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Dimensões da educação em prisões

PRESSUPOSTOS PARA UMA ANÁLISE DIMENSIONAL DA EDUCAÇÃO EM PRISÕES

1.3 Dimensões da educação em prisões

Tomando a educação em prisões para análise, defendo que a noção de totalidade corresponde a pelo menos duas dimensões verificáveis, a primeira, dominante na história, e cuja percepção se opera de maneira natural, superficial, formal, automática, a que chamo dimensão moral; e a segunda, cuja percepção será desenvolvida ao longo destas páginas, e que depende de uma atitude reflexiva, critica, dialética, material – inacessível aos detentores de consciência ingênua – a que chamo de dimensão cultural.

As dimensões moral e cultural compõem, portanto, a necessária simbiose para o entendimento total da educação em prisões, sendo que a segunda tende a se apresentar, pelo menos aos olhos menos atentos, como uma oposição à primeira. Porém, conquanto assuma uma roupagem crítica, a dimensão cultural não se trata de oposição, mas de correlação, de complementação, de diálogo, necessário para a ressignificação da educação em prisões nestes tempos de questionamento das narrativas tradicionais.

Mas em linhas gerais, o que vem ser cada uma dessas dimensões?

A dimensão moral da educação na prisão pode ser entendida como aquela que se formou a partir de um processo histórico de aperfeiçoamento e entrelaçamento das noções de autonomia da vontade humana, culpa ou responsabilização individual, e capacidade corretiva atribuída à punição, o qual alcança seu apogeu na modernidade, sob a influência de filosofias penais de inspiração iluminista e positivista, e que Danilo Zolo (2002, p.25) chamou de “paradigma utilitarista da defesa social e da ressocialização (ou reeducação) do culpado”.

Pensada a partir dessa perspectiva utilitária, a educação em prisões assume e se esgota num caráter instrumental para a transformação qualitativa do indivíduo aprisionado, de maneira que a autonomia moral dos homens (daí porque dimensão

moral) conduziria à sua responsabilização penal individual, e consequentemente à

possibilidade de uma intervenção positiva (mediante a oferta de escolarização e outras técnicas) capaz de “modificá-lo” para posterior reingresso ao convívio em liberdade.

Perceba-se que o foco, na dimensão moral da educação na prisão, recai isoladamente sobre o indivíduo e sobre sua capacidade de aperfeiçoamento moral através da educação, tomada como condição sine qua non para sua aceitação no convívio social. Há claramente um pressuposto sociológico do crime como produto exclusivo da vontade humana, e da reinserção social como condição exclusivamente dependente, também da vontade humana.

Nessa perspectiva moral, a educação na prisão é avaliada, ou melhor dizendo, quantificada, a partir da amplitude com a qual alcança os indivíduos aprisionados, assim, registram-se número de prisioneiros atendidos pelas atividades de escolarização, número de prisioneiros atendidos pelas atividades de escolarização que não reincidiram no crime quando do retorno à liberdade, quantidade de material didático disponível e acessível aos prisioneiros, número de estabelecimentos prisionais que contam com espaços de escolarização, etc.

Na expressão dimensão moral da educação na prisão, a idéia de moral deve ser compreendida como o conjunto de costumes e juízos de um indivíduo, ou seja, o conjunto de julgamentos da conduta humana em termos de bem e mal, de justo ou injusto (SANTOS, 1995, p.143).

A dimensão moral da educação na prisão teria então, como fundamento, os seguintes pressupostos: 1) as ações humanas são determinadas exclusivamente pela vontade; 2) o homem se organiza socialmente e politicamente de maneira voluntária e compartilha com o grupo dos mesmos valores; 3) o desvio social é ontologicamente prejudicial à sociedade em seu conjunto, pois contrário aos valores comuns; 4) o desviante é um homem diferente que não apreendeu os valores sociais ou é incapaz de apreendê-los; 5) a punição é a justa retribuição pelo desvio e o Estado é o único ente capaz de punir legitimamente; 6) punir é a maneira mais útil de defender a sociedade, em detrimento de outras formas, como o perdão ou a convenção; 7) aprisionar é a melhor forma de punir; 8) a prisão se torna mais útil na medida em que consegue ensinar valores ao prisioneiro; 9) os valores sociais podem e devem ser apreendidos mediante a educação e sua ritualística dentro da prisão; 10) aprender os valores pela educação e se modificar é condição para que o

prisioneiro possa ser aceito novamente ao convívio livre, embora não se possa precisar quando essa modificação com efeito ocorre; 12) a educação interna da prisão é capaz de preparar para a vida externa da sociedade; 13) a reinserção na sociedade é responsabilidade individual, pois a sociedade está sempre apta a receber o prisioneiro transformado; 14) se estiver apto, o prisioneiro deve se reinserir e contentar-se com o lugar social que já lhe era pertinente antes do aprisionamento, devendo sujeitar-se às mesmas circunstâncias que o levaram a delinqüir.

Por outro lado, entendo como dimensão cultural a conjugação de idéias de natureza teórico/política, justificadoras de uma educação em prisões orientada para além da perspectiva individualista. Aqui, há o deslocamento do foco, que sai da voluntariedade individual no cometimento do crime e na reintegração à sociedade, para a responsabilização social (coletiva), tanto pelo crime quanto pelas condições criminógenas.

Nessa abordagem cultural, a criminalidade não pode ser vista como uma qualidade, objetivamente considerada, de determinados comportamentos e indivíduos; como resultado exclusivo da vontade individual, mas se revela primeiro, a partir da seleção dos bens protegidos penalmente, dos comportamentos ofensivos relativos a esses bens, e dos indivíduos estigmatizados, numa distribuição negativa e desigual conforme os diferentes interesses presentes no sistema sócio-econômico. Assim sendo, a educação pensada a partir de sua dimensão cultural, não se esgota na busca pela transformação moral do indivíduo, mas busca a transformação do contexto social no qual o indivíduo fora inserido ou reinserido. A educação somente poderá assumir alguma contribuição para o homem privado da liberdade, se assumir prioritariamente alguma contribuição para o contexto, o que somente é possível se não fizer parte da lógica de transformação dos indivíduos, mas sim da transformação da realidade que os oprime.

Com efeito, como já fora dito nas linhas preliminares deste tópico, a dimensão

cultural e a dimensão moral da educação na prisão apresentam-se numa relação

dialética, mas não excludente, de maneira que, a dimensão cultural surge da constatação de que o aperfeiçoamento individual do homem pela educação é válido e útil, mas não pode ser encarado como suficiente para a idéia de integração social do prisioneiro, porque esta, não depende apenas dele, mas do aperfeiçoamento do contexto que o envolve.

O termo cultura, integrante da expressão dimensão cultural da educação em

prisões, é compreendido aqui como a soma total das criações humanas, o resultado

organizado da experiência grupal; as atividades dos homens dirigidas para a realização de seus valores (SANTOS, 1995, p.50).

Enquanto numa perspectiva moral o desafio que se apresenta à educação em prisões é Como a educação pode contribuir para que o prisioneiro reaprenda os

valores sociais e retorne ao convívio?, numa perspectiva cultural a pergunta é Como a educação pode contribuir para a transformação da sociedade como um todo no sentido da formação de um novo ethos12 em face das questões do crime e da

violência?.

Notadamente, a avaliação da educação em prisões a partir da dimensão cultural dispensa as quantificações relativas ao indivíduo, e passa a ocupar-se das quantificações relativas à sociedade enquanto tal, como por exemplo, o número de atores prisionais, internos e externos, envolvidos na educação em prisões (prisioneiros e seus familiares, guardas penitenciários, estudantes, entidades privadas, comunidade em geral), o número de cursos com a temática prisional oferecidos nos diferentes níveis de ensino na rede regular, a qualidade dos cursos de formação policial e penitenciária, o número de projetos de integração prisão/comunidade, a educação em/para direitos humanos, o número de pesquisas realizadas sobre a temática prisional com e sem participação do poder público, etc.

A dimensão cultural da educação em prisões teria então, como pressupostos: 1) o desvio não resulta de um ato livre de vontade, mas de um conjunto de forças contextuais, externas ao controle do criminoso; 2) os homens não se organizam harmonicamente em sociedade, mas pela imposição dos valores de uma minoria em desfavor de uma minoria; 3) punir mediante aprisionamento não é a forma mais útil de defender a sociedade; 4) a educação desenvolvida no interior dos estabelecimentos prisionais se constitui como mais uma estratégia de neutralização; 5) a transformação moral individual do prisioneiro não é suficiente para sua aceitação social; 6) a única utilidade possível à educação em prisões somente pode ser visualizada na medida em que esta seja orientada para fora, no sentido da educação e transformação da cultura e do ethos social em relação às questões penais.

Como se percebe, trata-se, portanto, de um modelo ou alternativa holística de educação em prisões, que tenta, tal como ensinou Vera Malaguti Batista (2013, p.21), romper com a repetição infinita do senso comum punitivo abandonando e deslegitimando as “ideologias ‘re’ (reeducação, recuperação, ressocialização), num sentido que se distancia da transformação dos indivíduos e que se aproxima da transformação da cultura, dos costumes em torno da questão penal.

Nas suas Teses sobre Feuerbach (1977, p.118-119), Marx afirmou que:

A idéia de que os homens são produto das circunstâncias e da educação, e que portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado...A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser aprendida e racionalmente compreendida como prática transformadora.

Aos olhos da dimensão cultural da educação em prisões, a referida passagem pode ser compreendida no sentido de que o criminoso não é um homem modificado na perspectiva de sua moral individual; as circunstâncias e os processos de criminalização (educação modificada) que o levaram à sua condição não estão desconectados da realidade social como um todo; com efeito, é a própria sociedade que o fez homem modificado, de maneira que caberia então à educação em prisões esse papel de prática transformadora da realidade na tarefa de (re) educar o próprio educador (sociedade).

De fato, creio que a abordagem empregada aqui é predominantemente de natureza sociológica13, pois a educação em prisões não é captada enquanto técnica

(ensino-aprendizagem), mas é captada enquanto fenômeno ou fato social, entendendo fato social como tudo aquilo que é suscetível de exercer uma coerção exterior sobre o indivíduo (FERREIRA, 1977, p.115).

Contudo, a fórmula ensino-aprendizagem na educação em prisões, afeta aos estudos de inclinação pedagógica – e que corresponde a massa acadêmica

13 Do latim socius (companheiro, associado, camarada) e socio (reunir, unir, partilhar, ter em comum)

e do grego logos (razão ou discurso), a sociologia é a ciência da vida social, é o estudo da convivência humana, da interação social dos seres, das condições e circunstâncias das relações humanas, é o estudo dos processos pelos quais os indivíduos se combinam em grupos sociais, é a ciência das instituições sociais (SANTOS, 1995, p.181). Sociologia é o estudo da vida social humana, dos grupos e da sociedade (GIDDENS, 2005, p.24).

produzida no âmbito das universidades brasileiras nestes primeiros anos do século XXI – embora não figure num primeiro plano como objeto desta pesquisa, dele é indissociável, devido às exigências de interdisciplinaridade que as análises de totalidade demandam.

No mais, os processos de ensino-aprendizagem, tais como os que se relacionam com a didática do ensino, as metodologias, os conteúdos, as avaliações e os materiais didáticos, integram a dimensão moral da educação na prisão na medida em que guardam relação próxima com o aperfeiçoamento individual humano, e assim, por sua vez, tais elementos integram a totalidade dialética da educação em prisões.

Conforme ensina Rodrigues (2011, p.9), estudar a educação a partir da perspectiva da sociologia é entender que “se a pedagogia é o fundamento das práticas educacionais, as crenças, os valores, e as normas sociais são os fundamentos da pedagogia”.

Pensar ou estudar sociologicamente significa cultivar a imaginação, ou seja, libertar-se da imediatidade das circunstâncias pessoais e apresentar as coisas num sentido mais amplo; abordar sociologicamente determinado objeto é pensar para além das rotinas cotidianas, é pensar de modo renovado (GIDDENS, 2005, p.24).

Mais que sociológica, a discussão aqui empregada é criminológica.

A abordagem sociológica do crime é globalizante do conhecimento, e preocupa-se em explicar as causas individuais e sociais dos crimes, problematizar a ordem social, compreender as implicações político-criminais, e compreender associações entre teoria e prática em torno de questões como reinserção social e prevenção da violência (MACHADO, 2008, p.33).

Antonio García-Pablos de Molina, em seu Tratado de Criminologia (2003, p.47), explica que a criminologia é uma ciência interdisciplinar que tem como objeto o crime, o delinqüente, a vítima e o controle social, contemplando o crime como um fenômeno individual e social, bem como todas as formas e estratégias de reação ao mesmo. Possui então a criminologia, uma pluralidade de fins e metas, relacionados com os diversos momentos, âmbitos e perspectivas do fenômeno criminal. A interdisciplinaridade da criminologia é hoje um princípio metodológico imprescindível, tanto do ponto de vista com conceitual quanto operacional, pois, os estudos criminológicos exigem uma pluralidade de enfoques, e cada um destes enfoques contribui para um diagnóstico global e totalizador do fenômeno criminal.

A trans, pluri ou interdisciplinaridade da criminologia conduz necessariamente às exigências de se considerar qualquer objeto estudado como resultado do maior número de variáveis possíveis, a partir de um complexo integrado de saberes e disciplinas que discorram sobre a questão penal, assim, fazer criminologia é recorrer invariavelmente ao direito, à história, à filosofia, à pedagogia, à política (ANITUA, 2008, p.19), de maneira que é imperioso reconhecer, portanto, a educação em prisões como objeto dos estudos criminológicos.

Considerando as dimensões moral e cultural que compõe a totalidade do objeto educação em prisões, é reforçado o caráter criminológico do presente estudo, uma vez que, conforme ensina Manzanera (1981, p. 29), a criminologia é uma ciência natural, na medida em que estuda o fenômeno criminal como decorrente da vontade individual e biológica, e cultural, pelo que estuda o crime enquanto produto social, já que todo crime se dá dentro de determinado contexto.

Mas a criminologia que se presta à dimensão cultural da educação em prisões não é qualquer criminologia senão a criminologia crítica.

O termo criminologia crítica vem sendo utilizado desde a década de 1970 para agrupar o conjunto de pensamentos sobre a questão criminal que se opusera à criminologia tradicional, e que sofreu influências distintas, desde o interacionismo simbólico da Escola de Chicago, do funcionalismo de Durkheim, da fenomenologia de Peter Berger e Thomas Luckmann, chegando ao Labeling Approach e suas investigações acerca da criminalização, da rotulação oficial e da seletividade do sistema penal, e alcançando os estudos de Laurie Taylor e Stanley Cohen no interior da National Deviance Conference, no final dos anos sessenta14.

Não obstante, há de se destacar as contribuições do marxismo para a formação dessa nova criminologia, pois que fora ele o responsável por agregar às correntes sociológicas o caráter político/econômico das questões penais, ao defender que a estrutura do sistema produtivo determina a estrutura geral da sociedade – e também o sistema penal – anulando, por conseguinte, a aparente neutralidade do sistema de atribuição dos valores sociais, que justificam as práticas punitivas.

Com efeito, qualquer grupo social impõe punições contra aqueles que violam suas regras, regras estas, criadas a partir de valores sociais entendidos como indispensáveis à sobrevivência e estabilidade da sociedade que os definiu. Porém, não é fácil discernir que, numa sociedade capitalista, baseada na alienação do trabalho, na propriedade privada e na diferenciação de classes, estes valores sejam verdadeiramente expressão dos desejos de todos os grupos sociais que a compõem, mas ao contrário, tratar-se-ia, na realidade, de estratégias utilizadas pela classe dominante – detentora dos meios de produção – como meio de controle social da classe que detém apenas sua capacidade de trabalho, numa relação de exploração econômica e dominação ideológica15 que visa, em última instância, a

manutenção do sistema.

Há na história dos pensamentos criminológicos duas grandes visões justificadoras dos delitos e do controle social, a primeira, de natureza consensual e

conservadorista, e a segunda, de natureza crítica e conflitiva.

A visão consensual sustenta que a sociedade é um sistema complexo cujas diversas partes trabalham conjuntamente para produzir estabilidade e solidariedade. Haveria assim um consenso para se manter a ordem social. Já a visão crítica enfatiza as divisões da sociedade a partir de questões como o poder, as lutas e a desigualdade. A sociedade seria então composta por interesses separados e o conflito seria sempre presente, de maneira a haver sempre grupos dominantes e grupos dominados (GIDDENS, 2005, p.35).

O modelo consensual, herdeiro do funcionalismo de Durkheim, condensa teóricos e teorias a partir do entendimento de que a finalidade da sociedade é atingida quando suas instituições funcionam harmonicamente de forma que os indivíduos compartilhem voluntariamente dos valores sociais. Tem como base a coesão da sociedade a partir da cooperação geral e voluntária. Nestes termos, o modelo do consenso entende que as normas criminais são a expressão dos valores comuns a todos os membros da sociedade, de maneira que o crime resulta em sua recusa ou na não interiorização daqueles valores, sujeito, pois, a uma reação coletiva negativa e legítima que funciona em última instância como reforço dos laços sociais (MACHADO, 2008, p.64).

15 Numa simplificação teórica drástica, a função da ideologia no sistema de produção capitalista seria

a de criar uma ilusão em torno do estado de coisas por ele criado, tornando-o natural, justo, legítimo e inevitável.

Por outro lado, para o modelo do conflito a coesão e a ordem social são fundamentadas na força e na coerção, na dominação de uns e na sujeição de outros, assim, o modelo do conflito analisa o crime a partir das relações de poder que lhe são subjacentes, e que opõem classes sociais que ocupam posições econômicas e ideológicas diferenciadas. Essa perspectiva privilegia a relação entre os modelos institucionais e a distribuição diferencial da criminalidade, problematizando inclusive os processos de produção das leis penais e sua diferenciação na medida em que se orientam para destinatários que ocupam lugares distintos na ordem econômica, política e social (MACHADO, 2008, p.65).

Sérgio Salomão Shecaira (2012, p.282-283) esclarece que os alicerces desta linha de pensamento criminológico se materializam na crítica às posturas das criminologias tradicionais do consenso, pois que estas últimas seriam incapazes de compreender o fenômeno criminal em sua totalidade. Explica que a premissa do pensamento crítico está ancorada na teoria marxista, pois sustenta que há uma relação de dependência entre o delito enquanto fenômeno social e o modo de produção capitalista. Todo o sistema de controle social seria, aos olhos da criminologia crítica, uma estrutura superficial e dependente do sistema de produção tomado enquanto estrutura essencial. Nessa perspectiva crítica, o crime não pode ser considerado como um fenômeno individual, pois o homem não possui livre arbítrio, já que tem sua vontade submetida à base político/econômica da sociedade.

Conforme explica Juarez Cirino dos Santos (2005, p.2), o objeto de estudo da criminologia numa perspectiva crítica é a criminalização, não como realidade estática, mas como realidade construída, mostrando o crime como “qualidade

atribuída a comportamentos ou pessoas pelo sistema de justiça criminal, que

constitui a criminalidade por processos seletivos fundados em estereótipos, preconceitos e outras idiossincrasias pessoais”, sendo que seu método de investigação por excelência é o dialético, pois insere a construção social do crime e da criminalidade no contexto da contradição capital/trabalho que define as instituições básicas das sociedades capitalistas.

Como ensina CARVALHO (2013, p.280), para além da crise de paradigma das ciências, a atualidade, a pertinência e a validade da perspectiva criminológica crítica se revela na observação de alguns fenômenos concretos da contemporaneidade, em especial, considerando a realidade contextual brasileira, quais sejam: o recrudescimento do punitivismo, consubstanciado, por exemplo, nos debates acerca

da redução da idade mínima para efeitos de imputação penal; as tendências político- criminais de conversão do pensamento criminológico crítico em ações na área da segurança pública, tal como os programas de penas alternativas; e finalmente, a sensação de insegurança urbana que perpassa as diferentes camadas populacionais e diagnostica um aparente fracasso das instituições oficiais de controle social.

Pensar a educação em prisões a partir de uma dimensão cultural significa, a priori, compreender que seus significados não podem ser compreendidos numa perspectiva de neutralidade. A educação desenvolvida nos cárceres é carregada de intencionalidades relacionadas às relações de poder que se desenvolvem no espaço