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DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS DA PERSONALIDADE

CAPÍTULO I DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ORDENAMENTO

1.7 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS DA PERSONALIDADE

PERSONALIDADE

A dignidade da pessoa humana já foi bem trabalhada nos tópicos anteriores, motivo pelo qual nos parece suficiente afirmar, neste momento, ser ela uma cláusula geral constitucional de tutela da personalidade59. A compreensão dessa assertiva passa, entretanto, pela análise do direito da personalidade, o que faremos apenas nos estreitos limites exigidos por este trabalho.

Como bem afirmou JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO60, a "dignidade da pessoa humana é o ponto de partida do ordenamento jurídico” e, como tal:

implica que a cada homem sejam atribuídos direitos, por ela justificados e impostos, que assegurem esta dignidade na vida social. Esses direitos devem representar um mínimo, que crie o espaço no qual cada homem poderá desenvolver a sua personalidade. Mas devem representar também um máximo, pela intensidade da tutela que recebem.

Assim como ocorre em outras vertentes das relações humanas, a personalidade também está tutelada e amparada pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Por este motivo, afigura-se lícito afirmar ser o princípio da dignidade da pessoa humana cláusula geral de proteção da personalidade no Brasil.61

Os direitos da personalidade foram objeto de longos e aprofundados estudos, tais como os constantes nas obras de CAPELO DE SOUSA62, CARLOS ALBERTO BITTAR63,

58

FARIAS, Edilsom Pereira, "Colisão de Direitos. A Honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, Porto Alegre: Fabris, 1996, p. 54-55.

59

Sobre a evolução histórica dos direitos da personalidade e suas características principais, oportuna a consulta ao trabalho de Giorgio Resta intitulado Diritti della personalità: problemi e Prospettive, DeJure, Dir. Informativa 2007, 06, 1043, Giuffrè Editore S.P.A.

60

ASCENSÃO, José de Oliveira; "Direito Civil. Teoria Geral. Introdução. As pessoas. Os bens.", v.1, 3ª ed., São Paulo, Saraiva: 2010, p. 58-59.

61

A esse respeito, vide SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela, 2ª ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo. Editora Revista dos Tribunais: 2005.

62

Rabindranath V. A. Capelo de Sousa. O Direito Geral de Personalidade. Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.

ELIMAR SZANIAWSKI64 e tantos outros. Tema de alta complexidade, os direitos da personalidade têm encontrado divergência doutrinária, até mesmo, em sua terminologia, pois é possível encontrar quem os designe de: "direitos fundamentais da pessoa", "direitos essenciais”, "direitos individuais", etc. Para efeitos do presente trabalho, utilizaremos a desinência adotada pelo Código Civil: direitos da personalidade.

A esses direitos, nosso Código dedicou um capítulo inteiro (artigos 11 ao 21), mas não se aventurou a conceituá-los, para deixar esta tarefa a cargo da doutrina, a qual se desincumbiu com maestria da tarefa outorgada.

Para CARLOS ALBERTO BITTAR, os direitos da personalidade são direitos inatos do homem, reconhecidos e positivados pelo Estado, para tutelá-lo contra os arbítrios do poder público ou as incursões dos particulares. São direitos existentes antes e independentemente do direito positivo e referem-se às projeções humanas para o mundo exterior, com abrangência dos direitos físicos, psíquicos e morais.65

ORLANDO GOMES66 conceitua os direitos da personalidade como os "direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade".

ANDERSON SCHREIBER67 afirma que a "expressão direitos da personalidade é empregada na alusão aos atributos humanos que exigem especial proteção no campo das relações privadas, ou seja, na interação entre particulares, sem embargo de encontrarem também fundamento constitucional e proteção nos planos nacional e internacional".

CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO68 refere-se aos direitos da personalidade como "um certo número de poderes jurídicos pertencentes a todas as pessoas por força do seu

63

Os Direitos da Personalidade. 4ª ed. revista e atualizada por Eduardo C. B. Bittar. Rio de Janeiro. Forense Universitária: 2000.

64

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela, 2ª ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo. Editora Revista dos Tribunais: 2005.

65

Os Direitos da Personalidade. 4ª ed. revista e atualizada por Eduardo C. B. Bittar. Rio de Janeiro. Forense Universitária: 2000.

66

Introdução ao Direito Civil. 13ª edição. Atualizador Humberto Theodoro Junior. Rio de Janeiro. Forense: 1999.

67

Direitos da Personalidade. São Paulo. Atlas: 2011, p. 13. 68

Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto. Coimbra. Coimbra editora: 2005.

nascimento". E agrega a essa afirmação o entendimento de que estes direitos incidem para tutelar a vida, a saúde, a integridade física, a honra, a liberdade física e psicológica, o nome, a intimidade, enfim, todo aquele mínimo imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa.

MASSIMO BIANCA69 afirma que os direitos da personalidade (ao qual também chama de direitos fundamentais do homem) são aqueles destinados a tutelar a pessoa nos seus valores essenciais. Por esses direitos, segundo o autor, são tutelados os interesses inerentes à pessoa, ou seja, interesses materiais e morais, e neste particular, distinguem-se dos direitos patrimoniais, vocacionados a tutelar os interesses econômicos.

Poderíamos colher, ainda, inúmeras conceituações que, embora carreguem certas peculiaridades em relação umas às outras, demonstrariam consenso simples de ser entendido: os direitos da personalidade tutelam a essência da pessoa humana; aquilo que lhe dá existência (a vida) e que lhe imprime singularidade própria; a característica peculiar que lhe diferencia dos demais de seu gênero.70 Nos dizeres de JUDITH MARTINS-COSTA, a tutela da personalidade volta-se ao “livre desenvolvimento e expressão da personalidade humana”.71

Por tratar-se de direito reservado à tutela de bens tão caros ao ser humano, conferiram- se inúmeras características igualmente especiais, no afã de, assim, torná-lo o mais efetivo possível. Os aludidos direitos são, portanto, absolutos, extrapatrimoniais, indisponíveis, imprescritíveis, intransmissíveis, necessários e vitalícios.72

Absolutos, porque devem ser observados por todos; extrapatrimoniais, porque irredutíveis a interesses ou avaliações econômicas; imprescritíveis, porque o tempo não obsta

69

Diritto Civile, v. 1 - la norma giuridica/i soggetti. Milano. Giufrè editore: 2002. 70

Nas lições de RENAN LOTUFO (Código Civil Comentado, v. 1, Parte Geral, arts. 1º a 232. São Paulo. Saraiva: 2003, p.53), os direitos da personalidade constituem "o mínimo imprescindível para o ser humano desenvolver-se dignamente".

71

Pessoa, Personalidade, Dignidade. Ensaio de uma qualificação. Tese de Livre docência em Direito Civil apresentada à Congregação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Maio, 2003, p. 158. A autora, ao explorar o assunto, traz importantíssimas conclusões, que pedimos vênia para transcrever:

“Marquemos, pois, a distinção: todos somos igualmente dignos, cada um de nós tem uma personalidade singular. Nossa humanidade está na alçada de proteção do princípio da dignidade da pessoa humana, nossa autonomia e nossa singularidade estão inseridos na órbita do princípio do livre desenvolvimento da personalidade. A personalidade é única, inigualável e irreprodutível, é, em suma, individual, embora se exerça tanto no recôndito da vida privada quanto sob as luzes da vida comunitária. A dignidade é geral, todos igualmente a têm, ela se reproduz em cada um dos segmentos do gênero humano.”

72

O rol é dado por Renan Lotufo (Código Civil Comentado, v. 1, Parte Geral, arts. 1º a 232. São Paulo. Saraiva: 2003, p. 49).

o exercício da pretensão de preservação da integridade física ou moral; indisponíveis, porque seu titular não pode despojar-se deles; intransmissíveis, porque não podem ser transmitidos nem mesmo causa mortis; necessários, porque imprescindíveis à própria vida, e vitalícios, porque integrados à vida do titular, com efeitos até mesmo post mortem.73

Os ordenamentos jurídicos conhecidos adotam, basicamente, três formas de proteção dos direitos da personalidade: a proteção geral, a proteção especial e a proteção mista. A proteção geral caracteriza-se por lastrear-se numa cláusula geral, por meio da qual é possível interpretar o ordenamento jurídico segundo seus vetores valorativos e ampliar a proteção da tutela da personalidade a uma infinidade de casos, mesmo que não haja tipificação expressa74. Para os sistemas de proteção especial, a tutela da personalidade limita-se àquelas hipóteses previstas expressamente pela legislação; é, pois, um sistema tipificado.

Segundo ELIMAR SZANIAWSKI75, nosso ordenamento adotou o sistema misto de proteção da personalidade ao acolher a proteção geral da personalidade ao lado de direitos especiais tipificados. A proteção geral conferida pela Carta Constitucional reside, exatamente, no princípio da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, o art. 1º, III, do texto da CF de 1988, prevê como um dos princípios fundamentais que a informa, o da dignidade da pessoa humana, o qual constitui base e substrato necessário à constituição dos demais direitos.76 Por derivação lógica, conferiu à pessoa uma tutela abrangente e em todas as suas dimensões, com o fito de realizar a cláusula geral de proteção e de desenvolvimento de sua personalidade.

Os direitos especiais de personalidade, por sua vez, encontram-se concretizados em diversos pontos do texto constitucional. No art. 5º, podemos destacar como direitos especiais de proteção da personalidade: o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (caput); o direito à integridade psicofísica (inc. III); o direito de resposta e à imagem (inc. V); o direito à livre manifestação do pensamento (inc. IV), direito à livre

73

LOTUFO, Renan, op. cit. p. 49. 74

Sobre o tema da amplitude a ser dada à proteção do direito da personalidade, convém consultar Pietro Perlingieri (O direito civil na legalidade constitucional. Edição brasileira organizada por Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro. Renovar: 2008) p. 768 e ss.

75

op. cit. p. 137. 76

expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (inc. IX); o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à própria imagem da pessoa (inc. X); o direito à inviolabilidade da moradia (inc. XI); o direito ao segredo epistolar, das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados (inc. XII); os direitos de autor e do inventor (inc. XXVII, XXVIII, alíneas a e b e XXIX); e o direito de todos ao acesso à justiça (inc. XXV).77

Ainda é possível encontrar direitos especiais de tutela da personalidade no art. 170 da CF/88, o qual prevê a ordem econômica e financeira baseada na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, a fim de assegurar a existência digna de todos segundo os preceitos da justiça social. O exercício da propriedade privada (art. 170, II), condicionado à função social (art. 170, III), a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 170, VI), a busca do pleno emprego (art. 170, VIII), a seguridade social (artigos194 e 195), os direitos relativos à saúde (art. 196 e 200), à previdência e assistência social (art. 201), também dão a tônica da proteção especial a que estamos aludindo.

Além da proteção constitucional, os direitos da personalidade encontram tutela no Código Civil (a tutela geral prevista no artigo 12 e as tipificações contidas nos artigos13 a 2178), e em algumas outras leis especiais, como a Lei de Direito de Autor (Lei nº 9.610/98), a de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), para citarmos apenas alguns exemplos.

1.8 PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DA PESSOA