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C Á EXISTEM DRAGÕES

II.2 O impresso de RPG

II.2.1 Definição e vizinhança

1. Impressos de role-playing game circulam ao lado de outros objetos que com eles compõem a “mochila” do RPGista – para nos recordarmos de uma imagem muito evocada por Andréa Pavão (2000). Eis alguns desses materiais que lhes fazem companhia:

Torment, Pool of Radiance, Temple of Elemental Evil, Neverwinter Nights I e II.

58 Vampire: the Masquerade – Bloodlines e Vampire: the Masquerade – Redemption.

59 Uma descrição mais cuidadosa das variedades de RPG a que chamei de jogo de mesa, aventura-solo e LARP

a. Dados (Figura II-1a). Boa parte dos role-playing games existentes requer o uso de dados, geralmente distintos daqueles de seis faces que encontramos em outros jogos. Quando dados de quatro, oito, dez e vinte lados (todos necessários para jogar Dungeons&Dragons, por exemplo) não eram fabricados no Brasil, a dificuldade em obtê-los era um empecilho freqüente para jogadores que, mesmo tendo um livro de regras em mãos, poderiam não ter como jogar. Além disso, em livros e revistas de RPG são comuns as remissões a lances de dados, de modo que certos trechos (como tabelas, listas ou determinadas formulações textuais) só podem ser lidos na suposição de um uso regulado desse tipo de material. Apesar disso, há títulos que dispensam os dados e propõem formas diferentes de realizar jogadas aleatórias: Castelo Falkenstein utiliza-se de cartas de baralho comuns, e os livros-jogo da série Lobo Solitário têm uma espécie de tabuleiro quadriculado sobre o qual o jogador deve lançar um lápis de olhos fechados, de modo que o resultado será o valor sobre o qual a ponta do lápis pousar.

b. Escudo do mestre (Figura II-1b). Trata-se de uma espécie de biombo cuja função

principal é permitir ao game master realizar certas jogadas sem que os jogadores vejam o resultado. Aquém do escudo do mestre normalmente ficam também anotações, fichas, mapas e outros documentos com informações restritas aos jogadores ou que só lhes serão mostrados em um momento determinado da aventura. Esses escudos podem ser improvisados, mas também podem ser comprados. Os kits de FirstQuest, publicados ao longo de 1995 pela Editora Abril, incluíam um escudo suntuosamente ilustrado, em cuja face interna havia uma série de regras e tabelas para referência rápida durante a partida.

c. Miniaturas (Figura II-1c). São figuras normalmente feitas em chumbo ou resina

que representam personagens típicas de um determinado jogo, como dragões, magos, guerreiros etc. Peças desse tipo podem ser colecionadas com a única função de adorno, e há jogadores que se dedicam a pintá-las cuidadosamente, mas também podem ser utilizadas como “peões” em jogos que envolvem o uso de tabuleiros. Uma forma mais simples e barata de miniaturas são figuras de papel-cartão destacáveis ou recortáveis, que podem ser encaixadas em bases de plástico para ficar de pé. Evidentemente, como o cavalo do xadrez de Saussure, uma série de improvisações caseiras também pode cumprir a mesma função.

d. Tabuleiros (Figura II-1d). Pode-se jogar certos role-playing games usando

numa perspectiva cartográfica, os espaços em que a aventura se desenrola – tipicamente, a planta-baixa de uma “masmorra”, mas também cenários abertos como campos, desfiladeiros ou cidades. Os jogadores posicionam sobre o tabuleiro peças que representam suas personagens, e as quadrículas são usadas em associação com regras específicas para calcular distâncias, determinar a posição de objetos ou representar a locomoção das personagens. Alguns jogos de RPG são jogados exclusivamente sobre um tabuleiro; livros e revistas por vezes trazem encartes que podem ser abertos e usados como tal. Jogadores freqüentemente esquematizam os cenários de suas aventuras em papel quadriculado, ou sobrepõem a seus desenhos folhas transparentes com algum tipo de grade impressa. Ademais, mapas e plantas baixas são um tipo de figura comum tanto nas publicações do gênero quanto no material produzido pelos jogadores, mesmo quando não têm qualquer função relacionada às regras do jogo.

2. Além desses itens, outros objetos freqüentes à mesa do role-playing gamer são planilhas de personagem (de praxe fotocopiadas a partir de um original no livro de regras) e uma miscelânea de papéis como lembretes, rascunhos, listas, contas matemáticas, bilhetes, desenhos e outras formas diversas de anotação que mostrarei um pouco mais adiante.

Há, enfim, os impressos. Mas de que estamos falando quando falamos em impressos de RPG? Uma cartografia mínima desse conjunto de coisas deveria reparti-las da seguinte maneira: impressos de RPG incluem livros de RPG e revistas de ou sobre RPG.

a. Livros de RPG existem em várias formas e pelo menos algumas delas se distinguem conforme os modos de leitura que pressupõem. Primeiramente, existem livros que são aventuras-solo, como comentava acima, às vezes chamados também de livros-jogo. Nestes livros destinados a um jogador solitário há um narrador que se dirige em segunda pessoa à personagem representada pelo leitor e, à medida que o enredo avança, oferece-lhe algumas opções sobre como proceder. Houve no Brasil diversas séries de livros-jogo desse tipo, dentre as quais a mais rememorada é Aventuras Fantásticas, publicada pela editora Marques Saraiva a partir do início dos anos 1990. Alguns jogadores comentam ter começado a se interessar por jogos de RPG por causa desses livros.

Há, em seguida, os livros de regras para RPGs de mesa. Estes são mais numerosos, mais variados e seguramente mais populares que as aventuras-solo. Não se destinam a um jogador solitário, mas ao potencial integrante de um grupo. Um traço marcante desse tipo de livro é o fato de que raramente se trata de uma publicação isolada: ao menos quando bem-

sucedidos, livros de regras tendem a formar séries de volumes associados. Em geral, o primeiro volume será um módulo básico: um livro que contém os essenciais de um dado sistema, dispõe sobre como montar personagens e aplicar regras em situações genéricas, ou ainda descreve um determinado cenário em que se passarão as aventuras desse jogo. Para uma partida de GURPS, por exemplo, supõe-se imprescindível ter à mão GURPS: Módulo Básico – aliás, o primeiro tabletop RPG americano a ser publicado no Brasil, em 1991. Para jogar Dungeons&Dragons, do mesmo modo, seria necessário dispor do Livro do Jogador de Dungeons&Dragons, acrescentando-se a isso o Livro do Mestre e o Livro dos Monstros se o desejo for especificamente o de atuar como game master.

Ao livro básico quase sempre se segue a publicação de uma série de suplementos agrupados sob a mesma logomarca. Suplementos podem ser livros que trazem regras adicionais – como GURPS: Magia, em que são dispostas regras detalhadas sobre feitiços e encantamentos. Podem ser livros que descrevem um cenário com inspiração no qual o mestre pode criar suas próprias aventuras – como Forgotten Realms, adendo a Dungeons&Dragons, no qual são descritas as regiões, cidades, povos, línguas, religiões, costumes e algumas personagens do planeta imaginário de “Abeir-Toril”. Suplementos podem ser, também, livros que trazem aventuras prontas esquematizadas para o mestre, com uma narração do enredo e suas possibilidades de desenvolvimento, mapas, descrição de locais e personagens importantes, desenhos de monstros ou artefatos a serem encontrados na história etc. Este é o caso, por exemplo, de Aventuras em Undermountain, lançado em 1995 para o Advanced Dungeons&Dragons da Editora Abril. Outros tipos de suplementos são livros que se prestam a uma elaboração mais detalhada do cenário ficcional que caracteriza uma certa marca sem fazer remissão explícita às regras ou a situações de jogo. Assim poderíamos descrever os “romances de clã” associados ao franchise Vampiro – romances, como se diz, mas cujo conteúdo desenvolve o pano de fundo do universo em que as aventuras desse jogo se passarão, e que podem procurados pelos jogadores tendo em vista uma prática do jogo. Há também romances ligados ao cenário de Forgotten Realms, como a série Vale do Vento Gélido de R. R. Salvatore. O Livro de Nod, apontado como “bíblia satânica” durante as investigações do caso de Ouro Preto, é um suplemento para Vampiro que contém poemas sobre a transformação de Caim num vampiro, mas quase não toca na questão das regras. Não é raro, enfim, que um livro de RPG reúna material dessas várias naturezas ou que suplementos de diferentes tipos sejam vendidos em kits.

Além da serialidade, outro traço marcante dos livros de RPG é a propensão à auto- sucedaneidade. Os módulos básicos de uma determinada franquia, encontrando acolhida boa o

suficiente, renovam-se a cada tantos anos, voltando em edições ampliadas, revisadas, reformuladas ou às vezes completamente modificadas. Um caso notório é o de Dungeons&Dragons: depois do lançamento de uma versão em tabuleiro, voltada para crianças, o jogo retornou pela editora Abril, em 1995, na sua segunda edição (acrescida do epíteto Advanced); em 2001, passando aos cuidados da Devir Livraria, ganhou uma terceira edição que consistia num novo conjunto de livros completamente reescritos, com um sistema de regras diferente do anterior – o chamado D20 System; enfim, em 2004 a mesma editora lançou o jogo mais uma vez, agora na edição que se convencionou designar como 3.5, cuja numeração fracionária mantém a vigência do D20 System mas cria expectativas para o surgimento de uma eventual quarta edição que o suplante. Também para as bandas da White Wolf Games algo semelhante se deu com a publicação de um módulo de regras genéricas, O Mundo das Trevas (2006), como sucessor dos livros de regras específicas que eram Vampiro: a Máscara (1994), Lobisomem: o Apocalipse (1995), Mago: a Ascensão (1997) etc. Evidentemente essa auto-sucessão dos livros de RPG tem como efeito fazer parecer obsoletas as versões anteriores dos mesmos livros e tornar suplementos antigos incompatíveis com as regras mais recentes, propulsionando uma forma de compra especificamente pautada pela suposição da necessidade de atualizar-se.

b. Revistas que tratam de role-playing games existem no Brasil quase há tanto tempo quanto livros de RPG. Essas publicações se propõem ora a falar sobre RPG através de reportagens, entrevistas e resenhas, ora a apresentar material suplementar para RPG como aventuras prontas, fichas de personagens, descrições de cenários ou mesmo traduções de trechos de livros ainda não lançados no Brasil. Em geral, procuram dirigir-se tanto ao eventual interessado no assunto quanto ao jogador experiente, e freqüentemente podemos discernir no seu interior os textos que se remetem a cada um desses públicos. Muitas dessas publicações, ademais, não tratam apenas de RPG, mas também de card games, jogos eletrônicos, comics e mangás, seriados televisivos, filmes, livros etc. Duas séries que gozaram de prosperidade e hoje são freqüentemente relembradas pelos jogadores da época foram a Dragão Dourado e a Dragon/Dragão Brasil, esta última ainda em publicação.

Algumas revistas talvez estejam a meio-caminho de ingressar na categoria de livros suplementares, porque dão preponderância ao material de jogo e reduzem sensivelmente o espaço dedicado a outros tipos de texto. Nessa linha, a revista D20 Saga auto-intitula-se um “suplemento bimestral” para o D20 System e traz textos do mesmo tipo que encontraríamos em livros: descrições de cenários de campanha, esquemas de aventuras, mapas, figuras,

emblemas, listas de monstros e armas etc. Parte de seu conteúdo ainda é semelhante ao das revistas convencionais, mas em proporções reduzidas: nela encontraremos artigos, contos, histórias em quadrinhos e anúncios publicitários. Além disso, alguns títulos que mais tarde receberam edições em forma de livro foram publicados pela primeira vez como números especiais de uma revista – tal é o caso de Arkanun e seus primeiros dois suplementos, Grimório e Trevas.

Disso se pode tirar que há uma região cinzenta na cartografia do impresso de RPG, bem ali onde a prática cotidiana do jogo e a constante busca por novos materiais faz turvar a diferença entre o livro e a revista. Essa ambigüização dos formatos parece dar testemunho de um itinerário comum do leitor role-playing gamer, e será alvo de algumas considerações mais cuidadosas no capítulo seguinte. Por ora, passemos a um mapeamento mais detalhado de algumas características e elementos que se mostram ao olhar que quem percorra o mundo dos RPGs.