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INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO DIREITO PORTUGUÊS

CAPÍTULO III REPARAÇÃO DOS DANOS E INDENIZAÇÃO PUNITIVA

3.3 INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO DIREITO PORTUGUÊS

A doutrina portuguesa pesquisada demonstra haver forte apelo ao reconhecimento e aplicação da indenização punitiva, denominado, pelos lusitanos, de danos punitivos, embora a maior parte dos juristas defenda a função meramente reparatória da responsabilidade civil.272

Faremos, nesse tópico, breve explanação sobre o assunto, apenas para contextualizar e demonstrar que o uso da indenização punitiva, com base na função punitiva da responsabilidade civil, constitui tendência também entre os países de civil law, nos ordenamentos jurídicos mais próximos ao nosso.273

A primeira consideração feita pela doutrina portuguesa em favor da admissibilidade da indenização punitiva está centrada no contudo do artigo 494º, do Código Civil Português, o qual possibilita ao juiz fixar equitativamente a indenização em montante inferior ao dano causado, quando a responsabilidade fundar-se em mera culpa. O arbitramento do quantum indenizatório deverá levar em conta o grau de culpabilidade do agente, sua situação econômica e a do lesado, assim como as demais circunstâncias do caso.274

São considerados, pois, elementos sem qualquer relação com os prejuízos causados, em especial o grau de culpabilidade do agente, a fim de viabilizar indenização com valor inferior aos danos sofridos pelo lesado.

Na opinião de LOURENÇO275, o conteúdo do artigo 494º, do Código Civil Lusitano, evidencia a existência de função punitiva da responsabilidade civil, tendo em vista que, fosse

272

GUIMARÃES, Patrícia Carla Monteiro. Os danos punitivos e a função punitiva da responsabilidade civil, in Direito e Justiça, vol. XV, Tomo 1, 2001, p. 159-206.

273

Sobreleva deixar consignado que não temos a intenção de adentrar com profundidade nas nuances do ordenamento jurídico português, nem mesmo na intimidade de sua doutrina, o que, por si só, já mereceria um trabalho a ele inteiramente dedicado (como, aliás, fez Paula Meira Lourenço em A função punitiva da

responsabilidade civil, Coimbra: Coimbra Editora, 2006). Faremos, portanto, apenas uma brevíssima incursão

nos elementos mais significativos com o único propósito, repita-se, de demonstrar que o acolhimento da indenização punitiva em ordenamentos da civil law não constitui movimento isolado.

274

ARTIGO 494º

(Limitação da indemnização no caso de mera culpa)

Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

275

LOURENÇO, Paula Meira. Os danos Punitivos, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLIII - nº 2. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 1019-1109.

ela dotada apenas da função reintegrativa, a culpa do agente não teria qualquer relevância. Logo, quanto menor for o grau de culpabilidade, maior será o valor da redução da indenização, enquanto, de outro turno, quanto maior for a gravidade da culpa, menor será a redução do valor indenizatório, preceito, este, aplicável tanto aos casos de responsabilidade delitual, quanto obrigacional.

A lógica impõe a conclusão de que o direito português exige o compartilhamento dos danos entre lesado e lesante, a fim de se evitar injustiças contra o agente danoso, em caso de responsabilidade derivada de mera culpa.276 E se é possível reduzir de forma equitativa a indenização, com base no grau de culpa do agente, admite-se, da mesma forma, diante de seu elevado grau de culpa, a elevação do quantum indenizatório, a fim de puni-lo.

Ao comentar o nº 2, do artigo 497º, LOURENÇO pondera haver importância do fator culpa no regime de solidariedade dos responsáveis civis pelos danos causados, na medida em que somente haverá direito de regresso contra os agentes cujas condutas foram culposas. Na opinião da autora, a ponderação do grau de culpa do agente constitui manifestação de pena privada, imposta em função do juízo de censura.277

Comenta, ainda, a sobredita autora, a disposição contida no artigo 570º, o qual estipula a fixação da indenização com base na gravidade das culpas do lesante e do lesado para a ocorrência do dano, do que deriva a concessão, a redução ou a exclusão da verba reparatória. Mais uma vez, admitida a gravidade da culpa para o fim de conceder e mensurar a verba indenizatória, a autora questiona o motivo pelo qual não se pode majorá-la quando o agente agir com culpa grave.278

276

A mesma lógica está expressa no parágrafo único, do artigo 944, do Código Civil Brasileiro. 277

LOURENÇO, Os danos Punitivos ... op. cit. p. 1064-1065. ARTIGO 497º

(Responsabilidade solidária)

1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.

2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.

278

LOURENÇO, Os danos Punitivos ... op. cit. p. 1065 ARTIGO 570º

(Culpa do lesado)

1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.

Na qualificação da conduta ilícita, o Código Civil Português condiciona a responsabilidade civil ao grau de culpabilidade do agente. Assim ocorre no caso da mora do credor, a qual enseja a responsabilidade do devedor pela perda ou deterioração da coisa apenas no caso de dolo de sua parte (artigo 814º, nº 1); na hipótese do achado, na qual o achador somente responde por danos pela perda ou deterioração da coisa se houver dolo ou culpa grave (artigo 1323º, nº 4); no caso do cônjuge administrador, cuja responsabilidade se resume aos casos de atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge (artigo 1681º).

As lições de LOURENÇO279 convergem, ainda, em reconhecer caráter punitivo (além do reparatório) ao dano extrapatrimonial, "em virtude da natureza do dano, da importância da conduta culposa e a circunstância de sua possível não cobertura pelo seguro".

No que tange aos Direitos de Autor, o nº 5, do artigo 86º e o artigo 202º do Código de Direito do Autor prescreve situações exemplares de punição civil ao editor que produzir número de exemplares superior ao pactuado e nos casos de violação dos direitos morais de paternidade e de integridade da obra.280

279

LOURENÇO, Os danos Punitivos ... op. cit. p. 1066. 280

LOURENÇO, Os danos Punitivos ... op. cit. p. 1068. Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos

Artigo 86º Conteúdo

1 - O contrato de edição deve mencionar o número de edições que abrange, o número de exemplares que cada edição compreende e o preço de venda ao público do cada exemplar.

2 - Se o número de edições não tiver sido contratualmente fixado, o editor só está autorizado a fazer uma. 3 - Se o contrato de edição for omisso quanto ao número de exemplares a tirar, o editor fica obrigado a produzir, pelo menos, dois mil exemplares da obra.

4 - O editor que produzir exemplares em número inferior ao convencionado pode ser coagido a completar a edição e, se não o fizer, poderá o titular do direito de autor contratar com outrem, a expensa do editor, a produção do número de exemplares em falta, sem prejuízo do direito a exigir deste indemnização por perdas e danos.

5 - Se o editar produzir exemplares em número superior ao convencionado, poderá o titular do direito de autor requerer a apreensão judicial dos exemplares a mais e apropriar-se deles, perdendo o editor o custo desses exemplares.

6 - Nos casos de o editor já ter vendido, total ou parcialmente, os exemplares a mais ou de o titular do direito de autor não ter requerido a apreensão, o editor indemnizará este último por perdas e danos.

7 - O autor tem o direito de fiscalizar, por si ou seu representante, o número de exemplares da edição, podendo, para esse efeito e nos termos da lei, exigir exame à escrituração comercial do editor ou da empresa que produziu os exemplares, se esta não pertencer ao editor, ou recorrer a outro meio que não interfira com o fabrico da obra, como seja a aplicação da sua assinatura ou chancela em cada exemplar.

Artigo 202º

Após a apurada avaliação das hipóteses legais que denunciam a existência de abertura no ordenamento jurídico português para a função punitiva da responsabilidade civil - e não apenas reparatória - e, por derivação lógica, para a aplicação da indenização punitivo, a autora elege a mencionada modalidade indenizatória como sendo o instrumento eficaz para a proteção dos direitos da personalidade, em especial quando o lucro se sobrepõe ao respeito a pessoa e aos valores morais, "concernentes à dignidade, à saúde, ao bom nome, e na qual o Direito Penal clássico já não dá uma resposta eficaz, prevenindo e punindo tais condutas".281

Verifica-se, portanto, que os argumentos expendidos pela doutrina lusitana, aqui representada pela jurista PAULA MEIRA LOURENÇO, muito se assemelham aos utilizados em nossa doutrina pátria, de modo a ser possível afirmar, a partir dessa constatação, não ser descabida, nem despropositada a defesa da indenização punitiva no ordenamento jurídico brasileiro.