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CAPÍTULO II DANO EXTRAPATRIMONIAL

2.1 DEFINIÇÃO DE DANO

O dano é o pressuposto essencial da obrigação de indenizar. Sem ele, não há sequer motivos para se indagar sobre a relação causal, o nexo de imputação e a antijuridicidade da conduta.96 Trata-se de fenômeno físico, o qual, qualificado pelo direito, torna-se causa de um efeito jurídico reativo, consistente na obrigação de ressarcir.97

96

REZZÓNICO, Juan Carlos. Daño, Técnica y Exclusión de la Responsabilidad. in Derecho de Daños, v. 1, Segunda Parte, Ediciones La Rocca: Buenos Aires, 2000, p. 223-246.

97

DE CUPIS, Adriano. Il Danno. Teoria Generale della Responsabilità Civile. Ristampa Inalterata. Milano: Giuffrè, 1951., p.6. "Assurgendo a fatto giuridico, il danno non dismette la propria essenza fisica; soltanto a questa si aggiunge la giuridicità. Due elementi concorrono allora a costituire la sua struttura: l'elemento materiale o sostanziale consistente nel fatto fisico e rappresentante il nucleo interiore, e l'elemento formale, che ad esso proviene della norma giuridica.

L'effeto giuridico causato dal danno consiste in una reazione che il diritto appresta al fine della repressione del danno: agisce, quindi, in senso contrario a quello nel quale opera il danno, in opposizione, cio è, ad esso e da ciò il danno medesimo, considerato nel sistema dei fatti giuridici, resta profondamente caratterizzato. Il processo di qualificazione giuridica dei fatti che il diritto assume nella propria sfera, comprende la determiazione del loro

O direito, todavia, não qualifica todo e qualquer dano. A escolha recai, via de regra, sobre danos originados de atos humanos antijurídicos, assim considerados aqueles que se opõem aos interesses tutelados por meio de direitos subjetivos e objetivos.98 Atualmente, também os atos tidos como lícitos podem ensejar o dever de indenizar, bastando, para isso, a existência de expressa previsão legal, como ocorre nos casos de responsabilidade pelo risco.

A amplitude das hipóteses de reparação do dano encontra fundamento na ideia consagrada de que seus efeitos devem ser suportados por quem tiver melhores condições de fazê-lo e na crença de, assim, evitar situações iníquas, ainda que advindas de fatos não reprováveis pelo direito. É o chamado dano injusto.

Seu conceito está relacionado ao prejuízo, econômico ou não econômico, não querido, não previsto, que se encontra totalmente fora dos planos de quem o sofre, resultante de ato ou fato antijurídico violador de bem ou de interesse juridicamente tutelado.99 100 Não obstante, diversas teorias tentam explicar e conceituar o dano jurídico, ou seja, o dano qualificado pelo direito e cujo efeito é ensejar a obrigação de reparar o prejuízo por meio da reparação in

natura ou do sucedâneo pecuniário.

As duas doutrinas mais relevantes são, sem sombra de dúvidas, a que considera o dano como a lesão a um direito subjetivo, cujo expoente é ROBERTO BREBBIA101, e a que o

specifico comportamento: e il comportamento specifico del danno, onde esso differenzia dagli altri fatti giuridici, assumendo una posizione particolare, consiste precisamente nella produzione della suddetta reazione."

Tradução livre: "Tornando-se um fato jurídico, o dano não rompo com sua própria essência física; a esta somente se agrega a juridicidade. Dois elementos concorrem então a constituir a sua estrutura: o elemento material ou substancial consistente no fato físico representativo do núcleo interior, e o elemento formal que provém da norma jurídica. O efeito jurídico causado pelo dano consiste na reação que o direito aporta ao fim da repressão do dano: age, pois, em sentido contrário àquele no qual opera o dano, em oposição a isso e do qual o dano mesmo, considerado no sistema dos fatos jurídicos, resta profundamente caracterizado. O processo de qualificação jurídica dos fatos que o direito assume na sua esfera, compreende a determinação do seu específico comportamento: e o comportamento específico do dano, o qual o diferencia dos outros fatos jurídicos, assumindo uma posição particular, consiste precisamente na produção da sobredita reação".

98

DE CUPIS, op. cit. p. 8. 99

REZZÓNICO, Juan Carlos. Daño, Técnica y Exclusión de la Responsabilidad. in Derecho de Daños, v. 1, Segunda Parte, Ediciones La Rocca: Buenos Aires, 2000, p. 223-246. NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 497.

100

Não se nega haver hipóteses legais de indenização sem prejuízo, como ocorre nos casos de juros moratórios, cláusula penal, multa penitencial e arras penitenciais. Tais hipóteses, entretanto, como bem alerta Agostinho Alvim (op. cit. p. 196) constituem exceções que não descaracterizam a regra segundo a qual sem prejuízo não há dano.

101

BREBBIA, Roberto H. El Daño Moral. Doctrina-Legislacion-Jurisprudencia. Precedida de uma Teoria

reputa como sendo a lesão a bens e interesses, do qual podemos destacar ADRIANO DE CUPIS102.

Segundo BREBBIA, a definição de dano com base na lesão a bens ou interesses juridicamente protegidos não lhe parece satisfatória, pois haveria imprecisão terminológica quanto ao real sentido de interesse. Tal motivo exorta-o a considerar o dano como a violação, a lesão ou o menoscabo de um direito subjetivo, cuja existência é constatada sempre que o sujeito “tem a possibilidade de determinar, juridicamente, em certas situações previstas pela regra jurídica, o dever de uma especial conduta em outras pessoas”.103

Assim concebido, o direito subjetivo apresenta-se de três formas distintas: 1º) como contrapartida material do dever jurídico de não lesar, perturbar ou impossibilitar a conduta juridicamente autorizada ao titular de um direito (direito à vida, direito à liberdade de disposição de coisas próprias, etc.); 2º) como pretensão ou faculdade de exigir conduta determinada de outrem por meio do aparelho coercitivo do Estado, e 3º) como faculdade para criar, modificar ou extinguir relações jurídicas.104

A violação de qualquer dessas três formas de existência do direito subjetivo ocasiona o dano. Curioso notar que ao definir a violação de um direito subjetivo o autor retoma a concepção anteriormente criticada, segundo a qual leva em conta o prejuízo ou o menoscabo ao bem ou interesse juridicamente tutelado.

Em resumo, embora o dano não possa ser considerado como a violação a bem ou interesse tutelado, mas, sim, como sendo a lesão ou violação a um direito subjetivo, ao delinear o significado de lesão ao direito subjetivo, o autor retoma a ideia de bem ou interesse juridicamente tutelado.

A explicação dada pelo autor a esse paradoxo converge no sentido de considerar o dano como sendo a transgressão à garantia outorgada pela norma à pessoa a quem

102

DE CUPIS, op. cit. 103

BREBBIA, op. cit. p. 40.: consideramos que existe derecho subjetivo cuando un sujeto tiene la possibilidad

de determinar jurídicamente, em ciertas situaciones previstas por la regla jurídica, el deber de uma especial conducta em outra u otras personas. (destaque no original) Tradução livre: consideramos que existe direito

subjetivo quando um sujeito tem a possibilidade de determinar juridicamente, em certas situações previstas pela regra jurídica, o dever a uma especial conduta de outra ou outras pessoas.

104

corresponda o bem, e não a lesão ao bem propriamente dito. De outro lado, justifica que o interesse somente se apresenta como juridicamente tutelado quando houver direito subjetivo que autorize seu titular a impor aos demais seu senhorio; se houver mera declaração da norma, sem conferir ao titular os meios para fazer respeitar seu interesse e obter a devida reparação, não há efetivamente um interesse jurídico. Logo, em qualquer das hipóteses, a lesão imediata incidiria sobre o direito subjetivo e não sobre os bens ou interesses por ele tutelados.

Sem descartar por completo a teoria de BREBBIA, parece-nos que seu pecado é restringir em demasia as hipóteses configuradoras de dano, o que vem a ser corrigido exatamente pela doutrina por ele criticada, segundo a qual o dano é a lesão a bens ou interesses juridicamente protegidos.

Para melhor explicar o raciocínio a ser desenvolvido, recorreremos às lições de DE CUPIS, acrescidas de outros doutos que possam contribuir para o desenlace da questão. Consoante o autor italiano, o objeto do dano identifica-se com o objeto da tutela jurídica: em ambos os casos, o objeto é o interesse humano.105 A compreensão do significado de interesse, contudo, passa pelo necessário entendimento do conceito de bem, o qual é o pressuposto do interesse.

São considerados bens as coisas corpóreas ou incorpóreas do mundo externo, assim como as qualidades internas das pessoas, de natureza biológica, espiritual ou afetiva.106 Compreende tanto as coisas suscetíveis como as não suscetíveis de avaliação econômica, em representação a tudo aquilo que pode satisfazer a necessidade humana.

O interesse comporta duas teorias explicativas: a subjetiva e a objetiva. Pela teoria subjetiva, o interesse constitui a valoração de certo bem pelo sujeito, é ato de inteligência, de juízo sobre o valor de determinado objeto como meio de satisfação de uma necessidade.107 A teoria objetiva, por sua vez, considera o interesse como sendo a relação objetiva entre o sujeito e o objeto, relação esta que é, por si só, suficiente para demonstrar a capacidade do bem de satisfazer as necessidades do sujeito.

105

DE CUPIS, op. cit. 23. 106

NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações, op. cit. p. 580. 107

A primeira teoria não pode ser aceita, porquanto o direito não pode garantir ao homem a valoração subjetiva do bem e, também, porque a valoração do bem não é afetada pelo dano, já que constitui ato intelectual. A segunda teoria, embora não isenta de críticas, é a que prevalece, dado que o ordenamento jurídico deve tutelar o interesse genérico, aplicável a todas as pessoas indistintamente. Como bem elucida DE CUPIS108, ao pronunciar-se sobre o tema:

(...) al concetto di bene è sufficiente l'attitudine generica alla soddisfazione di um bisogno umano, mentre la denominazione di interesse va riservata alla possibilità che un bisogno di uno o più determinati soggetti venga soddisfatto mercè un bene. Ed è l'interesse cosi inteso che va considerato come oggetto della tutela giuridica e del danno in senso giuridico. Indubbiamente l'essenza finale del diritto esige che esso non rivolga la sua tutela se non ad entità comprese nel dominio dell'utile umano; ma poichè la suddetta essenza finale propriamente consiste in ciò, che il diritto intende garantire e difendere un soggetto dall'altro a seconda degli specifici elementi ricorrenti, in conseguenza la tutela giuridica non ha per oggetto i beni in sè considerati, ma particolare situazioni dei soggetti rispetto ai beni (...)

Como o interesse é a relação de utilidade existente entre as necessidades do homem e os bens idôneos a satisfazê-las109110111, objetivamente considerados, é possível afirmar que a tutela do interesse dá-se tanto por meio dos direitos subjetivos, quanto pelos direitos objetivos, em complemento ao que apregoa BREBBIA.

Com efeito, como bem leciona DE CUPIS, a antijuridicidade não está relacionada apenas ao direito subjetivo, mas, também, ao direito objetivo, na medida em que o

108

op. cit. p. 26. Tradução livre:

(...) ao conceito de bem é suficiente a atitude genérica à satisfação de uma necessidade humana, enquanto a denominação de interesse é reservada à possibilidade que uma necessidade de um ou mais sujeitos determinados seja satisfeita por um bem. E é o interesse assim entendido que é considerado como objeto da tutela jurídica do dano em senso jurídico. Indubitavelmente a essência final do direito exige que ele não dirija a sua tutela se não a entidades compreendidas no domínio do útil ao ser humano; mas como a dita essência final propriamente consiste nisso, que o direito pretende garantir e defender um sujeito do outro de acordo com específicos elementos recorrentes, por consequência a tutela jurídica não tem por objeto o bem considerado em si, mas particulares situações do sujeito em relação ao bem (...)

109

ROSSETTI, Marco. Il danno non patrimoniale. Cos'è, come si accerta e come si liquida. Giuffrè Editore: Milano, 2010, p. 27. A este respeito, vide, também, Wilson Melo da Silva (O dano moral e sua reparação, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1955, p. 213), com base em ARAMENDIA, para quem o dano é a lesão a interesse, entendido este como "a relação entre o homem e um bem qualquer".

110

FEMIA, Pasquale. Interessi e conflitti culturali nell'autonomia privata e nella responsabilità civile. Pubblicazioni della Scuola di specializzazione dell'Università di Camerino, nº 80. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1996. No original: "La maggior parte delle definizioni di <<interesse>> sono riconducibili ad un modello fondamentale: la relazione tra un soggetto ed un bene, il raporto di tensione tra un soggetto e un bene, idoneo a sciogliere tale tensione con la soddisfazione del soggetto interessato (...)" (p. 63) Tradução livre: A maior parte das definições de interesse são reconduzíveis a um modelo fundamental: a relação entre um sujeito e um bem, a relação de tensão entre um sujeito e um bem idôneo a dissolver tal tensão com a satisfação do sujeito interessado.

111

ordenamento não contempla fattispecies inócuas, desprovidas de sentido. Ainda que a norma jurídica não atribua um direito subjetivo, é preciso vislumbrar o ordenamento como um todo de modo a perceber que a tutela ali prevista, embora não contemple um interesse individual, visa à proteção do interesse social. E este interesse permite e justifica a proteção dos sujeitos individualmente considerados, exatamente para proteger a sociedade.

A relação apontada entre interesse individual e coletivo, deve-se ao fato de sua proteção somente ser possível se, e enquanto, estiver em conformidade com o interesse da coletividade e não quando estiver apenas em conformidade com o do titular.112 Aquele interesse (o da coletividade) é o previsto pela norma e que, em última análise, é o interesse (objetivo) do destinatário.113 114

Logo, lastreados na lição de BUERES115, é possível considerar o interesse como o núcleo, o fundamento e a razão da tutela jurídica na medida em que tanto os direitos subjetivos quanto os bens jurídicos são regulados em vista de sua satisfação. Assim, para a teoria do interesse, a essência do dano não está na modificação ou alteração de um bem, mas na diminuição de sua capacidade de satisfazer as necessidades do titular, quando relevante para a sociedade.116

112

PERLINGIERI, op. cit. p. 677. 113

PERLINGIERI, op. cit. p. 668. 114

Conforme se extrai das lições de Perlingieri (op. cit. p. 669-672), as situações subjetivas são comumente tratadas levando-se em consideração apenas o enfoque individualista, "subjetivista, fundado sobre o poder da vontade como capacidade do sujeito; do outro, o enfoque teleológico ou do interesse patrimonial. Esse binômio, porém, é insuficiente à individuação das situações subjetivas de modo adequado às exigências do ordenamento atual. Assim, as situações subjetivas devem ser consideradas sob os seguintes perfis concorrentes: a) perfil do efeito; b) perfil do interesse; c) perfil dinâmico; d) perfil do exercício; e) perfil funcional; e f) perfil normativo ou regulamentar. Tomando-se em conta os perfis das situações jurídicas, Perlingieri, ao tratar daquele relativo ao interesse explica:

B) Perfil do interesse: fundamento justificador da situação é o interesse, que pode ser patrimonial, existencial ou, por vezes, um e outro juntos, já que algumas situações patrimoniais são instrumentos para a realização de interesses existenciais ou pessoais. No ordenamento jurídico encontram espaço tanto as situações patrimoniais e entre essas a propriedade, o crédito, a empresa, a iniciativa econômica privada, quanto aquelas não patrimoniais (os chamados direitos da personalidade) às quais cabe, na hierarquia das situações subjetivas e dos valores, um papel primário."

Ainda sobre situações subjetivas, oportuna a consulta a Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 7ª ed. revista, São Paulo: editora Saraiva, 1980, p. 247-260.

115

BUERES, Alberto J.El daño injusto y la licitud e ilicitud de la conducta, in Derecho de Daños, v. 1, Primeira Parte. Ediciones La Rocca: Buenos Aires, 2000, p. 170.

116

Nas palavras de CRICENTI (CRICENTI, Giuseppe. Il danno non patrimoniale. CEDAM. Milano: 1999, p. 44): "Secondo questa impostazione l'essenza del danno starebbe non tanto nella modificazione o nell'alterazione di un bene, bensì nella lesione della relazione che intercorre tra un bene ed il suo fruitore, e cioè nell'interesse che lega il secondo al primo: la ragione di fondo di questa tese è che il danno non sta tanto nella lesione del bene quanto nella sua diminuita capacità di soddisfare un bisogno del suo titolare (la tesi ha molto seguito in Italia, vi hanno aderito Ravazzioni, 1962, 37 ss.; De Cupis 1979, 43 ss.)". É importante consignar que o autor tece críticas

A exposição anterior permite concluir que tanto BREBBIA quanto DE CUPIS estão corretos no que pertine à definição do dano. Divergem, apenas, na amplitude conferida a seu objeto que, a nosso ver, deve ser a mais ampla possível.117

Seria possível, até mesmo, com base na doutrina de PERLINGIERI, alargar ainda mais o espectro do dano indenizável, entendendo-o como a lesão a quaisquer situações subjetivas, como, aliás, aventado pelo próprio DE CUPIS, ao asseverar que "por consequência a tutela jurídica não tem por objeto o bem considerado em si, mas particulares situações do sujeito em relação ao bem".118

Ao adotar tal envergadura de entendimento, abrangeríamos não apenas direitos subjetivos, objetivos e interesses juridicamente tutelados, mas, também, quaisquer outras situações jurídica e socialmente relevantes justificadoras da reação do ordenamento.

A esse respeito, oportunas as lições de PERLINGIERI119 ao explicar que o interesse faz nascer uma situação jurídica complexa, composta por deveres, obrigações e ônus, os quais colocam em crise o direito subjetivo. Como menciona o autor italiano:

(...) o direito subjetivo - figura controvertida desde sempre - perde centralidade definitivamente e aflui a exigência de diversificar os interesses e de dar formas e técnicas de tutela das pessoas asseguradas por novos órgãos e por novos instrumentos, individualizados segundo o tipo de interesse a ser tutelado e a ponderação de valores a ser realizado.

Por fim, há que se considerar a injustiça como elemento qualificador do dano indenizável. O fato ou ato violador de certo bem é caracterizado como fato ou ato antijurídico. Nas lições de FERNANDO NORONHA, é a circunstância do dano ser oriundo de ato ou fato

à teoria. Tradução livre: Segundo essa construção a essência do dano estaria não tanto na modificação ou alteração de um bem mas na lesão da relação que entremeia um bem e o seu fruidor, isto é no interesse que liga o segundo ao primeiro: a razão de fundo desta tese é o dano não está tanto na lesão do bem quanto na diminuição de sua capacidade de satisfazer um interesse de seu titular (à tese, de há muito seguida na Itália, aderiram Ravazzioni, 1962, 37 ss.; De Cupis 1979, 43 ss.).

117

A este respeito leciona CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA (O conceito de dano no direito brasileiro e comparado, RT 667, ano 80, maio de 1991, p. 7-16) que a noção de reparação do dano está relacionada ao interesse jurídico, já que além dos direitos subjetivos há interesses como os coletivos ou mesmo a “chance”, que a despeito não serem qualificados como direitos subjetivos merecem uma proteção jurídica eficaz “em razão da importância que eles possuem na atualidade.”

118

op. cit. p. 26. 119

PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Edição Brasileira Organizada por Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 678.

antijurídico que torna a lesão antijurídica.120 Na doutrina italiana a lesão antijurídica é designada de dano injusto, o qual, nas palavras de GIOVANNA VISINTINI121, nada mais é do que a lesão ao interesse tutelado.122 123124125

Ao tratar do tema, MARIA CELINA BODIN DE MORAES126 explica haver distinção entre danos justos e danos injustos. Os danos justos seriam todos aqueles autorizados pelo ordenamento jurídico, por se considerar como razoável a vítima suportar tais prejuízos. É o caso, por exemplo, do exercício da livre concorrência na prática comercial, na qual se admite

120

NORONHA, op. cit. p. 580. 121

VISINTINI op. cit. p. 203. 122

O mesmo conceito é extraído do texto de BIANCA, Massimo C., in Realtà Sociale ed Effettività della Norma. Scritti Giuridici, volume secondo, Obbligazioni e Contratti - Responsabilità. Tomo II, Giuffrè Editore: Milano, 2002, p. 978.

123

BIANCA, C. Massimo. Diritto Civile. vol. V. La Responsabilità. Ristampa. Giuffrè Editore: Milano, 1999. Nas palavras do autor: "Danni ingiusti nel nostro ordinamento giuridico sono le lesioni dolose o colpose di diritti della personalità e diritti reali nonché le lesioni socialmente intollerabili per la gravità del fatto o per la

particolare rilevanza dell'interesse leso." (p. 587 - grifos no original). Tradução livre: Danos injustos no nosso

ordenamento jurídico são lesões dolosas ou culposas os direitos da personalidade e direitos reais, além de lesões socialmente intoleráveis pela gravidade do fato e pela particular relevância do interesse lesado.

Sobre o tema convém a consulta a BIANCA, C. Massimo, Il Danno Ingiusto nel Diritto Effettivo, in Realtà Sociale ed Effettività Della Norma - Scritti Giuridici, volume secondo, Obligazione e Contratti, Responsabilità, Tomo II, Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 947-952.

124

Para Alberto J. Bueres (El daño injusto ..., op. cit. p. 141), o dano injusto compreende os danos causados por condutas injustas (antijurídicas) e a dos danos que são injustos em si, ou seja, sem reconhecer nela uma causação