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Ler uma leitura desde uma perspectiva histórica, como se pretende aqui, requer localizar os vestígios em que essa história de alguma maneira se escreveu. Em primeiro lugar evidentemente estão os impressos de RPG – um conjunto proeminente de escritos que carregam o testemunho das maneiras como foram lidos e que, estando aberto a constantes acréscimos, continuam sendo superfície de inscrição de uma leitura cuja história segue em movimento. Nessa série encontraremos, essencialmente, livros e revistas endereçados aos jogadores.

Ao lado de uma classe de objetos impressos há também uma série de escritos cujo estatuto resta definir, alguns publicados mas não impressos (caso dos escritos que circulam exclusivamente na internet), outros ainda impressos ou manuscritos mas não propriamente publicados (caso dos escritos produzidos por jogadores para seu próprio registro). Se for possível ampliar esse escopo, podem-se considerar também certos textos mais ou menos estáveis que surgem ora oralmente, ora por escrito, em circunstâncias tão variadas quanto palestras e conversas casuais, correspondência eletrônica e artigos divulgados na rede. Esses textos constituem um núcleo relativamente estável de saberes compartilhados, uma espécie de repertório de consensos, ou mesmo clichês e frases-feitas sobre o RPG, cujo suporte primeiro é a própria população de leitores responsável pela sua ocorrência nas mais diversas formas. O corpo do jogador, dessa forma, também pode ser considerado suporte de uma escrita, uma

cadeia significante que o enlaça à produção livreira e ao pulular eletrônico de cifras e números que circunscrevem o seu arsenal de leituras.

Por essa série de razões, tomar impressos de RPG como dados primários para uma análise da sua leitura não permite prescindir de outras fontes e procedimentos metodológicos complementares. Em visto disso, três séries de dados secundários reúnem-se ao corpus: a)

manuscritos de jogadores (planilhas de personagem, diários de jogo, roteiros de aventura,

sinopses de aventuras, tabelas, descrições de regras, desenhos e mapas etc.); b) entrevistas com jogadores, autores e editores de RPG; e c) trabalhos formais sobre RPG.

1. Dados primários. Segue abaixo uma relação mais detalhada dos itens que compõem do conjunto de dados primários23.

a) Aventuras solo da virada da década 1980-1990

Lone Wolf: the Kingdoms of Terror (Beaver Books: 1985)

Lone Wolf: Castle Death (Beaver Books: 1986)

Lobo Solitário: o Fugitivo das Trevas (Bertrand: 1989)

Aventuras Fantásticas: a Cidadela do Caos – 3ª edição (Marques Saraiva: 1990)

Aventuras Fantásticas: o Feiticeiro da Montanha de Fogo (Marques Saraiva: 1991)

Fúria de Príncipes. O Caminho do Feiticeiro (Marques Saraiva: 1991)

Aventuras Fantásticas: Prova dos Campeões (Marques Saraiva: 1993)

Aventuras Fantásticas: Blacksand! (Marques Saraiva: 1994)

Lobo Solitário: Mar em Chamas (Marques Saraiva: 1996) b) Série GURPS

GURPS: Módulo Básico – 1ª edição (Devir: 1991)

GURPS: Módulo Básico – 2ª edição (Devir: 1994)

GURPS: Basic Set – 3rd edition (Steve Jackson Games: 1993)

GURPS: Illuminati (Devir: 1995)

MiniGURPS: Regras Básicas (Devir: 1999)

MiniGURPS: Entradas e Bandeiras (Devir: 1999)

MiniGURPS: O Quilombo dos Palmares (Devir: 1999)

MiniGURPS: O Descobrimento do Brasil (Devir: 1999)

MiniGURPS: As Cruzadas (Devir: 1999)

MiniGURPS Aventura Solo: No Coração dos Deuses (Devir: 2000)

MiniGURPS: O Resgate de “Retirantes” (Devir: 2003) c) Série Vampiro: a Máscara

Vampiro: a Máscara – 1ª edição (Devir: 1994)

Os Caçadores Caçados (Devir: 1997)

Vampiro: a Máscara – 3ª edição (Devir: 1999)

O Livro de Nod (Devir: 1999)

Vampiro: a Máscara. Teatro da Mente. Leis da Noite (Devir: 2001) d) Série Dungeons&Dragons

Advanced Dungeons&Dragons: Livro do Jogador – 2ª edição (Abril: 1995)

Advanced Dungeons&Dragons: Livro do Mestre – 2ª edição (Abril: 1995)

Advanced Dungeons&Dragons: Forgotten Realms (Abril: 1995)

Advanced Dungeons&Dragons: First Quest (Abril: 1995)

Karameikos (Abril: 1995)

Dungeons&Dragons: Livro do Jogador – 3ª edição (Devir: 2001)

Dungeons&Dragons: Livro do Mestre – 3ª edição (Devir: 2001) e) Títulos brasileiros

Tagmar (GSA: 1991)

Desafio dos Bandeirantes (GSA: 1992)

Millenia (GSA: 1995)

Arkanun – 1ª edição (Trama: 1995?)

Arkanun: Grimório (Trama: 1996)

Invasão (Trama: 1996)

Era do Caos (Akritó: 1997)

Anjos: a Cidade de Prata (Daemon: 1998)

Demônios: a Divina Comédia (Daemon: 1999)

O Livro das Lendas: Aventuras Didáticas (Zouk, 2006)

Curumatara: de Volta à Floresta (Devir: 2006)

f) Avulsos

Call of Cthulhu (Chaosium, 1995)

Wraith: the Oblivion (White Wolf: 1996)

Castelo Falkenstein (Devir, 1998)

As Extraordinárias Aventuras do Barão de Munchhausen (Devir: 2000)

O Livro Completo do Homem das Cavernas (Devir: 2003) g) Aparições do RPG em livros didáticos

Português em Outras Palavras. 6ª série (Scipione: 1997)

Português em Outras Palavras. 7ª série – edição revista (Scipione: 2002) h) Periódicos

Título (editora) Número de fascículos

Revista Dragon Magazine (Abril) 14

Revista Dragon/Dragão Brasil (Trama) 25

D20 Saga (Mantícora) 5

RolePlaying (Escala) 6

Só Aventuras (Trama) 9

Grimorium (Escala) 2

Saga (Escala) 3

The Universe of RPG (Ediouro) 3

Caderno RPG (?) 4

Dragão Dourado (?) 1

Arkhan (Escala) 1

Os itens acima encontram-se agrupados de acordo com sua inserção em categorias relevantes para a análise e organizados, dentro de cada categoria, em ordem cronológica24. Sob a letra a) encontram-se representantes de uma primeira inserção dos role-playing games no Brasil na forma de aventuras-solo25 simples, lembradas diversas vezes durante as

entrevistas. As letras b), c) e d) agrupam edições dos três sistemas de regras mais proeminentes no mercado brasileiro, GURPS, Vampiro: a Máscara e Dungeons&Dragons. A letra e) agrupa itens bastante variados, mas postos em série por representarem o conjunto de

24 No caso de termos à disposição edições estrangeiras, arrolamo-nas em adjacência à edição nacional

correspondente, deixando de lado o critério de ordem cronológica.

livros de RPG escritos e publicados por autores brasileiros. O avanço nas coordenadas temporais permite entrever alguns dos direcionamentos que essa produção tomou e que se distinguem dos rumos seguidos pelas publicações estrangeiras traduzidas. Na letra f) constam alguns livros avulsos que não se enquadraram nas grandes séries anteriores e a letra g) reúne materiais de RPG explicitamente nomeados que figuram em livros didáticos. Sob letra h), por fim, encontram-se itens representativos do grande número de revistas sobre RPG que circularam e ainda circulam no mercado. A partir desse corpus, esperamos ter um recorte abrangente no tempo e que contemple uma diversidade de editoras, temas, marcas e públicos do RPG no país.

2. Dados secundários. No tocante aos dados secundários, dispomos de: a) 768 imagens escaneadas de escritos e desenhos produzidos por jogadores para suas partidas de RPG; e b) 27 entrevistas realizadas desde o início das pesquisas de Mestrado.

a. Manuscritos de jogadores. Este conjunto de dados é por si só bastante vasto, de modo que haverá um item exclusivamente dedicado a descrevê-lo (Capítulo II.2). Assumi como critério de pertinência a própria seleção realizada pelos jogadores que os emprestaram — isto é, uma vez solicitado que fornecessem rascunhos e anotações, considerei relevante tudo o que recebi, supondo que o recorte do supostamente apresentável ou passível de interesse do pesquisador também pode conter pistas sobre uma forma de ler role-playing games. Seis colaboradores disponibilizaram seus próprios escritos e, algumas vezes, também os de colegas de jogo, de forma que o conjunto todo é um pouco mais abrangente que a produção individual dos role-playing gamers com que tive contato direto. Em todo caso, a amostra não tem como finalidade uma apreciação estatística ou generalizante, mas conta sobretudo como conjunto de dados analisáveis em sua unicidade26. Os jogadores que contribuíram emprestando material escrito estão designados como J1, J2, J3 etc. Uma descrição breve de cada um pode ser encontrada no Apêndice A.

b. Entrevistas. Foram realizadas com jogadores, autores e editores de RPG entre os anos de 2003 e 2006. Algumas foram agendadas mediante contato prévio com os entrevistados e outras foram realizadas sem agendamento com freqüentadores de lojas,

26 Reporto ao trabalho de Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson (1997) sobre o dado único na análise da produção

de crianças em desenvolvimento da escrita. Embora os escritores em questão neste trabalho certamente não estejam na mesma faixa etária nem vivam o mesmo momento de aprendizagem, vale antes de tudo uma perspectiva semelhante de tratamento do dado, conforme deve ficar mais claro no próximo capítulo.

encontros e eventos de RPG. As entrevistas estão designadas por numerais romanos conforme a ordem cronológica em que foram realizadas e os entrevistados são referidos como E1, E2, E3 etc. Uma tabela ao fim do trabalho (Apêndice B) associa cada entrevista a uma breve descrição dos participantes. A transcrição adotada nas referências às entrevistas dispensou a maior parte das repetições, reformulações, hesitações e alongamentos que caracterizam o texto conversacional a fim de tornar a leitura dos dados mais direta, mantendo-as apenas nos casos em que fossem relevantes para a análise. Também não estão representados elementos supra-segmentais como variações de intensidade ou altura da voz. Pausas estão representadas pelos sinais de pontuação convencionais da escrita, sendo as mais longas assinaladas por reticências.

c. Trabalhos formais sobre RPG. Neste conjunto incluem-se 27 títulos bastante diversos que representam a produção formal sobre o tema dos role-playing games. Incluem-se aqui artigos e resumos expandidos apresentados em eventos acadêmicos, escritos avulsos da internet, algumas dissertações de mestrado, uma monografia de especialização, uma tese de doutoramento e dois textos publicados como livros. Já comentei alguns desses trabalhos alhures27 e não os retomarei aqui; outros se acrescentam ao conjunto e serão convocados conforme complementem ou acrescentem algum elemento à análise dos impressos.

Dentre esses trabalhos há pelo menos dois grandes grupos que merecem algum comentário. Parte deles consiste no relato ou planejamento de experiências de ensino nos mais variados níveis com instrumentos ou materiais elaborados sob a inspiração dos role-playing games. Alguns projetos propõem levar os alunos a produzir um jogo de RPG, em muitos casos através da programação ou utilização de softwares (Aguiar, 2003; Axt et al.. 2001; Bittencourt e Giraffa, s/d28; Lacerda, s/d; Rosa, 2004); outros propõem desenvolver um jogo

para ser aplicado em sala de aula com o objetivo de levar os alunos a estudar determinados assuntos ou realizar certas tarefas avaliáveis através de outros instrumentos (Fonseca Neto, s/d; Fujii et al., s/d; Nascimento Jr. e Pietrocola, s/d; Martins, E. B., 2005). Em geral, trabalhos como esses partem da hipótese de que o jogo será um estímulo para o empenho dos alunos mas, quando há dados de campo, muitas vezes trata-se apenas do relato de episódios que de alguma maneira confirmam essa hipótese. Embora se fiem nesse tipo de expediente, o cabedal teórico que apresentam não é aplicável à própria análise de entrevistas ou

27 No Capítulo IV de minha dissertação de mestrado (op. cit.).

28 Quando os textos não trazem uma data de publicação (caso dos textos mantidos em sites da internet, por

exemplo), eles serão referidos apenas pelo nome do autor. Nos casos em que o documento acessado pela internet apresenta uma data de publicação, adotei-a na referência também.

depoimentos, de modo que o registro resta apenas como afirmação dos autores. Seria preciso considerar, ademais, até que ponto esses trabalhos estão relacionados a outros que não tematizam particularmente os role-playing games, mas que também se sustentam na proposta de levar à escola qualquer atividade pela qual se possa subtrair a participação do professor em outra posição que não a de observado ou destinatário.

Um segundo conjunto de itens dentre esses dedicam-se a analisar os role-playing games independentemente de experimentações com finalidades didáticas. Alguns buscam descrever um ou outro aspecto do ponto de vista de um modelo teórico, abrindo espaço para que certas afirmações sobre o jogo sejam interpretadas como pertencentes ao registro de um viés científico. Muitas vezes esse procedimento consiste apenas em situar pontos do jogo que podem ser descritos de maneira semelhante a um aspecto de determinada teoria. Assim, por exemplo, um artigo de Rocha (s/d) busca demonstrar que a prática dos role-playing games é equiparável ao que Walter Benjamin descreve como “narrativa” e que declara fadado ao desaparecimento, e um artigo de Aguiar (2002) faz o mesmo em relação à “abordagem sistêmica”. Também Higuchi (2000) parece fazer o mesmo ao buscar aplicar as “funções” de Propp sobre um enredo de RPG como se este fosse um conto maravilhoso. Em que pese o valor heurístico de um tal expediente, que pode abrir portas para a exploração de aspectos pontuais do RPG, o limite de sua viabilidade é o próprio risco de se usar o dado para retratar a teoria, acrescentando a ela pouco mais que um exemplo episódico.

Os trabalhos reunidos neste conjunto estão relacionados numa lista que segue ao fim do trabalho (Apêndice C). Eles serão mencionados eventualmente, mas não nos interessarão tanto pelo fato de as suas explorações teóricas não contribuírem especificamente ao tipo de análise que intentamos aqui. Aqueles aos quais mais recorrerei, em diferentes momentos, são um artigo de David Waldron sobre o “pânico moral” disparado nos EUA pelo caso Pulling (de alguma maneira semelhante ao que ocorreu em Ouro Preto), um texto do site da ilustradora Eliane Bettocchi e um artigo de Jane Maria Braga sobre as práticas de leitura e escrita de role- playing gamers. Nos Capítulos IV e V discutirei mais detidamente um artigo de Bettocchi sobre as personagens ilustradas em livros de RPG e alguns pontos da dissertação de mestrado de Alexandre Zorio de Mattos, que analisa os livros da franquia Vampiro: a Máscara sob a orientação da Análise do Discurso.

Isso posto, podemos passar a algumas considerações teóricas que nos prepararão para a leitura de impressos de RPG no Brasil.

Capítulo I