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Excessos das indenizações

CAPÍTULO III REPARAÇÃO DOS DANOS E INDENIZAÇÃO PUNITIVA

3.9 OBJEÇÕES À INDENIZAÇÃO PUNITIVA

3.9.1 Excessos das indenizações

O argumento mais corriqueiro contrário à indenização punitiva é, sem sombra de dúvidas, o suposto excesso de indenizações. Tanto que no direito norte-americano os punitive

damages são chamados de smart money ou tort lottery, desinência, esta, também aplicada no

Direito português399.

Porém, ao contrário do que se pretende fazer crer, a tônica da indenização punitiva não é criar novos ricos; mesmo nos Estados Unidos da América, os casos emblemáticos empregados para ilustrar o suposto absurdo das condenações tiveram seus valores revistos e reduzidos pela Suprema Corte Americana.

De acordo com estudo encetado pelo Bureau of Justice Statistics, do departamento de justiça norte-americano (U.S. Department of Justice) os punitive damages não são arbitrados nem com a frequência nem em valores tão exorbitantes quanto aqueles apregoados pelos seus combatentes.400

Pesquisa relativa aos julgamentos ocorridos nos 75 (setenta e cinco) condados mais populosos dos Estados Unidos da América revela que, no ano de 2001, apenas 6% (seis por cento)401 dos 6.504 (seis mil, quinhentos e quatro) processos judiciais julgados procedentes tiveram os punitive damages concedidos.402 Em metade destas ações, os demandantes receberam cinquenta mil dólares americanos ou mais a título de punitive damages. Os valores concedidos chegaram a um milhão de dólares americanos ou mais em apenas 41 (quarenta e uma) ações (12% de 356) e em apenas 9 (nove), do total de 356 (trezentos e cinquenta) ações

399

LOURENÇO, A função punitiva .... op. cit. p. 185. A autora menciona que alguns autores consideram os

punitive damages como "ganhar a lotaria".

400

No mesmo sentido Stephen C. Yazell (Punitive Damages, Descriptive Statistics, ande the Economy of Civil

Litigation, Notre Dame Law Review, 2025 (2004), disponível em http://scolarship.law.nd.edu/ndlr/vol79/iss5/9,

consultado em 3/12/2015. 401

Apenas 356 (trezentos e cinquenta e seis) 402

Punitive Damages Awards in Large Counties, 2001, March 2005, U.S. Department of Justice, Office of Justice Programs, Bureau of Justice Statistics, By Thomas H. Cohen, J.D., Ph.D., BJS Statistician, www.bjs.gov, acessado em 02/12/2015.

procedentes, os punitive damages totalizaram dez milhões de dólares americanos ou mais.

A média dos valores arbitrados para ações envolvendo disputas contratuais foi de oitenta e três mil dólares americanos e nas ações envolvendo delitos (torts) os punitive

damages foram arbitrados, em média, em vinte e cinco mil dólares americanos. Os punitive damages excederam os compensatory damages em apenas 39% (trinta e nove por cento) dos

casos. Nas ações envolvendo delitos o valor dos punitive damages chegou a ser quatro vezes maior do que os compensatory damages, e essa proporção subiu para 7 (sete) e 10 (dez) vezes nos casos relativos a acidentes de automóveis e injúria/difamação, respectivamente.

No ano de 2005403, os punitive damages foram solicitados em 12% (doze por cento) dos cerca de 25.000 (vinte e cinco mil) processos concluídos nas Cortes estaduais. Os punitive

damages foram concedidos em 700 (setecentos)404 processos dos 14.359 (catorze mil, trezentos e cinquenta e nove) nos quais o autor foi vencedor. Dentre os casos em que o autor da ação sagrou-se vencedor, 30% (trinta por cento) receberam os punitive damages. A média dos valores concedidos nos 700 (setecentos) casos antes mencionados foi de US$ 64.000,00 (sessenta e quatro mil dólares americanos) e somente 13% (treze por cento) desses casos tiveram condenações em valores iguais ou maiores a um milhão de dólares americanos. Em aproximadamente 30% (trinta por cento) desses casos, as condenações giraram em torno de duzentos e cinquenta mil dólares americanos.

Em 76% (setenta e seis por cento) de 632 (seiscentos e trinta e dois) processos atinentes a casos de compensatory e punitive damages, a razão entre o valor do punitive e do compensatory foi de 3 (três) para 1 (um) ou menos. Nesses casos, a média dos valores concedidos a título de compensatory e punitive foi similar, cerca de cem mil dólares americanos. Para os casos em que a relação do punitive para o compensatory foi de 3 (três) para 1 (um) a média do valor dos compensatory foi de cerca de vinte e dois mil dólares americanos enquanto os punitive damages foram de trezentos e cinquenta e dois mil dólares americanos.

403

Punitive Damages Awards in States Courts, 2005, March 2011, U.S. Department of Justice, Office of Justice Programs, Bureau of Justice Statistics, By Thomas H. Cohen, J.D., Ph.D., BJS Statistician and Kyle Harbacek, BJS Intern, www.bjs.gov/index.cfm?ty=pbdetail&iid=2376., acessado em 02/12/2015.

404

Os valores arbitrados pelo júri e pelos juízes diferem mais frequentemente em casos alusivos a punitive damages contratuais do que nos casos de delitos (torts). Normalmente o percentual de concessão de punitive damages em tort cases por juízes e júri é bastante parecido. Quando está em jogo a aplicação de punitive damages em contratos, a diferença mostra-se considerável, pois enquanto o júri concede a indenização punitiva em 20% (vinte por cento) dos casos, os juízes o fazem em apenas 2% (dois por cento).

Acresça-se, ainda, aos elementos anteriores, a decisão da Suprema Corte, de 7 de abril de 2003, no sentido de considerar inconstitucional o arbitramento de punitive damages em valor superior a 4 (quatro) vezes o valor da indenização compensatória405

De tudo o quanto foi exposto, não pairam dúvidas sobre a razoabilidade dos valores concedidos a título de indenização punitiva nas cortes norte-americanas. Alerte-se, porém, que razoabilidade não se confunde com modicidade. Os punitive damages por natureza não podem ser módicos, pois os tornariam inócuos aos fins a que se destinam, mas podem, como vimos, serem arbitrados com razoabilidade, em especial quando essa tarefa é exercida pelo juiz e não pelo júri, composto por leigos sem capacitação técnica e sujeito às emoções naturais de quem pode estar na mesma situação do demandante.

No Brasil, como bem pondera ANDRADE406, a chance de haver condenações desmesuradas é muito menor do que a existente nas cortes norte-americanas, exatamente pelo fato de que o arbitramento da indenização punitiva competirá ao juiz, "menos propenso a julgamentos passionais".

Ademais, como alerta o autor, o sistema recursal garante a revisão, pelas Cortes Superiores, dos valores concedidos pelo magistrado de primeira instância, o que certamente contribuirá para a razoabilidade dos arbitramentos, sem esquecer, repita-se, que razoabilidade não é modicidade.

Portanto, em nosso sentir, o argumento contrário à indenização punitiva pelo suposto excesso das indenizações não se sustenta, porquanto o ordenamento jurídico brasileiro contém

405

State Farm Mutual Automobile Insurance Company v. Campbell (538 U.S. 408, 123 S. Ct. 1513, 155 L. Ed. 2d 585, 2003 U.S. 2713), 7 de abril de 2003.

406

o ferramental necessário ao controle e refinamento dos eventuais valores exorbitantes concedidos pelo juízo de primeiro grau.

Parece-nos temerário acreditar que os mesmos padrões vigentes nas cortes norte- americanas seriam aplicados em nosso território, dada a diferença econômico-social dos países. O Brasil é capaz de fazer uso da indenização punitiva, mas certamente o fará em valores que observem a efetividade da função punitiva sem, contudo, torná-la absurda ou irreal.

Condenações cujos valores sejam tão desproporcionais que acarretem a bancarrota da empresa ou que simplesmente seja impagável por absoluta ausência de condições econômico- financeiras para tanto são, evidentemente, despropositadas e não atendem à finalidade da indenização punitiva.

Qual o caráter pedagógico de uma condenação desse jaez? Qual o benefício social conferido por tal postura do Judiciário? Evidentemente nenhuma. E se for assim, a indenização punitiva de nada servirá, pois não alcançará os seus fins.

Logo, na mensuração do quantum, o juiz deverá atentar para a eficácia de sua decisão judicial, no sentido de alcançar os fins desejados pela sociedade, de obter o devido restabelecimento ético das relações humanas, a preservação dos valores jurídicos e a manutenção saudável da economia.