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Manutenção do equilíbrio das relações de consumo

CAPÍTULO III REPARAÇÃO DOS DANOS E INDENIZAÇÃO PUNITIVA

3.10 FINALIDADES DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA

3.10.3 Manutenção do equilíbrio das relações de consumo

A indenização punitiva pode exercer importante papel de restabelecimento do equilíbrio das relações de consumo. Não é incomum, nesse campo, a existência de condutas ilícitas de fornecedores, com o objetivo de incrementar os lucros.

Uma das formas mais comuns de elevar as margens de lucros é o não investimento em mecanismos de prevenção e controle de qualidade sobre os serviços prestados ou sobre os produtos colocados no mercado, de modo a ostentarem qualidade inferior ou não atenderem aos padrões mínimos de segurança. Pela racionalidade do mercado, é preferível pagar as eventuais indenizações a fazer o investimento necessário para o aperfeiçoamento dos serviços e dos produtos.483

O cálculo encetado pelos fornecedores leva em conta: a) o contingente de vítimas que por razões variadas não ingressam em juízo para obterem a tutela do direito lesado; b) o longo prazo para o encerramento das demandas, o que pode ser vantajoso por dois motivos: b.1) a parte prejudicada, cansada e já tendo despendido considerável soma de dinheiro na condução do processo, pode aceitar a composição amigável em condições pouco vantajosas apenas para se ver livre do processo; e b.2) ainda que o processo transcorra até final decisão favorável ao lesado, o manejo do lucro obtido no mercado financeiro pode render altas somas, até que o fornecedor tenha de desembolsar a quantia ressarcitória; c) por motivos vários, apesar do direito do lesado, a ação pode ser julgada apenas parcialmente procedente ou improcedente, o que resulta em ganhos ao fornecedor; d) o contingente de produtos que, a despeito de sua pouca qualidade ou segurança, não ensejam danos; e) a função meramente reparatória da responsabilidade civil, e f) os valores relativamente módicos arbitrados por nossos Tribunais

voluntária. Veja então como as penas privadas valem de fato a desencorajar a via da expropriação involuntária tornando preferível o acordo voluntário.

483

em termos de danos extrapatrimoniais.

Sobejam, pois, elementos favoráveis à racionalidade estritamente econômica dos fornecedores para relegarem a segundo plano a melhoria de seus produtos e serviços, ainda que os defeitos ou vícios possam ensejar ofensa à dignidade da pessoa humana.

ANDRADE484 relata que pesquisa realizada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob a coordenação do Desembargador Jessé Torres, intitulado de "Perfil das maiores demandas judiciais do TJRJ" revelou que mais de um terço das ações julgadas no período entre janeiro de 2002 e abril de 2004 pelo referido Tribunal diziam respeito à reparação de danos. Desse um terço, 32,3% (trinta e dois vírgula três por cento) das ações diziam respeito a 32 (trinta e duas) empresas, das quais, algumas, tinham altos índices de condenação. Uma delas, perdeu 96% (noventa e seis por cento) das 260 (duzentas e sessenta) ações em que figurava como Ré; outra, perdeu todas as 344 (trezentos e quarenta e quatro) ações ajuizadas contra ela. Constatou-se, outrossim, que, em segunda instância, 68% (sessenta e oito por cento) dos casos foram julgados em favor dos autores lesados, obrigando os fornecedores ao desembolso médio, por ação, de R$ 10.207,55 (dez mil, duzentos e sete reais e cinquenta e cinco centavos), a título de reparação de danos. Esses valores, frequentemente, não são pagos antes de 923 (novecentos e vinte e três) dias, ou seja, cerca de dois anos e meio. As 16 (dezesseis) empresas mais demandadas, ao que tudo indica, preferiram aguardar o julgamento definitivo dos processos a realizar os investimentos necessários à prevenção dos danos para os quais foram condenadas a pagar.

Nos Estados Unidos da América, o leading case ilustrativo do descaso do fornecedor, ao descumprir com a obrigação de eliminar os defeitos conhecidos do produto ficou conhecido como Pinto Case ou exploding Pinto (Grimshaw v. Ford Motor Co.)485, no qual a empresa americana preferiu arriscar-se a pagar indenizações por danos aos condutores do veículo do que incorrer nos custos necessários à correção de determinada falha de projeto.

Com efeito, devido ao material utilizado para a confecção e a localização do tanque de combustível, o carro da família Grimshaw, após pequena colisão traseira, incendiou-se, ocasionando a morte do proprietário e ferindo gravemente os passageiros. A FORD tinha

484

ANDRADE, Dano Moral e Indenização Punitiva ..., op. cit., p. 257. 485

conhecimento do risco e da inadequação do material utilizado para o fabrico dos tanques de combustível, mas preferiu não solucionar o problema devido aos custos envolvidos - de apenas 15 (quinze) dólares por veículo - em claro desprezo pela vida humana.486

Como relata LOURENÇO487, a partir do caso PINTO, os consumidores norte- americanos passaram a confiar a tutela do direito à vida e à integridade física aos punitive

damages, haja vista a insuficiência da compensação pecuniária e das disposições legais de

dissuadir os agentes econômicos de agirem sob a racionalidade estritamente econômica. Somente o recurso à indenização punitiva foi capaz de assegurar a adoção de comportamentos mais consentâneos com os ditames legais e em compasso com a valorização da vida e da integridade física da pessoa.

A indenização punitiva rompe, portanto, com a perversa equação de mercado, a inibir a conduta lesiva perpetrada sob bases estritamente econômicas. Como observa PIZARRO488, a utilização das indenizações punitivas:

(...) permitirián proteger en términos equitativos la libre competencia y, además, restablecer el equilibrio de fuerzas ante la situación de inferioridad de uno de los contratantes - v. gr., los produtores y comerciantes a veces no cumplen con una obligación y agravian al consumidor, sin preocuparse por las consecuencias, ya porque los daños son en cada caso pequeños o porque por esta u otras razones, dificilmente se los lleve a la justicia -. Los daños punitivos permitirián evitar estas conductas e incitarián a los consumidores e perseguilos judicialmente, vigilando las prácticas comerciales.

Temos, portanto, como certa a influência positiva exercida pela indenização punitiva na qualidade de reguladora do equilíbrio das relações de consumo e de mecanismo eficiente de dissuasão de comportamentos agressores da saúde, da integridade física e da vida do público consumerista.

486

A Ford não contava, entretanto, com a vultosa condenação em punitive damages arbitrada pela corte americana, no valor de US$ 125.000.000,00, posteriormente reduzido para US$ 3.5 milhões.

487

LOURENÇO, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, op. cit. 178. 488

PIZARRO, Daño Moral ... op. cit. p. 533.

Tradução livre: (...) permitirão proteger em termos mais equitativos a livre competência e, ademais, restabelecer o equilíbrio de forças ante a situação de inferioridade de um dos contratantes - v.g. os produtores e comerciantes às vezes não cumprem com uma obrigação e agravam o consumidor, sem preocupar-se com as consequências, seja que os danos são em cada caso pequenos ou porque por esta e outras razões dificilmente são levados à justiça. Os danos punitivos permitirão evitar estas condutas e incitarão os consumidores a persegui-las judicialmente, vigiando as práticas comerciais.

3.10.4 Defesa dos contratantes que se encontram em posição de