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CAPÍTULO IV – A INICIATIVA POPULAR

3. OS PROJETOS DE LEI DE INICIATIVA POPULAR

3.7 PLP 321/2013

Este projeto de lei complementar teve como iniciadores o Conselho Nacional de Saúde e o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública. A proposição foi apresentada com quase um milhão e novecentas mil assinaturas, com a finalidade de que ao menos dez por cento das receitas correntes brutas da União devessem ser destinadas ao financiamento da saúde. 54

Porém, diferentemente do que ocorreu com os demais projetos, neste caso não foi um

ou mais deputados que “adotaram” o PLP em questão. Essa proposição, apesar de

52 Tramitação PLP 518/09. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=712625&filename=Tramitacao- PLP+518/2009>. Acesso em: 27 jun. 2014.

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Tramitação PLP 518/09. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=452953>. Acesso em: 27 jun. 2014.

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Tramitação PLP 321/2013 Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1120659&filename=Tramitacao- PRL+1+CLP+%3D%3E+SUG+89/2013+CLP>. Acesso em: 23 jun. 2014.

inicialmente ser um projeto de lei de iniciativa popular, foi transformada em Sugestão, e por conseguinte, enviada à CLP (Sugestão 89/2013). Assim sendo, somente após aprovada por esta Comissão é que passou a tramitar como projeto de lei. Essa configuração permite inferir que essa nova forma de lidar com os projetos de lei com origem em iniciativa popular se mostra mais desvantajosa, dado que são convertidos em Sugestão e somente se forem aprovados pela CLP é que voltarão ao status em que chegaram à Casa, o de projeto de lei.

Atualmente, a proposição em questão se encontra apensada ao PLP 123/2010, apesar de haver sido apresentado requerimento solicitando a desapensação, o qual, entretanto, foi indeferido pelo fato de, realmente, as matérias de ambas as proposições serem conexas.55 Até o final do ano de 2013 estava tramitando na Comissão de Finanças e Tributação (CFT).

4. CONCLUSÃO ACERCA DOS PROJETOS DE LEI DE INICIATIVA POPULAR

O estudo dessas proposições permite concluir que a Iniciativa Popular de lei ainda não se concretizou. Apesar de a Câmara classificar essas proposições como materializações desse direito constitucional, o que se verificou pelos casos estudados é que, desde 1992, quando a primeira proposição foi apresentada nesse molde, até os dias atuais, o Estado não possui meios que permitam verificar se esses projetos cumpriram os requisitos elementares para sua apresentação junto à Casa. Não é possível conferir a autenticidade dos signatários das proposições; o mesmo Poder Legislativo que estabeleceu tais exigências, não está preparado para verificar seu cumprimento. Parece que o Congresso foi surpreendido, pois não contavam com a capacidade de mobilização da sociedade. Portanto, pode-se afirmar que até hoje não houve, efetivamente, um projeto legislativo de Iniciativa Popular.

Em todos os casos analisados, o que ocorreu foi a adoção, por um congressista, da proposta apresentada pela sociedade civil. A ineficácia desse direito é evidenciada pela irregularidade como cada um dos projetos aqui analisados foram tratados pelos parlamentares em relação ao cumprimento dos requisitos constitucional e regimentalmente prescritos: recebimento de projeto de iniciativa popular pelo Senado, quando a Câmara é a Casa competente para tanto; aceitação de projeto sem a quantidade de assinaturas exigida; e,

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Tramitação PLP 321/2013 Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=589775&ord=1>. Acesso em: 23 jun. 2014.

principalmente, com o envio de um projeto de iniciativa popular para tramitar como uma Sugestão na CLP.

Cumpre citar que, lendo as três entrevistas realizadas, é possível afirmar ser realmente complexo obter a quantidade de assinaturas requisitadas. Mesmo no caso do PL sobre a compra de votos, com o apoio de mais de sessenta entidades, bem como na proposta apresentada pela ACSP, que contou com o apoio de várias associações, o trabalho foi árduo. Destaca-se o fato de a resposta do membro do “Movimento Gabriela Sou da Paz” permitir inferir que para organizações civis de minorias, o desafio é ainda maior, especialmente por conta dos gastos financeiros.

Essa dificuldade pode também ser uma das razões que expliquem o fato de a maior parte dos proponentes ser organizações com alcance nacional e/ou de maior porte.

Considerando os casos analisados, o “Movimento Gabriela Sou da Paz” pode ser a exceção,

dado ser uma organização criada pela família de uma vítima da violência urbana, sem penetrabilidade nacional, e não gozando de uma estrutura mais robusta. O caso da novelista Glória Perez não pode ser considerado uma exceção à regra, uma vez que, apesar de ser uma cidadã, goza de uma condição privilegiada, por ser conhecida nacionalmente, graças ao fato de ser uma escritora da maior rede de televisão do país. As demais organizações são bem estruturadas e com atuação ampla, geograficamente falando.

Outro aspecto que as entrevistas permitem constatar é que o fato de a iniciativa popular no Brasil ser da modalidade formal, elemento que pode sim ser encarado como um limitador. Nas respostas dadas pelos entrevistados que representaram a ACSP e o

“Movimento Gabriela Sou da Paz”, tem-se evidente que buscaram apoio técnico-jurídico para

a construção de seus projetos. Mesmo que não esteja claro nas respostas fornecidas pelo MCCE, o fato de o entrevistado ser advogado - especialista em Direito Eleitoral, e de ter sido ele um dos redatores dos projetos dos quais participou o Movimento - denota também a presença de técnicos na elaboração da proposição.

Diante desse cenário, em que a etapa inicial - a do atendimento aos requisitos - não é concretizada, seria despropositado avaliar como se deu as tramitações desses projetos. Não é possível exigir que sigam o trâmite proposto pelo Regimento Interno da Câmara, quando nem projeto de iniciativa popular podem ser considerados.

Contudo, o estudo evidencia que o mecanismo produziu um processo legislativo mais participativo, independentemente das constatações anteriores. Atendo-se aos fatos relatados, torna-se possível afirmar que esse mecanismo possibilitou que outros representantes adentrassem o Congresso, defendendo interesses, como o dos consumidores e da população

carente de habitação, além de perspectivas como as propostas relacionadas ao Direito Penal. A importância da participação popular é ainda reforçada quando se verifica que a Iniciativa Popular introduz na pauta de discussões temas, direitos que não estavam no horizonte dos parlamentares - como a proposta sobre moradia popular - ou que dificilmente seriam alvo de projetos propostos por eles - como as leis que versaram sobre direito eleitoral, não se enquadrando naquelas razões para se criar uma lei apresentadas no tópico que abordou a Legística. Ilustrando com perfeição esse fato tem-se a “Lei da Ficha Limpa”, que retirou do estágio de estagnação apresentado desde o ano 1993 uma proposta sobre um tema extremamente relevante, mas que não é de interesse da maioria dos congressistas, fato comprovado pelo esquecimento do projeto. Finalmente, salienta-se o fato de a participação popular ser realmente importante em romper com a soberania da maioria.

Ademais, é oportuno mencionar aqui o fato de ficar também evidente o caráter cívico das movimentações em torno da construção de uma proposta de Iniciativa Popular, a educação política. A busca efetuada para se conseguir as assinaturas com certeza informou, no mínimo, mais de um milhão de pessoas sobre o tema da proposta, ademais de ter introduzido questões no debate público. Isso é evidenciado pelas entrevistas, nas quais todos afirmam que os projetos foram elaborados com a participação de várias entidades. Nesse sentido, também está a resposta de Carlos Santiago, vide Anexo 4, na qual ele afirma que muitos não assinavam porque gostariam que o projeto defendesse a legalização da pena de morte, à qual o Movimento por ele liderado não é favorável, ou seja, esse processo estimulou a discussão sobre questões políticas importantíssimas.

Entretanto, ao mesmo tempo em que deflagrou esses aspectos positivos, o estudo evidenciou que o processamento da Iniciativa Popular é extremamente dependente dos congressistas, o que torna inconteste a classificação dos institutos participativos como semidiretos, pertencentes ao 4° grau de participação, conforme a categorização proposta por Gomes, a qual foi apresentada no capítulo II. Considerando o conjunto investigado tem-se claro que são as atuações dos deputados e senadores que definirão se e como o projeto tramitará. Nos casos em que o processo perdurou mais tempo, foram os requerimentos dos parlamentares - seja pedindo urgência, inclusão na Ordem do Dia e até o desarquivamento - que impediram que as proposições fossem esquecidas. Da mesma forma, foi a atuação mais ágil dos congressistas - seja nas Comissões ou na inclusão do projeto da Ordem do Dia, discutindo-o e votando-o - o diferencial dos casos em que o processamento se deu de forma mais célere. Portanto, a possibilidade de escolher quem atuará como relator se mostra importantíssima, dado que ele poderá ser determinante, seja propulsionando a tramitação ou

condenando-a à estagnação. O depoimento de Carlos Santiago, vide Anexo 4, corrobora essa conclusão, quando afirma que a saída do Deputado Antônio Carlos Biscaia foi negativa para eles, ou quando o representante do MCCE, vide Anexo 5, diz que indicou deputados de vários partidos para figurarem como autores, denotando assim ser menor a chance de o PL ter sua tramitação comprometida.

Essa constatação também evidencia a importância da participação dos proponentes ao longo do processo. Essa garantia, primeiramente, assegura que não sejam realizadas modificações que desconfigurem o projeto apresentado, como fica claro quando Luciano, vide Anexo 5, afirma que participaram das discussões nas Comissões e tinham limite para aceitar as alterações propostas. Mas, além desse aspecto, a participação do proponente também pode ser um meio de evitar a estagnação do processamento, pressionando os congressistas, uma vez que não podem apresentar requerimentos solicitando urgência, como o pode o Presidente da República em seus projetos, conforme visto no capítulo I, ou outros tipos de requisições que exijam dos deputados e senadores o cumprimento dos prazos processuais.

Diante desse cenário, tem-se evidenciado que o instituto da Iniciativa Popular apresenta suas limitações. A exigência de assinaturas, o fato de a proposição dever ser apresenta sob forma de um projeto de lei e a inexistência de mecanismos que permitam aos proponentes desatravancar a tramitação. Entretanto, concomitantemente, a forma como está estruturado esse mecanismo também apresenta suas virtudes. As conclusões apresentadas permitem aferir que a possibilidade de escolha de quem será o deputado que atuará como autor, de se poder participar das discussões nas Comissões e no Plenário, e a prescrição regimental que impede o arquivamento no final da legislatura dos projetos de iniciativa popular, são direitos elementares para o processamento das proposições originadas na sociedade. Esses são meios que permitem resguardar a intenção do proponente em relação às transformações que a proposição venha a sofrer quando discutida e votada na Casas, e, principalmente, permitem escolher quem será o congressista que figurará como autor, o que se mostrou o principal diferencial do processamento das proposições.