• Nenhum resultado encontrado

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O

PRESSUPOSTOS PARA UMA ANÁLISE DIMENSIONAL DA EDUCAÇÃO EM PRISÕES

24 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O

DESENVOLVIMENTO – PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2011. Disponível em <http://hdr.undp.org> Acesso em: 01 de janeiro de 2015.

25 Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, no ano de 2010

o volume de exportações de produtos relacionados a industria de baixa tecnologia atingiu o montante de 53.318 milhões de reais, e o de produtos não industriais chegou a marca de 73.565 milhões, o que correspondem respectivamente a 26,4% e 36,4% do quantitativo das exportações no período. Por outro lado, o volume de importações de produtos relacionados à industria de alta tecnologia alcançou a marca de 111.095 milhões, representando 61,2% do total das importações.

e de redução da desigualdade, além de acarretar a concentração do crédito em grandes empresas – as quais dispõem de maior acesso aos empréstimos das instituições estatais, contribuindo assim para estagnar o gasto público.

Por sua vez, a melhoria das condições do mercado de trabalho não levou a superação da precariedade que o caracteriza, pois cerca de 35% da força de trabalho ainda se encontra fora do sistema previdenciário27. Tem-se ainda que a

concentração da renda não se alterou de forma expressiva, porque os juros altos, a concentração dos ocupados com baixos salários e a extensão dos empregos informais obstaculizam uma mudança estrutural no patamar da desigualdade entre capital e trabalho.

Assim, se por um lado os primeiros anos do novo século revelaram no Brasil uma importante ofensiva em termos de expansão de políticas sociais, estas continuam a se caracterizar pela baixa institucionalidade e precária universalidade.

Na saúde pública, o aporte de recursos na primeira década foi inferior à média mundial de 14,3% dos orçamentos, sendo que, dos recursos destinados à área, 56% ainda são provenientes dos cidadãos e não dos serviços do Estado. Segundo dados do IBGE, entre os anos de 1998 e 2008, 50 milhões de pessoas recorreram à saúde privada, sendo que destes, 82,5% possuíam renda maior que 5 salários mínimos, de maneira que a população de menor renda padece diante dos problemas de qualidade do SUS. Nesse sentido, o Índice de Desempenho do SUS, criado em 2012 pelo Ministério da Saúde e que avalia a eficiência na prestação dos serviços a partir de 24 indicadores, numa escala de 0 a 10, revelou que a média nacional gira em torno de 5,4 pontos, sobretudo em decorrência da dificuldade de acesso nos hospitais e atendimentos de caráter complexo28.

Já o problema urbano manifesta-se em toda a sua complexidade, quando se avalia a insuficiência das políticas de habitação, especialmente nas grandes metrópoles.

As condições de habitabilidade urbana mostram-se especialmente precárias nas áreas periféricas destes espaços territoriais, que hoje concentram parcela expressiva da população brasileira abaixo da linha de pobreza. A demanda

27 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Mercado de trabalho: conjuntura e análise. 2012.

Disponível em www.ipea.gov.br

habitacional urbana cresceu 10,7% de 2001 a 2009, sendo que o déficit habitacional em 2012 girava em torno de 8 milhões de moradias, de maneira que 11 milhões de pessoas (6% da população nacional) são moradores de favelas29.

Por outro lado, como destaca Barbosa (2011, p.18), o sistema educacional tem sido caracterizado pela baixa eficácia e pela incapacidade de expandir a cidadania. A expansão do acesso à educação e a elevação do gasto público tem ocorrido, mas sem uma melhoria expressiva da qualidade de ensino30. O número de

creches ainda encontra-se muito aquém das necessidades, e o ensino fundamental, em termos de qualidade, situa-se abaixo do mínimo necessário para uma sociedade mais equitativa.

Por isso, o gargalo das questões sociais no país se situa em torno das relações entre o tripé educação, mercado de trabalho e violência urbana/sistema de justiça criminal, daí que a tese proposta por Rusche e Kirccheimer instiga reflexões no contexto atual de desenvolvimento brasileiro, já que as dificuldades de acesso e qualidade na educação pública fazem com que os postos de trabalho gerados pelo crescimento da economia e que exigem maior capacitação técnica não sejam ocupados pela camada mais pobre da população, criando uma massa de vulnerabilidade que alimenta o ciclo da criminalidade e o sistema de punição.

Nesse sentido, enquanto o Brasil ocupa atualmente a 2ª posição dentre as nações com maiores dificuldades para encontrar profissionais qualificados, de maneira que, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, essa falta de mão de obra especializada gerou no primeiro trimestre de 2012 um aumento de 33% nos vistos profissionais concedidos a estrangeiros31, o percentual de pessoas sem

instrução no país, ou apenas com o ensino fundamental incompleto entre os anos de 2000 a 2010 foi de 50,2%32. Em contrapartida, a taxa de desemprego entre os

29 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Censo Demográfico 2010.

30 Segundo dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, numa escala que vai de 0 a

10, nos anos iniciais do ensino fundamental a média foi de 4.7 dentre as escolas públicas e 6.5 dentre as escolas privadas; nos anos finais do ensino fundamental a diferença entre a qualidade da educação nas escolas públicas e privadas se repetem, sendo que as primeiras obtiveram média de 3.9 contra média 6.0 das segundas. No ensino médio, 3.4 para as escolas públicas e 5.7 para as escolas privadas. Disponível em www.inep.gov.br.

31 Disponível em http://portal.mte.gov.br/portal-mte/

jovens de 18 a 24 anos chegou ao patamar de 14,5% em 2012, sendo que a taxa de homicídios entre estes cresceu 11.1% na última década33.

Para que se proceda ao estudo das interfaces entre modelo de desenvolvimento e sistema de punição no Brasil, faz-se necessário relembrar os pontos centrais da tese de Rusche e Kirchheimer, quais sejam: primeiro, há uma nítida relação entre o quantitativo de mão de obra disponível no mercado e o número de pessoas encarceradas e criminalizadas; segundo, pela chamada lei da menor elegibilidade (less eligibility) o excesso de mão de obra disponível acarreta uma piora nas condições de vida extra cárcere impulsionando um sistema penal mais rigoroso, pois a vida intramuros deve ser pior que a vida livre; e terceiro, as necessidades do sistema de produção quanto ao mercado de trabalho servem como padrão de tratamento e disciplina carcerária.

Portanto, a primeira pergunta a ser respondida é se há, no atual contexto de desenvolvimento brasileiro, escassez de empregos, excesso de mão de obra e recrudescimento da população carcerária.

Segundo dados do IBGE, relativos à Pesquisa Mensal de Emprego 2012, no primeiro trimestre do ano a população em idade ativa no Brasil (com dez anos ou mais de idade) chegou a 42,5 milhões de pessoas, o que corresponde a aproximadamente 21% da população nacional; a chamada população economicamente ativa, que considera os contingentes de ocupados e desocupados foi de 24,2 milhões de pessoas (12% da população nacional), sendo que o quantitativo de desocupados foi de 1,2 milhões de pessoas (4,7% da população economicamente ativa). Por outro lado, o nível de informalidade da população ocupada (cerca de 23 milhões de pessoas), chegou a marca de 34,1%, o que representa aproximadamente 8 milhões de pessoas sem carteira assinada.

Embora de 2003 a 2011 o boom na economia brasileira tenha sido responsável pela criação de aproximadamente 17 milhões de postos formais de emprego, os dados acima revelam que um número significativo da população, cerca de 10 milhões de pessoas, mantém-se numa situação de desemprego ou empregabilidade precária. Tal situação pode ser analisada em suas implicações no número de brasileiros que atualmente se encontram nas classes D e E, aproximadamente 73,4 milhões de pessoas (37% da população total).

Paralelamente, na primeira década do novo século o país vivenciou uma explosão nas taxas de encarceramento, de maneira que, ao final do ano 2000, eram 232.755 aprisionados, sendo que, no ano de 2011 esse número saltou para 514.582, o que representa um acréscimo de aproximadamente 280 mil pessoas, ou 110% de elevação. Outro dado a ser considerado é o número aproximado de 500 mil mandados de prisão em aberto no país, o que revela uma tendência de massificação da pena privativa de liberdade nos últimos anos34.

Verifica-se ainda que, analisando o perfil dos indivíduos presos, tem-se que aproximadamente 60% da população prisional é analfabeta ou possui apenas o ensino fundamental incompleto, sendo que 71% dela encontra-se detida em decorrência do cometimento de crimes contra o patrimônio ou envolvimento com tráfico de drogas35, situações estas que, segundo a Organização das Nações

Unidas36, são determinantes (baixa escolaridade) e determinadas (crimes

patrimoniais e de tráfico) por um considerável desequilíbrio nas relações socioeconômicas do país.

Com efeito, na literatura internacional que analisa as políticas penais nos últimos anos a constatação é de que o encarceramento em massa presente nesse período em diversos países no mundo é uma decorrência do abandono gradual do chamado penal welfarism, tal como sugerem Wacquant (2001), Garland (2008) e Young (2002), pelo qual o Estado social e econômico cede cada vez mais espaço a um Estado penal e penitenciário, inferindo-se daí a relação mercado de trabalho/aumento do encarceramento proposta por Rusche e Kirchheimer e visível no contexto de desenvolvimento Brasileiro.

A segunda questão a ser respondida é se, no Brasil do século XXI, as dificuldades sociais para a manutenção de uma vida digna foram refletidas na adoção de tratamentos penais exagerados, numa lógica de less eligibility.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Social Aplicada - IPEA, o Brasil encontra-se no grupo de 20 países que alcançaram na última década um

34 Disponível em www.mj.gov.br

35 Dados do Sistema de Informações Penitenciária – INFOPEN do Ministério da Justiça

36 UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. WORLD DRUG REPORT 2012. Disponível

em <http://www.unodc.org/southerncone/pt/drogas/relatorio-mundial-sobre-drogas.html> Acesso em: 10 de abril de 2015.

gasto social médio de US$ 1.000,00 dólares por habitante, por outro lado, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, nos presídios federais, o país gasta para cada preso, em média 40 mil reais por ano (4,8 mil por mês), e 21 mil nos presídios estaduais (1,2 mil por mês)37.

De fato, se o aporte de recursos federais na melhoria das questões sociais não fora suficiente para atender a totalidade da população, cuja parcela ainda convive em situações de vulnerabilidade, na mesma direção, os gastos com o sistema prisional não foram direcionados, em sua maioria, para a melhoria das condições de tratamento carcerário, uma vez que quase a totalidade dos recursos provenientes do FUNPEN – Fundo Penitenciário Nacional fora utilizada, entre os anos de 2000 a 2011, para a construção, reforma ou aparelhamento de penitenciárias38.

Não se pode deixar de considerar ainda que, foi na primeira década deste século que algumas medidas que caracterizam a hipertrofia prisional foram tomadas no país, a exemplo da criação do Sistema Penitenciário Federal e penitenciárias de segurança máxima federais a partir do ano de 2006, a criação do Regime Disciplinar Diferenciado através da Lei 10.792 no ano de 2003, e a inclusão de novos tipos penais na categoria de crimes hediondos no ano de 2009.

Outro fator que se pode agregar à discussão diz respeito ao papel da mídia na espetacularização da violência e a consequente disseminação de uma cultura do medo, conforme ensina Malaquias (2008), e nesse sentido, dados do Sistema de Indicadores de Percepção Social 2012 do IPEA, relativos a segurança pública, evidenciam que 62% da população brasileira afirmam terem medo de ser vitima de assalto a mão armada ou homicídio, situação essa que impulsiona a pressão coletiva pelo rigor nas punições.

No mais, segundo Salla e Ballesteros (2008, p.1),pode-se afirmar que dois outros fatores influenciam negativamente as práticas punitivas no Brasil, primeiramente, uma pesada herança dos governos autoritários do regime militar – que se utilizavam de uma repressão excessiva sob o argumento de manutenção da paz social e de promoção do crescimento nacional que de certa forma permanecem presentes na construção de uma noção de segurança pública para garantia da

37 Disponível em www.mj.gov.br

ordem – e em segundo lugar, o perfil do Estado que se mantém atrelado a tradição neoliberal, que se por um lado implica em tendências favoráveis às democracias, por outro, fez surgir uma concepção de segurança a qualquer custo que se estende por todos os campos de atividades e direciona as ações para a redução dos riscos, e que na área da segurança pública, se converte num controle social mais rígido a partir de políticas penais mais severas.

Assim, o modelo de desenvolvimento brasileiro, atrelado a matriz neoliberal, estabelece novas equações entre a privação da liberdade e a liberdade em geral, de maneira que as concepções de liberdade deixam de estar vinculadas a uma noção de solidariedade social e se associam às noções de individualismo e realização pessoal em detrimento do outro (YOUNG, 2002, p.55), o que justifica o princípio da

less eligibility proposto por Rusche e Kirchheimer, afinal, se não temos a realização

plena de nossa liberdade pessoal, por que a teriam os encarcerados?

Finalmente, a terceira questão a ser tratada diz respeito aos impactos das exigências no mercado de trabalho no padrão de tratamento prisional.

Ao explicar o surgimento da prisão como expressão da sociedade disciplinar, é clássico o argumento de Foucault (2008, p.200) ao evidenciar que o trabalho e a educação para o trabalho se constituiriam como técnicas penitenciárias de transformação do delinquente, no sentido de incutir no indivíduo os valores básicos de uma sociedade capitalista, para a qual o trabalho e o salário seriam formas morais para a condição de existência.

De certa maneira, no atual contexto de desenvolvimento brasileiro, as políticas penais ainda não abandonaram a ideologia da defesa social que sustenta a prisão como instituição para a transformação de pessoas, na medida em que se insiste na quantidade de horas trabalhadas ou horas estudadas – e não na qualidade do trabalho ou avanço em termos de ciclos de estudo – como parâmetro para a modulação da pena, leia-se, progressão de pena mediante remição. Como exemplo, cite-se a alteração legislativa recente na Lei de Execuções Penais trazida pela lei 12.433, no ano de 2011, que estabeleceu novos critérios para a concessão de remição pelo estudo, e a Resolução nº. 276/2012 do Departamento Penitenciário Nacional que institui projeto de remição pela leitura nas penitenciárias federais.

Por outro lado, a ênfase dada ao ensino técnico e tecnológico no Brasil dos últimos anos se reproduz no âmbito prisional, de maneira que, em detrimento de uma formação educacional de base, a oferta de educação para os privados de

liberdade é, em sua maioria, de cursos profissionalizantes de curta duração (marcenaria, eletricidade, auxiliar de pedreiro, embelezamento feminino, fabricação de doces e salgados), tal como recente parceria firmada entre o Conselho Nacional de Justiça e o Sistema S no âmbito do Programa Começar de Novo, que quase na totalidade das vezes não leva em conta a formação anterior ou aptidões do público alvo, fazendo com o que o máximo de integração social que se consiga na prisão seja, como sugeriu Perrot (2001, p.236), devolver o indivíduo à sociedade num nível social baixíssimo, que já lhe era próprio, diminuindo assim as chances da não reincidência39.

39 Segundo dados do Ministério da Justiça dos 109.404 presos que no ano de 2012 participavam de

alguma atividade laborativa dentro ou fora da prisão, cerca de 61000 trabalhavam em serviços de apoio ao estabelecimento prisional, artesanato, agricultura ou serviços técnicos de natureza industrial.

CAPÍTULO II

GENEALOGIA DA DIMENSÃO MORAL DA EDUCAÇÃO NA