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2 A FENOMENOLOGIA DO DELÍRIO MÍSTICO

2.3 O DELÍRIO: UM PARADIGMA PSIQUIÁTRICO

A concepção acerca do delírio como juízo falso da realidade nos motiva à compreensão do pensamento do filósofo e fenomenólogo Karl Jaspers (1973). Afinal, com sua proposta explicativa-compreensiva, ele influenciou e determinou os rumos da psicopatologia e da psiquiatria no ocidente. Vemos que Jaspers buscou ir além do modelo meramente explicativo e causal, mas o que percebemos é um predomínio deste modelo no ocidente, tornando-se inclusive protocolo na assistência às pessoas com transtornos mentais. Desconsiderar o modelo compreensivo jasperiano, ou mesmo reduzir sua obra a um momento do seu pensamento, acaba por refletir em problemas epistemológicos no modo de se fazer esta ciência do homem.

No caso específico do delírio, que é o que aqui nos interessa, o autor acentua que, para que possamos compreendê-lo, temos que considerar o tempo e o espaço para a pessoa que vivencia tal experiência, já que estas orientações estão sempre presentes na sensibilidade e são universais. Ou seja, nenhuma sensação, objeto sensível, representação, se acham fora dessas categorias de modo a priori. Assim, com o espaço e o tempo, realizamos a total interiorização do mundo que nos está presente. Jaspers (1973) mostra que um e outro não existem por si, mesmos quando estão vazios, nós só os temos sempre em ligação com objetos que os preenchem ou os delimitam.

Estas concepções acerca do espaço e tempo nos auxiliam a pensar o delírio, já que, segundo Jaspers (op. Cit.), este caracteriza-se, do ponto de vista lógico, como uma representação desvirtuada e que se mantém incorrigível.

O autor diz ser o delírio um fenômeno primário e nossa tarefa é evidenciá-lo. Trata-se de um modo de vivência da realidade que, para ser descrito, deve-se levar em conta que o real é o

que percebemos corporalmente, a realidade está na consciência do ser e que o real é o que nos opõe resistência.

Quando pensamos no delírio como juízo falso da realidade, vemos com Jaspers (1973) que o juízo da realidade, provêm da elaboração pelo pensamento de experiências imediatas. Ou seja, o juízo pertence a unidade que compreende a res cogitans e res extensa e não a sua dicotomia. E o real é o que se mantêm e se confirma no exame; e que é acessível ao conhecimento idêntico de todos e não apenas subjetivamente privado. Assim, características da realidade, na forma como se apreende, no juízo da realidade, são para Jaspers somente o que se mostra real, no contexto da experiência, e não uma experiência particular por si. Mas o filósofo diz que a realidade é relativa, i.e, na medida em que ela é conhecida como tal e se mostrou assim; a realidade é concluída e repousa no conhecimento e em sua certeza, não na corporeidade e na vivencia imediata da realidade como tal, que são pontos de apoio indispensáveis, mas constantemente em movimento dentro da razão.

Para entendermos estas características da realidade, é importante compreender a noção de mundo em Jaspers (1913). O filósofo considera que o mundo não é um objeto e sim uma ideia. Tudo que conhecemos está no mundo e nunca é o mundo. Assim, adquirimos consciência do nosso ser quando somos existência, produzimos linguagens, instrumentos. Neste sentido, somos consciência, de modo que tudo o que é pode ser conhecido nas formas da objetividade. Também somos espírito, já que vida espiritual é vida de ideias, ideias práticas de missões, tarefas para nossa realização, ideias teóricas do mundo, da alma, da vida, o que nos conduz a modos de impulsos que temos em nós, para a totalidade de sentido que tem na coisa, como método sistemático de penetração, apropriação e de realização.

Para Jaspers (op.cit.), esses modos em que somos no mundo são manifestados empiricamente de modo adequado como objeto da investigação das ciências, seja biológicas, psicológicas, sociológicas ou do espírito, mas com estas manifestações não esgotamos nosso ser. Temos uma essência que, segundo o autor, se manifesta na insuficiência que o homem experimenta em si, numa constante inadequação à sua existência, ao seu saber e ao mundo espiritual. Com efeito, Jaspers (op.cit.) nos diz que o juízo da realidade de uma conexão compreensível repousa não só na evidencia respectiva, mas, sobretudo, no material objetivo de pontos de apoio tangíveis como conteúdos verbais, criações mentais, atos, modos de vida,

movimentos expressivos, nos quais a conexão vem a ser compreendida. Para o autor, estas objetividades permanecem sempre incompletas.

O filósofo diz que, no campo do delírio, podem-se estabelecer os limites da perda da consciência do ser e da existência, de modo que há uma transformação na consciência global da realidade. Esta consciência se constrói sobre as experiências de julgamento, do mundo da prática, das resistências e significações. Neste sentido, para o autor, o delírio se comunica em juízos, já que só onde se pensa e se julga pode nascer um delírio. Os juízos patologicamente falsos são chamados de ideias delirantes pelo autor, ressaltando a convicção com que lhes adere, a certeza subjetiva, incomparável; a impossibilidade de influenciamento da parte da experiência e de raciocínios constringentes e a impossibilidade do conteúdo enquanto julgado por um critério lógico-racional.

Procurando-se penetrar por trás destas características psicológicas mais externas das ideias delirantes, Jaspers (op.cit) pontua que devemos distinguir, em primeiro lugar, as vivências primárias e os juízos emitidos com base nelas. Neste ponto, pensamos no contexto histórico em que Yokaanam foi diagnosticado pela psiquiatria. Vemos que esta foi chamada para responder ao processo judicial acerca da saúde mental de Yokaanam, que concluiu tendo como premissa estes critérios Jasperianos, de que Yokaanam era delirante. Mas como veremos no relato de Yokaanam, ele não foi impedido de prosseguir. Interessante ver que a maior parte das experiências ditas psicóticas delirantes místico religiosas não conseguem progressão na sociedade, o que não ocorreu com Yokaanam.

Quando pensamos com Jaspers acerca da origem do delírio, vemos a necessidade de distingui-lo em duas grandes classes: uns se originam, de modo compreensível para nós, de vivências afetivas, relacionadas, por exemplo, aos sentimentos de culpa, percepções falsas ou em alterações de consciência. Outros não são suscetíveis de serem seguidos psicologicamente; e são, do ponto de vista fenomenológico, algo de último e derradeiro, ou seja, são percepções delirantes onde há uma ligação inexplicável entre a atividade cognitiva e a percepção. Os primeiros são chamados ideias deliróides e os últimos, de autênticas ideias delirantes. O fenomenólogo nos diz que, em toda falsa percepção autêntica, vivencia-se a necessidade de considerar real o objeto; essa vivência de necessidade continua, mesmo depois de corrigido o juízo falso sobre a realidade, caso este resulte de contexto global da percepção e do conhecimento.

Segundo Jaspers (op. cit.), se a correção for compreensível pela situação e o sujeito da vivência persistir no juízo falso da realidade, apesar de conhecer as razões em contrário, tratar-se- á então de uma ideia delirante, pois esta já não nos é compreensível apenas a partir da falsa percepção, mas por conhecer as razões em contrário. Assim, nas ideias deliróides, há apenas uma tendência a falsa percepção, tendo mais uma inclinação para juízo da realidade. Já na ideia delirante fica à convicção acerca de uma percepção que é falsa.

Concordamos com Jaspers, que, ao tentarmos nos aproximar das vivências delirantes primárias, logo notamos que não nos é possível apresentar de maneira concreta os modos de vivência estranhos para nós. Sobra sempre um resto de algo incompreensível, inapreensível e imperceptível.

Jaspers (op.cit.) diz que as percepções delirantes vão desde vivências de significação imprecisa até claros delírios de observação e auto-referência, nos quais os conteúdos de percepção e os acontecimentos estão todos em relação manifesta com sua pessoa. Não se trata aqui de interpretações judicativas, mas se vivenciar imediatamente o significado numa percepção normal e imutável em seu aspecto sensorial.

Em outros casos, diz o fenomenólogo, não se atribui às percepções nenhuma significação claramente determinada. Os objetos, as pessoas e processos tornam-se lúgubres, provocam horror ou são esquisitos, curiosos, enigmáticos ou sobrenaturais, espirituais. Do mesmo modo, os objetos e processos significam algo, mas não significam algo determinado, específico. Acabamos então por perceber a incorrigibilidade do fenômeno, já que as formações delirantes que se encontram nos diversos pacientes nascem numa mistura multiforme das vivências delirantes autênticas descritas, das falsas percepções e de todas as outras vivências primárias antes enumeradas.

Jaspers (op.cit.) diz que, após a primeira produção de pensamentos delirantes a partir de vivências, o doente dá, em muitos casos, o segundo passo de manter tais pensamentos como verdade, conservando-os contra todas as demais experiências e todas as razões numa convicção que supera a certeza normal, chegando até a destruir totalmente as dúvidas ocasionais, surgidas de início.

O autor considera que o delírio autêntico é incorrigível devido a uma modificação da personalidade, cuja essência não podemos descrever, nem formular conceitualmente, mas que devemos pressupor. O decisivo não é uma intensidade qualquer de evidência imediata, mas a

persistência da evidência na reflexão e crítica. E esta persistência não se pode compreender nem como modificação de uma função de pensamento, de um ato, nem como uma confusão, nem como o fanatismo normal de pessoas dogmáticas.

Assim, Jaspers (op.cit.) ressalta algo importante para o diagnóstico diferencial do delírio. Ele diz que o pensamento está presente em todas as tarefas, desde o fato perceptivo até a linguagem, mas só falamos em distúrbio do juízo quando estão em ordem a percepção, a memória, a motricidade, a linguagem ou quando os distúrbios específicos respectivos se distinguem daquilo que produz um falso juízo.

O filósofo reconhece que o delírio é um dos grandes enigmas que se nos apresentam, só sendo possível de interpretar se conseguirem determinar com precisão os fatos do delírio. Questiona, então: se chamamos delírio qualquer juízo falso, incorrigível, essa realidade humana universal, quem haverá que não delire, desde que, afinal, seja capaz de uma convicção?

Neste sentido, Jaspers (op.cit.) diz que quem pensa serem ideias delirantes as ilusões fecundas que se vêem na vida dos povos e na existência do indivíduo, acaba por tratar como se fosse doença alguma coisa que é traço básico no ser humano. O autor considera que a questão está muito mais em saber no que se funda a incorrigibilidade e de que modo se podem, a partir daí, reconhecer como delírios certos modos específicos de formar juízos falsos. Seguindo esta linha de pensamento, vemos que Jaspers (op.cit.) compreende o delírio em seu rendimento psicológico, em sua fenomenologia, em sua compreensão genética e no entendimento global de seu significado factual.

O fenomenólogo faz uma distinção entre o delírio e as ideias delirantes, considerando que temos de um lado aquelas ideias cujo conteúdo é pessoalmente relevante, porque se relaciona com o indivíduo, em forma de delírio de prejuízo, perseguição, inferioridade, pecado, empobrecimento, etc. e, de outro lado, as ideias delirantes objetivas, cujo conteúdo diz respeito a um interesse geral: os conhecimentos presumidos, o delírio de invenção, a defesa de teses teóricas, as chamadas ideias fixas de conteúdo objetivo, mas também com a característica de ocuparem absolutamente todos os pensamentos do indivíduo.

Assim, vemos com o filósofo que toda compreensão de processos reais particulares subsiste, mais ou menos, como interpretação, e só em casos raros se consegue alcançar graus de perfeição do material objetivo convincente. Se compreendemos, diz ele, é na medida em que os dados objetivos dos movimentos expressivos, atos, manifestações verbais, auto narrações,

impõem, mais ou menos, semelhante compreensão. O autor ainda diz que, liberta de qualquer realidade concreta, é evidente uma conexão psíquica, mas só podemos afirmá-la na medida em que nos são fornecidos os dados objetivos. Assim, Jaspers (op. Cit.) chama nossa atenção para estes dados objetivos, ressaltando que, quanto mais os interpretamos, menos os compreendemos. Nesta perspectiva compreensiva, Jaspers (op.cit.) destaca o caráter inefável da experiência vivida, já que esta conserva sempre um fundo remanescente inexaurível.

Por outro lado, Jaspers (op. cit.) também chegou a propor modos explicativos para se definir o delírio. Nesta perspectiva explicativa e em vigor na psicopatologia clássica e ocidental, o autor diz que o delírio é marcado pela incompreensibilidade, tendo as seguintes características essenciais:

- O doente apresenta uma convicção extraordinária, uma certeza subjetiva praticamente absoluta.

- É impossível a modificação do delírio pela experiência objetiva, por provas explícitas da realidade, por argumentos lógicos, plausíveis e aparentemente convincentes. Assim, diz-se que o delírio é irremovível, mesmo pela prova de realidade mais cabal.

- O delírio é um juízo falso, no sentido de que seu conteúdo, se compreendido de modo literal, é sempre da ordem do impossível.

- O delírio é uma produção associal, idiossincrática em relação ao grupo cultural do doente. O indivíduo produz seus símbolos individuais.

Destacamos que nossa intenção com a exposição acerca do conceito de delírio não é o confronto com este saber da psicopatologia já consolidado há anos, mas sim pensarmos como este saber tem sido utilizado na condução de tratamentos das pessoas que chegam aos serviços de saúde mental, tendo manifestações religiosas e/ou espirituais. Será que os profissionais psicopatologistas tem sido compreensivos ou somente explicativos na percepção dos fenômenos? Pensamos que este é um assunto relevante para ser compartilhado e discutido com toda a equipe multiprofissional que atende estas pessoas.

Segundo Francisco Martins (2003), psicanalista e psiquiatra brasileiro, as análises de Jaspers se vêem limitadas pelo fato de apreciarem o delírio apenas do seu ponto de vista formal, colocando-se o observador externamente a toda situação de produção da linguagem ordinária a partir de um sistema simbólico mediador. Neste sentido, Martins (op. cit.) nos diz que Jaspers

indicia as características de todo delírio primário, que corresponderiam à realidade de todo e qualquer delírio verdadeiro, delimitando formalmente o que qualificava de juízos patologicamente falseados, conforme se segue:

 Impossibilidade de conteúdo (inverossimilhança);

 Certeza subjetiva calcada em uma convicção inabalável sobre o que se profere;

 Impossibilidade de ser influenciado por outrem (incorrigibilidade).

Para Martins (op. cit.), então, os três critérios jasperianos para o delírio ficam relacionados com dimensões da linguagem: conteúdo (semântica), convicção (enunciação) e corrigibilidade (pragmática), unificados em torno da exigência de verdade absoluta, inconteste e da mais alta sinceridade. Destaca ainda que a concepção jasperiana nos leva para a consideração do delírio como um produto do sujeito e não como algo que evidencia, pela sua morbidez, a quebra do ato produtor do Eu e do seu mundo. Assim é que, dentro de suas referências absolutas, ideais, Jaspers vai conceber esta quebra como uma descontinuidade de uma suposta linha de vida, estável, de uma personalidade pré-mórbida que agora, na incipiência do processo psicótico, por exemplo, transforma-se radicalmente sem que haja qualquer possibilidade de compreensão intrínseca do fenômeno, uma quebra na possibilidade de compreensão genética tanto das psicoses em geral quanto dos delírios em particular.

A principal consequência deste tipo de raciocínio, segundo Martins (2003), é a de se pensar as produções psicóticas não mais como o produto de uma pessoa, mas de um dispositivo neurobiológico supostamente alterado e do qual teremos pleno conhecimento e domínio de seu funcionamento com o desenvolvimento científico futuro. Outra consequência próxima é a de se assimilar o processo psicótico a um também suposto processo orgânico mórbido de base e que daria sustentação, em última análise, às transformações no status existencial do paciente e às suas produções sintomáticas.

Com estas considerações movidas por um raciocínio fenomenológico, Martins (2003) propõe que não é a doença que é processo, mas sim que todo o Eu e todo seu engendramento do mundo simbólico é que são “processuados”. Portanto, qualquer falha neste ato fundante e constituidor, noético, se manifestará, enquanto noema, como um processo. Diz o autor:

Todas as produções enquanto percipiens ou cogitans (noése) só se darão ao nosso conhecimento de observador externo enquanto perceptum ou cogitatum (noema), permanecendo sempre aberta esta falha na possibilidade de compreensão de qualquer fenômeno egóico ou do pensamento que seja de natureza processual. (MARTINS, 2003, p. 268)

Compreendemos o termo noesis como uma atividade subjetiva da consciência, é a exploração do sol da consciência, é a originação do pensamento. Atividade noética é atividade de conhecimento. É o ponto inicial a partir do qual instauramos a nossa ação cognoscitiva pela via do pensamento. (GUIMARAES, 2013)

Já noema é a unidade significativa encontrada no objeto. A novidade desses termos pode ser traduzida pela verificação do fato de que existe uma fundamental relação noético-noemática na intenção eidética, ou seja, no plano da descrição das essências. O mesmo quer dizer em relação à dicotomia sujeito-objeto que agora é compreendida na interação consciência-mundo. (GUIMARÃES, 2013)

Podemos pensar assim que, ao relacionarmos a religião à psicopatologia, de algum modo psicopatologizando os fenômenos religiosos, estamos contrariando a noção de noema, pois fechamos as possibilidades de percepção do fenômeno a uma única apenas, que o engessa num discurso de saber e poder. Por outro lado, quando passamos a considerar que os modos de existência no mundo determinam o modo como a pessoa escolhe, vive, interpreta e experimenta a religião e a religiosidade, podemos dar outros destinos a nossa percepção diante de fenômenos religiosos e/ou psicopatológicos.

Martins (2003) nos diz que Jaspers peca, talvez por excesso de otimismo ou esperança em explicações científicas futuras, acreditando que, neste campo, há fenômenos que podem ser compreendidos e outros não.

Vemos que estas considerações acerca do delírio estão muito relacionadas ao domínio racional empírico, porém ainda hoje percebemos que as suas definições conceituais não conseguiram abarcá-lo em sua complexidade, sobretudo quando vemos no delírio um misticismo atrelado.

Com Kant, tecemos considerações que nos servem de fundamento epistemológico, ressaltando o aspecto sensível na ciência psicológica. O próprio Kant reconheceu sua existência, mas teve dificuldades de ver a psicologia como ciência. Assim, vemos o cuidado de Kant ao elaborar seu pensamento acerca da noção de juízo e sua constatação de que os juízos sintéticos a priori são aqueles que nos servem de fundamento à ciência, mas o interessante é que estes não se encontram na experiência.

Interessante apontar que este filósofo, representante do racionalismo, tenha apresentado este pensamento um tanto contraditório acerca da ciência, contrariando justamente o viés tradicional positivista.

Assim, nossa noção de delírio vai ficando mais ofuscada, sobretudo quando nos remetemos a Karl Jaspers (1913), que com sua postura compreensiva, nos surpreende com ideias que acabam muitas vezes não sendo transmitidas àquele leitor que se dedica a psicopatologia geral. Vemos que este último filósofo ultrapassa o nível explicativo ao refletir acerca do tempo e do espaço como determinantes para se pensar na constituição de um delírio. Vemos ainda que, ao se referir ao delírio como juízos falsos da realidade, sendo definidos a partir de sua forma e seu conteúdo, Jaspers (op. cit.) acaba limitando a compreensão do fenômeno e é o que Martins nos mostra, a partir de uma perspectiva fenomenológica e psicanalítica. Merleau Ponty (1945) também nos inspira numa perspectiva que aponta o quanto o pensamento ocidental foi prejudicado por esta vertente baseada no julgamento.

As considerações filosóficas desenvolvidas até aqui nos servirão para buscarmos na próxima sessão a compreensão do que a psicopatologia caracteriza como delírio místico e quais as suas relações com fenômenos religiosos ou espirituais.