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CAPÍTULO III – O MANDATO POLÍTICO: REPRESENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO

4. DEMOCRACIA LÍQUIDA

Amparado nas potencialidades das novas tecnologias de informação e comunicação surge um modelo híbrido de regime político; uma nova modalidade de democracia que traz consigo outra forma de mandato.

Denominada de “líquida”, esse tipo de democracia se mantém fiel aos princípios da soberania popular e da participação. A mudança reside no fato de estar totalmente nas mãos do povo - independentemente de como cada ordenamento defina esse termo - o poder de decidir quando a participação nas decisões governamentais será direta ou indireta. Além

23 O termo Accountability consiste em definir a busca pela manutenção dos ideias democráticos na condução dos

governos, honrando as demandas sociais. Para tanto, defende ser imprescindível a máxima transparência da esfera pública, incluindo fiscalização interna, real independência dos Poderes, e fiscalização mútua destes

disso, quando a representação se der por via indireta, o representante poder ser escolhido pelo representado a cada nova discussão e votação, a depender da matéria sob análise, como se explica a seguir.24

A cada indivíduo que compõe um Estado, em cada discussão, será concedido um voto. A partir daí, a escolha de como o utilizará estará totalmente em suas mãos. O indivíduo pode optar por participar diretamente, votando sobre determinada matéria. Caso decida por não querer se manifestar sobre o assunto em pauta, a pessoa pode transferir seu voto a outrem, que, por sua vez, também tem o direito de entregá-lo a outra pessoa caso não se sinta apta a votar sobre a matéria em discussão. Importante esclarecer que a pessoa a quem o titular do voto delega seu direito de opinar pode ser também aquele representante eleito pelos moldes tradicionais, uma vez que essa figura não é eliminada na democracia líquida. Entretanto, essa

delegação é uma “procuração transitória”25

, ou seja, podendo o indivíduo, a qualquer tempo, decidir não mais atuar por intermédio de representante, e votar diretamente.

Esse tipo de democracia inova ao entregar totalmente ao titular do direito ao voto a escolha se atuará ou não via representante, além da possibilidade de revogação do mandato quando julgue pertinente. Esse mandato intermitente pode ser visto como meio de superar as insatisfações ocasionadas pela falta de representatividade, queixa comum nos lugares onde há democracia representativa. É inegável também que, funcionando bem, a democracia líquida é uma importante forma de fortalecer a cidadania, a educação política. Ademais, não há uma sobrecarga nas pessoas - fazendo até mesmo com que se afastem da esfera política por serem requisitados com muita frequência, conforme sustentam críticos à democracia direta - dado que os indivíduos opinam somente quando querem (BENEVIDES, 1991, p. 94-95).

Contudo, essa possibilidade de aquele a quem se delegou o voto poder transferi-lo novamente a outrem, sem a anuência do primeiro, pode dificultar o seu controle pelo titular. Dessa forma, pode gerar o efeito oposto, e reforçar a crise de representatividade.

Ao se evidenciar que a democracia líquida não retira os partidos e os representantes tradicionais da dinâmica política, tem-se que é por meio de organizações partidárias, os Partidos Piratas, que essa forma de democracia se corporifica. Na Suécia, em 2006, foi onde surgiu a primeira agremiação partidária desse tipo, o Piratpartiet, elegendo, em 2009, seu

24 Democracia Líquida em termos simples. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=mOhxvhTqyRs#t=15>. Acesso em: 01 fev. 2015.

25 O que é democracia líquida. Disponível em: <http://partidopirata.org/o-que-e-democracia-liquida/>. Acesso

primeiro representante no Parlamento Europeu.26 No Brasil, o Partido Pirata nasceu em 200927, sendo oficializado em 2013, estando até o início de 2015 no processo de coleta de assinaturas para, assim, efetivamente poder participar das eleições. A ideologia desse grupo de partidos é definida por Kristian Pasini, um dos integrantes do Partido Pirata brasileiro, como: “Defendemos o livre compartilhamento de conhecimento e cultura, a transparência do Estado, a privacidade individual, especialmente nas redes, a defesa dos direitos humanos e o

empoderamento popular”.28

Evidente está a possibilidade de apresentar objeções a esse tipo de democracia, especialmente, em relação ao mandato ser uma “procuração transitória”. Ademais, a imprescindibilidade das novas tecnologias de informação e comunicação para sua efetivação pode ser um importante fator limitante, especialmente em países sub ou em desenvolvimento, nos quais o acesso a essas novas tecnologias e o conhecimento de como manuseá-las não é compartilhado por grande parte das pessoas.

Este capítulo permitiu depreender que a representação tem se alterado ao longo dos anos nos Estados democráticos. Fortifica-se o questionamento de uma representação que desencadeie o afastamento do representante daqueles que são por ele representados. Mandato político livre, geral e irrevogável, e eleição como meio de autorização e controle do representado se tornam insuficientes. O movimento atual é pautado pela busca por formas que limitem a autonomia do representante frente aos representados, não revitalizando o mandato imperativo, mas a fim de garantir que seja possível haver uma relação constante entre eles ao longo do exercício do mandato, e que esta não se inicie e não se esgote no momento eleitoral.

Ademais, o contexto contemporâneo evidencia que a representação política ultrapassou sua tradicional forma eleitoral, surgindo representantes que não se constituem por meio das eleições. Organizações civis e até mesmo pessoas físicas se tornaram representantes de setores da sociedade, pluralizando o cenário político. Esse novos atores, cada vez mais, tornam-se parte das decisões governamentais, o que se consubstancia tanto nas Comissões de Legislação Participativa como na Iniciativa Popular de lei. Ainda que não sejam representantes eleitos, a autorização e o controle que as eleições garantem, também podem ser alcançados por esses novos representantes sem a necessidade destas.

26

Partido Pirata (Suécia). Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Pirata_%28Su%C3%A9cia%29>. Acesso em: 01 fev. 2015.

27 Partido Pirata (Brasil). Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Pirata_(Brasil)>. Acesso em: 01

fev. 2015.

28 Partido Pirata tem registro oficializado. Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/link/partido-pirata-do-

Indo além, as novas TIC’s potencializam ainda mais esse cenário de transformação em

relação à representação. As tecnologias viabilizam a suplantação de barreiras, facilitando a participação social nos ambientes de tomadas de decisões políticas.

Assim, a representação política vai distando de sua concepção tradicional de ser resultado de um mandato livre, geral e irrevogável, e os partidos dividem com outros modos de organização civil a qualidade de forma de representação política da sociedade.

Aliando esse conhecimento acerca da relação entre participação e representação com a investigação dogmática empreendida no capítulo I, com o estudo teórico-empírico sobre a participação política no processo legislativo, e com a teoria da Legística, tem-se as ferramentas necessárias para pesquisar o objeto central da presente pesquisa. O estudo constitucional e regimental do processo legislativo, acrescido da investigação desenvolvida no capítulo II, serão essenciais para se compreender como as Comissões e a Iniciativa Popular estão institucionalmente estruturadas, além de como se apresentam frente ao modelo de democracia e participação política que o Estado brasileiro consubstancia. A imersão na temática da representação e da Legística, além dos estudos desenvolvidos nos capítulos I e II, lançarão luz sobre o funcionamento e sobre os resultados apresentados por esses mecanismos de participação.