Muñoz Conde (2001, p.228) que as teorias mistas atendem aos diferentes estágios de realização da justiça punitiva. Assim, no momento da cominação penal, quando o legislador tipifica um fato e contrapõe a ele uma determinada pena, se pode pretender um efeito preventivo geral da abstenção de praticar a conduta proibida, resultado análogo ao decorrente das medidas cautelares como a prisão preventiva na fase de instrução processual.

Por outro lado, sustentam os citados doutrinadores que quando da condenação criminal, a magnitude da punição que se impõe deve ser, antes de tudo, uma justa e medida retribuição pelo grau de culpabilidade do autor e gravidade do delito por ele praticado, e na execução penal, aparecem em primeiro plano as idéias ressocializadoras do tipo preventivo especial, de maneira que a pena possa servir para reintegrar socialmente o condenado e evitar que ele volte a delinquir52.

Dentre os postulados da defesa social há ainda o chamado princípio da igualdade. Tal princípio surge como corolário do contratualismo enquanto justificação da gênese do Estado, de maneira que, em sendo o Estado expressão máxima das vontades humanas, a lei penal por ele construída aplicar-se-ia de modo igual a todos os autores de delitos.

Finalmente, tem-se o chamado princípio do interesse social e do delito natural. Cada um dos delitos definidos nas leis penais apresentaria um núcleo identificado com os valores sociais mais fundamentais (daí a idéia de bem jurídico penal53), de maneira que os interesses protegidos pelo direito penal não são os

interesses de uma maioria, ou do Estado, mas sim interesses comuns a todos os cidadãos, e as condutas definidas como criminosas não o são por resultado artificial

52 Discussão originalmente realizada em SILVA, Mazukyevicz; e PALITOT, Rômulo Rhemo. Os

fundamentos da punição e os fins contraditórios da pena de prisão. IN: COUTINHO, Ana Luisa Celino; BASSO, Ana Paula; CECATO, Maria Áurea Baroni, et. al. Direito, Cidadania e Desenvolvimento. Conceito Editorial: Florianópolis, 2012.

53 São os bens vitais para a sobrevivência da estrutura social, como a vida, a liberdade, a saúde, a

propriedade; são indispensáveis para a convivência humana em harmonia, daí deverem ser protegidos pelo poder coercitivo do Estado expressado nas punições (HASSEMER e MUÑOZ CONDE, 2001, p.103).

da atividade dos legisladores, mas por representarem, em si mesmas (ou seja, naturalmente), um dano ou perigo à sociedade.

A partir destes pressupostos, Danilo Zolo (2002, p.26) explica que a punição assume definitivamente a missão de isolar o desviante do meio social, neutralizar a sua periculosidade, e somente admiti-lo novamente ao convívio com o grupo após tê-lo reeducado, corrigido, transformado segundo as regras e valores predominantes da sociedade. Assim, o paradigma da defesa social torna-se dominante ao longo dos séculos XVIII e XIX, e continua sendo, até o presente, “o aparelho de justificação racional da pena mais utilizado pelas penologias ortodoxas ocidentais”.

O que se pede agora é, antes, a aceitação e o respeito das regras políticas e econômicas adotadas pelo grupo. O sofrimento infligido ao desviante não é mais entendido como expiação, purificação e redenção. Trata-se de um sofrimento que possui uma função dupla: por um lado tem um significado retributivo para com os valores e os interesses sociais violados ou colocados em perigo pelo crime; por outro lado pretende desenvolver uma função corretiva e de dissuasão. A lembrança do sofrimento padecido deveria fazer com que o réu desistisse de repetir os seus comportamentos criminosos, enquanto o espetáculo social do sofrimento infligido a alguns membros do grupo deveria funcionar como uma força de dissuasão geral, induzindo a grande maioria da população ao respeito pelas regras coletivas que o grupo estabeleceu deliberadamente (ZOLO, 2002, p.27).

No mesmo sentido, defende Pavarini (2002, p.27) que na tentativa de justificar e racionalizar o sistema penal a partir dos argumentos ilustrados, a ideologia da defesa social reivindicou para si o mérito de ter liberado da punição as