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EMBATE DOUTRINÁRIO ATUAL E NOSSO POSICIONAMENTO

CAPÍTULO II DANO EXTRAPATRIMONIAL

2.4 EMBATE DOUTRINÁRIO ATUAL E NOSSO POSICIONAMENTO

O estudo por nós realizado revela que são duas, basicamente, as correntes doutrinárias prevalentes nas doutrinas atuais: a que considera dano extrapatrimonial a violação a direitos

ou a lesão a bens e interesses relativos à personalidade ou à dignidade da pessoa humana (dano evento) e a que o considera como sendo as consequências depreciativas ocasionadas ao sujeito, na qual incluem-se, ainda, os que o consideram como as dores da alma, as angústias e aflições ocasionadas à pessoa humana (dano consequência).

A diferença básica entre essas duas correntes reside no fato de a primeira julgar a violação a direitos ou a lesão aos bens ou interesses como suficientes à caracterização do dano, enquanto a segunda exige, para o surgimento do dever de indenizar, uma projeção futura, consistente no efeito ou consequência daquela lesão.

É possível verificar, ainda, o acolhimento, por relevante parcela da doutrina, de ambas as perspectivas para conceituar o dano extrapatrimonial, com menção não apenas ao direito, bem ou interesse tutelado, mas também as seus efeitos.

Para WILSON MELO DA SILVA165, danos extrapatrimoniais são as lesões sofridas pelo sujeito físico em seu patrimônio ideal, assim entendido como tudo o que não seja suscetível de valor econômico. Nesse sentido, os danos extrapatrimoniais poderiam ser exemplificados como "os decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior, de cada qual, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal."

JOSÉ DE AGUIAR DIAS166 define o dano extrapatrimonial como a ofensa, a humilhação perante terceiros, a dor sofrida, e os efeitos psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano. MIGUEL REALE167, ao distinguir os danos extrapatrimoniais em objetivos e subjetivos, define-os de acordo com a dimensão moral violada. Será dano extrapatrimonial objetivo o que atinge a pessoa no seu meio social, com a diminuição de seu valor perante a opinião pública. O dano extrapatrimonial subjetivo caracteriza-se pelo mal sofrido pela pessoa em sua subjetividade, em sua intimidade psíquica, sujeita a dor ou sofrimento intransferíveis porque ligados a valores de seu ser subjetivo.

165

O Dano Moral e sua reparação. Edição Revista Forense: Rio de Janeiro, 1955, p. 11. 166

Da Responsabilidade Civil. v. II, 10ª ed. revista e atualizada. Editora Forense: Rio de Janeiro, 1995. p. 743. 167

YUSSEF SAID CAHALI168 caracteriza o dano extrapatrimonial como a lesão aos bens de valor precípuo ao homem, como a paz, a tranquilidade, a liberdade individual, a honra, a reputação, a dor, a tristeza e a saudade. Convergem, outrossim, no sentido de considerar o dano extrapatrimonial relacionado à perturbação anímica, as doutrinas de SILVIO RODRIGUES169, AGOSTINHO ALVIM170 e ANTONIO CHAVES171.

O posicionamento citado tem íntima relação com o chamado dano moral estrito172, muito desenvolvido na Itália, em razão das características peculiares do ordenamento jurídico daquele país. Com efeito, a pesquisa à doutrina italiana revela que o dano moral se restringe ao sofrimento moral (patema d’animo), à ânsia, ao ressentimento, à aflição e às dores físicas. O dano moral, como elucida DE CUPIS173, tem as atenções voltadas ao bem-estar físico ou psíquico do sujeito, ou seja, sobre o dano que ocasiona uma dor no corpo ou na alma.

Tal entendimento decorre da conexão dos artigos 2059 do Código Civil e 185 do Código Penal italianos, os quais limitam o âmbito de aplicação do dano moral ao sofrimento anímico e ao turbamento emotivo derivados de ilícitos.174 Logo, o dano extrapatrimonial não coincidiria com a lesão, mas com o sofrimento advindo desta lesão, motivo pelo qual é considerado um dano consequência.175176

Ao defender posicionamento similar, RAMÓN DANIEL PIZARRO177 sustenta que a noção de dano do Código Civil Argentino não se coaduna com a simples lesão a direito ou interesse de cunho patrimonial ou extrapatrimonial, mas está relacionado à consequência

168

Dano Moral. 3ª ed. Revista, ampliada e atualizada conforme o Código Civil de 2002. Editora RT: São Paulo, 2005, p.22.

169

Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. IV, 11ª Ed. Editora Saraiva: São Paulo, 1987, p. 206. 170

Da inexecução das obrigações e suas consequências. 2ª Ed. Edições Saraiva: São Paulo, 1955, p. 237. : “Para nós, o dano patrimonial supõe prejuízo; e o dano moral supõe dor moral ou física (...).”

171

Tratado de Direito Civil, v. 3. São Paulo: editora RT, 1985, p. 607. 172

A expressão é de PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante, Tratado de Direito Privado – Direito das

Obrigações, T. 26, Rio de Janeiro: Borsói, 1959, p. 31.

173

Il danno. Teoria Generale della Responsabilità Civile. Milano: Giuffrè Editore, 1946, p.31. 174

DE STEFANO, Franco (Danno morale. www.ridare.it/bussola/danno-morale, acessado em 21/07/2014) define o dano moral como o sofrimento causado à vítima por fato ilícito de outrem.

175

Sob esse prisma era sustentável a ideia de se considerar o dano moral como as consequências da lesão e não a lesão em si, tal como o fazia Wilson de Melo da Silva e Agostinho Alvim, por exemplo.

176

Sobre o tema na doutrina italiana confiram-se: ZIVIZ, Patricia, Il danno morale, in La Prova e Il quantum nel ressarcimento del danno non patrimoniale, VI, a cura di Paolo Cendon, UTET Giuridica, Wolter Kluwer Italia, 2008, p. 51-66. LIBERATI, Alessio. Il danno non patrimoniale da inadempimento. Milano: CEDAM 2004, p. 22. RAZZOLINI, Orsola. Tutela contrattual e danno non patrimoniale nel raporto di lavoro. Resp. Civ. e prev. 2008, 06, 1430, Dejure, Giuffrè Editore.

177

Daño Moral. Prevención. Reparación. Punición. El daño moral en las diversas ramas del Derecho. 2ª edición. Buenos Aires: Editorial Hamurabi SRL, 2004, p. 43.

prejudicial ou à desvalia decorrente daquela lesão, embora, para o aludido autor, a dor e o sofrimento não sejam senão possíveis manifestações do dano extrapatrimonial e não o aludido dano. De acordo com sua definição, o dano extrapatrimonial importa:

(...) una minoración en la subjetividad de la persona, derivada de la lesión a un interés non patrimonial. O, con mayor precisión, una modificación disvaliosa del espíritu, en el desenvolvimiento de su capacidad de entender, querer o sentir, consecuencia de una lesión a un interés no patrimonial, que habrá de traducirse en un modo de estar diferente de aquel al que se hallaba antes del hecho, como consecuencia de éste y anímicamente perjudicial.178

Para a corrente doutrinária que defende a concepção de dano evento, identificar o dano extrapatrimonial com as alterações negativas do estado anímico, psicológico ou espiritual do lesado constitui lamentável equívoco, pois tais estados não constituem o dano em si, mas seus efeitos ou resultados.

O dano, portanto, diferencia-se de seu resultado. Dano extrapatrimonial é a violação aos direitos da personalidade enquanto o resultado pode, ou não, ser a perturbação do estado anímico. Harmônica, nesse sentido, é a opinião de ANDRÉ GUSTAVO CORRÊA DE ANDRADE179 ao ponderar:

A associação do dano moral à dor, à angústia, à tristeza deriva da circunstância de que as formas mais frequentes de expressão dessa espécie de dano estão relacionadas com essas sensações ou esses sentimentos negativos. Mas o dano moral não se reduz ao sofrimento, podendo, mesmo, dele prescindir.

ANDERSON SCHREIBER, ao discorrer sobre o assunto, envereda pela mesma seara ao defender não ser possível atrelar o conceito de dano extrapatrimonial ao sofrimento, dor ou outra repercussão sentimental do fato sobre a vítima, tendo em vista a impossibilidade de sua aferição. Com esse entendimento, o jurista propõe que tal modalidade de dano deve ser entendido como a lesão aos atributos da personalidade, pois se concentra sobre o objeto atingido (interesse lesado) e não sobre suas consequências.180

178

Tradução livre: uma diminuição na subjetividade da pessoa, derivada da lesão a um interesse não patrimonial. Ou, com maior precisão, uma modificação depreciativa do espírito, no desenvolvimento de sua capacidade de entender, querer ou sentir, consequência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele que se achava antes do fato, como consequência deste e animicamente prejudicial.

179

Dano Moral e Indenização Punitiva. Os punitive damages na experiência do common Law e na perspectiva

do direito brasileiro. 2ª edição atualizada e ampliada. Lumen Juris Editora: Rio de Janeiro, 2009, p. 37.

180

Nesse contexto, o dano extrapatrimonial consistiria na lesão a determinados direitos, bens ou interesses que, frequentemente, podem causar os efeitos ou resultados (dor, sofrimento, angústia ou outro tipo de desvalia) que a maioria da doutrina confunde com o próprio dano. E os direitos cuja lesão ensejam o dano extrapatrimonial são os direitos da personalidade. Além dos autores citados, comungam dessa opinião RONALDO ALVES DE ANDRADE181 e RAIMUNDO SIMÃO DE MELO.182

O que se verifica, todavia, no Direito brasileiro? Ao discorrer sobre o tema, MARIA CELINA BODIN DE MORAES183 reconhece a existência de ambas as correntes doutrinárias mas, ao invés de apegar-se a apenas uma delas, defende a convivência pacífica de ambas, ao considerar dano extrapatrimonial reparável "o efeito não-patrimonial de lesão a direito subjetivo patrimonial (hipótese de dano moral subjetivo), bem como a afronta a direito da personalidade (dano moral objetivo), sendo ambos os tipos admitidos no ordenamento jurídico brasileiro". O posicionamento de LOUZADA BERNARDO184 condiz com a doutrina citada, como se extrai do trecho abaixo:

Assim, no momento atual, doutrina e jurisprudência dominantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, independentemente do prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualizada cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita do seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. Neste último caso, diz-se necessário, outrossim, que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, sejam intensos a ponto de poderem facilmente distinguir-se dos aborrecimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que todos se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidiana.

Em nosso sentir, a tutela à dignidade da pessoa humana deve ser a mais ampla possível. Não há como admitir a violação a direito da personalidade ou a ocorrência de

181

Dano Moral e sua valoração, 2ª ed. Editora Atlas: São Paulo, 2011, p. 9-10. "Nosso posicionamento é no sentido de afirmar que o dano moral somente existe quando afeta direitos da personalidade. Por essa razão conceituamos o dano moral como o dano decorrente da ofensa a direito da personalidade natural ou jurídica. Modernamente, contudo, mais adequada é a definição que vê o dano como lesão a interesse, mais precisamente como reflexo, ou resultado, da lesão de direito, que pode ser de ordem material, imaterial ou moral - dano à pessoa."

182

Reparação por dano moral: Natureza Jurídica e Prescrição, in Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, 2005, ano 9, número 11, p. 353-360.

183

Danos à Pessoa Humana. Uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Renovar: Rio de Janeiro, 2003, p. 156-157.

184

LOUZADA BERNARDO, Wesley de Oliveira. Dano Moral: Critérios de fixação de valor. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005, p. 78.

qualquer desvalor à pessoa humana sem que, em contrapartida, não surja o dever de indenizar.

Nesse diapasão, harmônicos com o juízo de que as instituições jurídicas não são fins em si mesmos, mas apenas ferramentas utilizadas pelo jurista para alcançar a justiça com razoável grau de segurança e equidade185, entendemos que, seja qual for a premissa doutrinária adotada (dano evento ou dano consequência), a vítima deve ser indenizada. Logo, tanto nos casos de ofensas aos direitos de personalidade, quanto nas hipótéses de lesão a bens ou interesses não patrimoniais, bem como nos casos de perturbação anímica relevante, a pessoa humana deverá ser tutelada e devidamente compensada pela lesão decorrente da conduta danosa.

2.5 INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL: REPARAÇÃO