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Educação e técnica penitenciária

GENEALOGIA DA DIMENSÃO MORAL DA EDUCAÇÃO NA PRISÃO

2.5 Educação e técnica penitenciária

O contexto histórico dos séculos XVII e XVIII europeus, que assistira em definitivo o monopólio do poder punitivo pelo Estado e a passagem da prisão- custódia para a prisão-pena, viria a presenciar também o nascimento da moderna pedagogia burguesa, com sua natureza fundamentalmente disciplinar e voltada para uma formação individualista, ou seja, para o desenvolvimento das valências pessoais. Também nessa época o Estado viria a substituir de vez a Igreja na tarefa de educar, daí o aparecimento gradual da escolas normais, de uma educação pública, laica e gratuita, da obrigatoriedade do ensino, e dos sistemas nacionais de educação (GADOTTI, 2008, p.90).

Com efeito, esclarece Foucault (1979, p.61) em sua Microfísica do Poder que a disciplina enquanto técnica de exercício de poder para “gerir os homens, controlar suas multiplicidades, utilizá-las ao máximo e majorar o efeito útil de seu trabalho e de sua atividade”, se instrumentalizou em diferentes espaços, a prisão, a fábrica, os quartéis e também as instituições escolares.

Explica o filósofo francês que para que se pudesse maximizar a utilidade e o controle dos indivíduos, as técnicas disciplinares teriam como alvo a singularidade dos indivíduos; por exemplo, até o século XVII os alunos ficavam amontoados nas salas de aula, e o professor chamava um a um para ensinar-lhes algo, já a partir do século XVIII, no ensino coletivo e simultâneo, os alunos passariam a ser distribuídos espacialmente, pois, “a disciplina é a análise do espaço, é a individualização pelo espaço, a classificação para a inserção de corpos num espaço individualizado (FOUCAULT, 1979, p.62). Nesse mesmo sentido, Johann Friedrich Herbart, filósofo e teórico da educação, defenderia que o objetivo da pedagogia é o desenvolvimento moral, o que somente seria alcançado mediante os interesses e as diferenças

individuais dos alunos (GADOTTI, 2008, p.91-92). Como se verá adiante, essa lógica de classificação para individualização da disciplina viria a se reproduzir também nas instituições prisionais.

Como representante dessa educação disciplinar, John Locke sustentaria, em

Pensamentos Sobre a Educação e Ensaio Acerca do Entendimento Humano, que

não haveria idéias inatas, de maneira que todo o conhecimento humano adviria da percepção dos sentidos ou da percepção do intelecto. Afirmaria o filósofo inglês que nossos juízos e idéias se formariam mediante o trabalho do intelecto sobre as experiências sensoriais, de maneira que esse processo seria desenvolvido mediante uma educação disciplinar das faculdades mentais. Para Locke, a educação teria três aspectos, físico, moral e intelectual, de maneira que o objetivo da educação seria o enrijecimento do corpo, a formação do caráter e a mutação do espírito (MONROE, 1978, p.237-239).

Os homens são bons ou maus, úteis ou inúteis, graças a sua educação. [...] ‘Um espírito são em um corpo são’ tal é a breve, mas completa definição da felicidade nesse mundo. O homem que possui essas duas vantagens nada mais tem a desejar. Aquele em que falta uma ou outra não teria nada a lucrar com outro homem. A felicidade ou infelicidade do homem é em grande parte a sua obra. Aquele cujo espírito não sabe se dirigir com sabedoria não saberá jamais o caminho direito; e aquele cujo corpo é fraco e débil, será incapaz de caminhar [...] Se o vigor do corpo consiste, sobretudo, em suportar a dor do esforço, da mesma forma o é a dor do espírito. O grande princípio, o fundamento de toda a virtude, e de todo o mérito, é que o homem seja capaz de se recusar a si mesmo a satisfação de seus próprios desejos, de contrariar suas próprias inclinações, e de seguir unicamente o caminho que a razão lhe indica como a melhor, ainda que seus apetites o inclinem para o outro lado (LOCKE, 1966, p. 27-53).

Johann Heinrich Pestalozzi, em Minhas Indagações Sobre a Marcha da

Natureza no Desenvolvimento da Espécie Humana, defenderia a educação como

meio para a regeneração social, sobretudo uma educação direcionada às massas, capaz de retirar do povo comum a ignorância, a imundície e a miséria, mediante o desenvolvimento mental, moral e físico dos indivíduos, tornando-os úteis à satisfação das necessidades da sociedade (MONROE, 1978, p.285).

Por sua vez, Kant (1999, p.444) em Sobre a Pedagogia, defenderia que “o homem não pode se tornar um verdadeiro homem senão pela educação”, pois somente a educação poderia livrar o homem de sua animalidade natural. Para que

isso ocorresse, ou seja, para que o homem pudesse atingir sua perfeição, a educação deveria ocupar-se da disciplina, da formação cultural e da moralização, pois somente assim se estabeleceriam no homem a consciência do dever e da civilidade. Nas palavras do filósofo alemão:

Na educação, o homem deve, portanto: 1. Ser disciplinado. Disciplinar quer dizer procurar impedir que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade. Portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria. 2. Tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. A cultura é a criação da habilidade e esta é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins que almejamos. [...] A educação deve também cuidar para que o homem se torne prudente, que ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e tenha influência. A essa espécie de cultura pertence aquela chamada propriamente de civilidade. [...] Deve, por fim, cuidar da moralização. Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda a sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um. [...] O homem pode ser ou treinado, disciplinado, instruído, mecanicamente, ou ser em verdade ilustrado. (KANT, 1999, p.450-451)

Os pensamentos ora apresentados denotam com clareza a concepção dualista a partir da qual a educação moderna burguesa era concebida. Com efeito, se a noção de liberdade civil e política tomada como estandarte das revoluções, por um lado, serviu de arma contra os postulados do antigo regime, por outro, a noção de liberdade econômica significou a sacralização do direito à propriedade e a possibilidade de acumulação de riqueza e exploração econômica, assim, também a igualdade abstratamente considerada nos textos e documentos não se refletia no plano material das relações socias.

Como explica Moacir Gadotti (2008, p.92), a igualdade social seria nociva, pois a uniformização dela decorrente era considerada como um desrespeito à individualidade, assim, se o discurso defendia uma educação laica, total, esclarecedora, política, harmonizada com os interesses gerais de toda a sociedade, na prática, alguns recebiam mais e melhor educação que outros.

Ministrou-se uma educação distinta para cada classe; para a pobreza, uma educação para o trabalho, essencialmente disciplinar, comprometida com o controle do tempo, dos corpos e das mentes nas massas, para que aceitassem passivos seu lugar social; para a classe dirigente, uma educação para governar, para planejar,

para construir a nova ideologia.

Paralelamente à formação da concepção burguesa de educação, e ao nascimento da prisão enquanto pena útil e justa, também nesse período emerge um complexo de normas destinadas a regular a execução das penas privativas de liberdade, que viria a ser conhecido como direito penitenciário, cujo objeto englobaria o tratamento penitenciário e o regime disciplinar. Isto posto, como ensina Augusto Thompson (2002, p.3), disciplina e tratamento são compreendidos como elementos de uma imbricação harmoniosa que levaria a prisão a alcançar seus fins pretendidos.

Em 1957, a Organização das Nações Unidas, através de seu Conselho Econômico e Social, viria a aprovar, com base em documento produzido no ano de 1955 no 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, com o objetivo de estabelecer princípios orientadores de uma “boa organização penitenciária e da prática relativa ao tratamento de prisioneiros”. Ao longo de toda a sua segunda parte, o documento estabeleceria os fundamentos da execução das penas privativas de liberdade a partir das necessidades de disciplina e tratamento:

57. A prisão e outras medidas cujo efeito é separar um delinqüente do mundo exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem do indivíduo o direito à auto-determinação, privando-o da sua liberdade. Logo, o sistema prisional não deverá, exceto por razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação. 58. O fim e a justificação de uma pena de prisão ou de qualquer medida privativa de liberdade é, em última instância, proteger a sociedade contra o crime. Este fim somente pode ser atingido se o tempo de prisão for aproveitado para assegurar, tanto quanto possível, que depois do seu regresso à sociedade o delinqüente não apenas queira respeitar a lei e se auto-sustentar, mas também que seja capaz de fazê-lo. 59. Para alcançar esse propósito, o sistema penitenciário deve empregar, tratando de aplicá-los conforme as necessidades do tratamento individual dos delinqüentes, todos os meios curativos, educativos, morais, espirituais e de outra natureza, e todas as formas de assistência de que pode dispor. [...] 65. O tratamento dos condenados a uma punição ou medida privativa de liberdade deve ter por objetivo, enquanto a duração da pena o permitir, inspirar-lhes a vontade de viver conforme a lei, manter-se com o produto do seu trabalho e criar neles a aptidão para fazê-lo. Tal tratamento estará direcionado a fomentar-lhes o respeito por si mesmos e a desenvolver seu senso de responsabilidade.

garantir a segurança e a convivência pacífica no espaço prisional (DONDERIS, 2001, p.249). Por outro lado, segundo Vicenta Cervelló Donderis (2001, p.179) o chamado tratamento penitenciário consiste no conjunto das atividades direcionadas à reeducação ou reinserção social do prisioneiro, que podem consistir em qualquer intervenção ou ajuda de natureza médica, psiquiátrica, psicológica, pedagógica, laboral ou social, e cuja finalidade precípua é dotar o prisioneiro de uma intenção e de uma capacidade de viver respeitando a lei e de suprir suas necessidades abstendo-se da prática de novos delitos quando de seu retorno à vida livre.

Explica a citada professora valenciana que essa concepção de tratamento penitenciário vem sendo objeto de críticas devido a sua pretensão de cura patológica do prisioneiro, no intento de modificar sua conduta delitiva, de maneira que nos últimos anos, a idéia de tratamento vem alcançando uma concepção mais social, na qual a pretensão ressocializadora se dirige à modificação das interrelações do prisioneiro através de sua formação, de acesso à cultura, ao esporte, à educação, ao trabalho e os contatos com o mundo exterior, contudo, mantendo sua característica mais fundamental, qual seja, a idéia de voluntariedade, pois o tratamento penitenciário deve sempre ser concebido como um direito e nunca como uma obrigação.

Ora, não obstante a emergência dos novos significados pretendidos para o chamado tratamento penitenciário, perceba-se que seu elemento estruturante permanece inalterado, qual seja, a idéia de voluntariedade, de maneira que a intervenção é pensada exclusivamente a partir da perspectiva individual, pessoal, remetendo assim ao pressuposto da modificação ou transformação ou ressocialização como resultado cuja responsabilidade recai unicamente sobre o sujeito privado da liberdade.

Explica Donderis (2001, p.182) que nos diferentes ordenamentos jurídicos, com pequenas variações, o êxito do tratamento penitenciário está submetido à obediência de seis princípios: o estudo da personalidade do interno, mediante o qual é possível analisar o seu temperamento, seu caráter, suas aptidões e suas motivações, e assim, conhecer completamente o prisioneiro e a partir daí orientar seu tratamento, estudo esse, que não necessariamente é realizado por uma equipe de profissionais específicos, ficando, por vezes, direta ou indiretamente, a cargo de todos os profissionais que convivem no espaço prisão, como guardas e direção; o diagnóstico da personalidade criminal do prisioneiro, que consiste no levantamento e

registro de dados referentes à atividade delitiva do sujeito, que possibilitem projetar os resultados do tratamento e a probabilidade de delinqüir; a individualização das intervenções, uma vez que o tratamento deve ser subjetivo e pessoal, orientado em função das características do prisioneiro, devendo-se, para tanto, proceder à classificação e separação, destinando cada um às atividades ou locais mais adequados; a complexidade das técnicas empregadas, pois que o sucesso do tratamento depende em parte da integração de vários métodos e atividades coordenadas; a programação das atividades, de modo que se elabore um plano geral em que se fixe e se proceda à graduação de cada técnica empregada; e finalmente, a continuidade e a dinâmica, pois a evolução do prisioneiro exige que o tratamento vá se ajustando às suas necessidades, evitando assim uma aplicação estática e inalterável durante todo o período de catividade.

Os referidos princípios viriam também a compor as Regras Mínimas para o

Tratamento de Prisioneiros da ONU:

7.1. Em todos os lugares em que haja pessoas detidas, deverá existir um livro oficial de registro, atualizado, contendo páginas numeradas, no qual serão anotados, relativamente a cada preso: a.A informação referente a sua identidade; b.As razões da sua detenção e a autoridade competente que a ordenou; c.O dia e a hora da sua entrada e da sua saída. [...] 8. As diferentes categorias de presos deverão ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes zonas de um mesmo estabelecimento prisional, levando-se em consideração seu sexo e idade, seus antecedentes, as razões da detenção e o tratamento que lhes deve ser aplicado. [...] 49.2.Os serviços dos assistentes sociais, dos professores e instrutores técnicos deverão ser mantidos permanentemente, sem que isto exclua os serviços de auxiliares a tempo parcial ou voluntários. [...]63. 1.Estes princípios exigem a individualização do tratamento que, por sua vez, requer um sistema flexível de classificação dos presos em grupos. Portanto, convém que os grupos sejam distribuidos em estabelecimentos distintos, onde cada um deles possa receber o tratamento necessário. [...] 66. 1.Para lograr tal fim, deverá se recorrer, em particular, à assistência religiosa, nos países em que ela seja possível, à instrução, à orientação e à formação profissionais, aos métodos de assistência social individual, ao assessoramento relativo ao emprego, ao desenvolvimento físico e à educação do caráter moral, em conformidade com as necessidades individuais de cada preso. Deverá ser levado em conta seu passado social e criminal, sua capacidade e aptidão físicas e mentais, suas disposições pessoais, a duração de sua condenação e as perspectivas depois da sua libertação.

Todo esse conjunto de técnicas constitutivas do tratamento penitenciário serviria então, como explica Foucault (2008, p.105-106) como singularização da

pena, “em sua duração, sua natureza, sua intensidade, na maneira como se desenrola”, de forma que a prisão adéqua-se ao caráter individual do prisioneiro, e somente a ele, o que leva a entender que a lógica penitenciária do tratamento em quase nada se distancia do modelo empregado nas antigas Rasphuis de Amsterdã, ou seja, o foco da repressão punitiva prisional, pelo menos em seu discurso oficial, continua sendo, exclusivamente, a transformação ou correção do indivíduo; se aprisiona para transformar, e os instrumentos utilizados para que se alcance essa transformação são os mais variados possíveis.

Em Castigo e Sociedade Moderna, David Garland (1999, p.22-37) esclarece que desde a criação das modernas penitenciárias, parece existir uma expectativa da comunidade de que um aparato técnico se encarregue da tarefa de castigar e disciplinar positivamente os delinquentes, assim, a lógica oficial da prisão é a lógica de uma instituição puramente instrumental, um meio técnico orientado a um fim específico e determinado, qual seja, o tratamento e a reabilitação. As penitenciárias são ao máximo, fechadas ao público, para que as operações que ali se desenvolvem possam se apresentar como neutras e técnicas, apegadas a uma postura mais administrativa do que moralista. Uma vez que ingressam nessas instituições, os sujeitos são tratados como objetos a serem administrados, assim, o conjunto penitenciário assume as feições de imparcial, racional, comprometido com o regime burocrático, jamais como uma instituição reformadora de cunho moral. As técnicas transmitiriam assim uma visão científica e profissional da prisão, escamoteando assim uma visão exclusivamente moralista do tratamento.

Tomada como técnica penitenciária, a educação na prisão passaria então a assumir dois significados distintos: o primeiro, para os discursos pessimistas, enquanto ritualística cujas contribuições serviriam essencialmente à função adestradora do cárcere, mantendo assim o prisioneiro numa relação de controle e interiorização dos valores da instituição total, contribuindo para o fenômeno da prisonização56, e alimentando a crença explicitada por Thompson (2002, p.11) de

56 Os indivíduos que ingressam na sociedade dos cativos (termo originalmente desenvolvido por

Gresham M. Sykes em The Society of Captives, de 1958) submetem-se, em maior ou menor grau, a um processo de assimilação (processo lento e gradual, mais ou menos inconsciente, pelo qual o indivíduo adquire a cultura de determinada unidade social, a ponto de se tornar característico dela) de nome particular prisonização, de modo a adquirirem a cultural geral da penitenciária. Explica Sá (2007, p.114) que, no cerne dos problemas inerentes à própria natureza da privação da liberdade está a questão da prisonização, cujo conceito fora proposto e desenvolvido por Donald Clemmer em 1980, e diz respeito ao processo inevitável de adoção dos hábitos da prisão, cujos efeitos, que

que a adaptação do prisioneiro à vida carcerária intramuros significaria um maior sucesso na readaptação do mesmo à vida livre; e o segundo, para os discursos mais otimistas, enquanto um algo humanizador dotado de uma tripla função, atenuar os possíveis efeitos nocivos do enclausuramento e da prisonização; proporcionar ao prisioneiro a tomada de consciência de sua situação e do contexto social no qual encontra-se inserido, aperfeiçoando-se enquanto ser humano, libertando-se, emancipando-se; e finalmente, desenvolver as habilidades e os conhecimentos do prisioneiro, de maneira a dotá-lo de uma melhor condição para escolher e conquistar melhores oportunidades quando posto em liberdade.

Note-se que, nas duas perspectivas, seja a mais otimista ou a mais negativista, a educação enquanto técnica penitenciária permanece orientada exclusivamente ao prisioneiro e à sua capacidade de mutação, resgatando assim todo o complexo de significados construídos historicamente a partir da idéia de autonomia da vontade humana, de responsabilidade moral do homem, e de educação disciplinar burguesa, excluindo, por conseguinte, o elemento sociedade/cultura de qualquer participação na ocorrência do fato criminoso ou nas reações dele decorrentes.

Como efeito, como explica Francisco Muñoz Conde (1985, p.95-96), na medida em que se pode considerar a própria sociedade como produtora e definidora do fenômeno da criminalidade, que sentido ainda resta quando se fala na transformação individual do prisioneiro numa sociedade que produz a delinqüência? Não se haveria antes de se mudar a própria sociedade? Como falar de ressocialização, readaptação, reintegração quando a sociedade para onde se quer ressocializar, readaptar e reintegrar não se revela como uma ordem social justa?

Aduz ainda o criminólogo que os objetivos res pressupõem um processo de interação e comunicação permanente entre indivíduo e sociedade que não pode ser determinando unilateralmente, nem pelo indivíduo, nem pela sociedade:

O indivíduo não pode, com efeito, determinar unilateralmente um processo de interação social, porque pela própria natureza de seus condicionamentos sociais está obrigado ao intercâmbio e a comunicação com seus semelhantes, ou seja, a convivência. Tampouco as normas sociais podem determinar unilateralmente o processo interativo sem contar com a vontade acarretam uma profunda desorganização da personalidade, contemplam a perda da identidade, o sentimento de inferioridade, o empobrecimento psíquico, a infantilização e a regressão.

do individuo afetado por esse processo, porque as normas sociais não são algo imutável e permanente, senão o resultado de uma correção de forças submetidas a influências múltiplas. Em outras palavras, ressocializar o delinqüente sem questionar ao mesmo tempo o conjunto social normativo a que se pretende incorporá-lo, significa pura e simplesmente aceitar como perfeita a ordem social vigente sem questionar nenhuma de suas estruturas, nem sequer aquelas mais relacionadas com o delito cometido (MUÑOZ CONDE, 1985, p.97).

Ocorre que, no Brasil, tanto na perspectiva da produção acadêmica atual, quanto na perspectiva da política nacional de educação em prisões, passando pela legislação orientadora de execução penal, tem predominado a perspectiva de uma educação em prisões pensada exclusivamente a partir de um determinismo individualista, caracterizando assim o que chamei de dimensão moral da educação na prisão, o que se apresentará nas linhas seguintes.

CAPÍTULO III

RACIONALIDADE PUNITIVA E DIMENSÃO MORAL DA