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CAPÍTULO 3: CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO E APRENDIZAGEM

3.3 DEMONSTRAÇÃO

Alguns pesquisadores têm se preocupado com a demonstração, tanto na formação de professores quanto com alunos do Ensino Básico. Encontramos nos trabalhos de Garnica (1995, 1996) indícios do que vem ocorrendo na formação inicial de professores de Matemática.

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Segundo Pais (2002), o conceito é algo em permanente estado de devir, ou seja, estamos sempre no aproximando de sua objetividade, generalidade e universalidade, sem considerá-lo uma entidade acabada, tal como concebido por uma visão platônica.

Garnica (1996), ao analisar depoimentos de professores de Matemática que atuam em cursos de Licenciatura em Matemática, afirma que a prova rigorosa – demonstração – é elemento fundamental para a formação de professores, embora existam duas maneiras distintas de ler tal importância:

[A leitura técnica] debruça-se sobre o viés sintático da demonstração, descontextualizando-a de outra região que não seja a produção do conhecimento matemático feito profissionalmente. Partem do pressuposto de que a função de uma prova é a de meramente validar o conhecimento.

[A leitura crítica] Nas situações de ensino e de aprendizagem, a prova rigorosa deve ser integrada por meio de motivações que levantem abordagens históricas e filosóficas de modo a permitir um esclarecimento quanto ao modo de criação e divulgação das concepções que permeiam o fazer matemático [...], é uma das grandes responsáveis por essa procura consciente do “saber sobre o que se fala” (GARNICA, 1996, p. 18-19).

A técnica foi associada à produção científica em matemática e a crítica, à produção em Educação Matemática e, estes campos, apresentam concepções divergentes sobre verdade matemática. Concordamos com Garnica (1996) quando afirma que a prova rigorosa no contexto da matemática se justifica com o objetivo de convencer, validar e verificar. Também defendemos, como ele, que:

A prova rigorosa, sendo elemento fundamental para entender a prática científica da Matemática, seria também fundamental nos cursos de formação de professores, não como mero recurso técnico, mas numa abordagem crítica, que possibilitasse uma visão panorâmica nos modos de produção e manutenção da “ideologia da certeza” para que, a partir disso, pudessem ser produzidas formas alternativas de tratamento às argumentações sobre os objetos matemáticos em sala de aula (GARNICA, 1995, p. 94).

Da mesma forma, Thom (1971) relata que o rigor total em uma demonstração pode incorrer na ausência de significado do que se está demonstrando:

A meu ver, não se aprendeu da Axiomática de Hilbert a verdadeira lição que tem o seguinte teor: consegue-se rigor absoluto somente por meio da completa eliminação de significado. [...] Mas se for preciso escolher entre Rigor e Significado relativo ao conteúdo, escolho sem hesitação o último. Isso sempre se fez em Matemática, onde se trabalha quase sempre em uma forma semiformalística, com a não formalizada linguagem cotidiana como Metalinguagem. A comunidade matemática está satisfeita e não exige nenhum aperfeiçoamento (apud WITTMANN e MÜLLER, 2006, p.14).

Por outro lado, entendemos que o ensino da demonstração é fortemente caracterizado pela repetição de demonstrações contidas em livros textos, ou pela imitação do trabalho de um professor, com um elevado rigor, que as apresentam como um produto final, acabado e verdadeiro. A esse respeito, Gouvêa (1998, p. 37) relata que professores e alunos:

Afirmavam também que a demonstração de teoremas era ensinada com rigor e cabia aos alunos, muitas vezes, a obrigação de memorizá- la sem entender o seu significado. Decoravam mais por respeito à autoridade do professor e por temor de notas baixas.

Diante disso, a aprendizagem da demonstração tem sido fator de insucessos para muitos alunos e, seu ensino, frustração para muitos professores. Acreditamos que uma das causas está na exigência durante a formação de certo rigor na escrita das demonstrações, que é própria para matemáticos profissionais. Assim sendo, neste trabalho adotamos a noção de demonstração que Rolkouski (2002, p. 20) usou em sua pesquisa, mais flexível e inspirada em Lakatos:

[...] em que se parte de um problema, e procura-se, num ir e vir constante entre conjeturas e contra-exemplos, chegar a uma conclusão em que todos os passos sejam coerentes e verificados de acordo com a teoria subjacente adotada, neste caso a geometria plana.

Por outro lado, se apresenta a discussão da necessidade do ensino da demonstração e ainda, de se entender sua função nesse ensino. Para De Villiers (2002), a dificuldade de compreender o papel da demonstração no ensino é um dos entraves para que tal ensino seja posto em prática. O autor, com base em Kline (1973) e Alibert (1988), afirma que, tradicionalmente, a função da demonstração é de fazer verificação de afirmações matemáticas. Da mesma forma, Nasser e Tinoco (2001) reforçam essa idéia, ao discutirem as funções da demonstração, nos revelando que a mais usada é a que desempenha a função de validação de um resultado, comprovando sua veracidade. Destacam que, essa função raramente é motivadora para os alunos da Educação Básica, uma vez que eles não vêem a necessidade de comprovar a veracidade de algo que já consideram óbvio ou estão convencidos.

Já para Rolkouski (2002), a demonstração tem outra função que acreditamos poder ser utilizada no ensino:

a demonstração para o matemático desempenha primordialmente o papel de descoberta. Saliento que esta descoberta se dá por um processo social, em que o trabalho é constantemente reavaliado. Não se dá, pois, linearmente, de hipótese a tese, e sim em constante interação com a comunidade interessada (ROLKOUSKI, 2002, p. 25).

Healy e Hoyles (2000) também apresentam preocupação com a função da demonstração, ao destacarem as funções de verificação da validade de uma evidência, explicação, comunicação e descoberta, nas respostas dadas pelos alunos em uma pesquisa realizada na Inglaterra envolvendo muitos sujeitos. As autoras destacam, ainda, que as provas são acessíveis aos alunos e podem ser um ponto de partida para o trabalho com a argumentação.

Pietropaolo (2005), afirma que uma outra função para a demonstração é construir conhecimentos. Para o autor, a comunicação do saber matemático segue a via da dedução lógica, em um sistema axiomático, que apresenta o produto e não o processo, que são distintos de acordo com Polya e Lakatos.

Sem nomear as funções da demonstração, Rolkouski (2002, p. 30) destaca as funções de explicação e sistematização, quando afirma:

Enfim, para o aluno, o ensino das demonstrações deve trazer mais do que a “prova”, deverá trazer fundamentalmente o convencimento pelo entendimento. Assim, ao ser levado a demonstrar teoremas, o aluno constrói explicações para si próprio e as reelabora na escrita, processo que deverá levar à compreensão e ao esclarecimento.

Percebemos nas pesquisas de De Villiers (2001; 2002), que o trabalho com a demonstração apenas como verificação de uma proposição não é suficiente. Acreditamos que devemos possibilitar aos professores um trabalho que trate das diversas funções da demonstração, nessa perspectiva.

Relacionando as funções da demonstração à Geometria, Arsac (1988), revela que a busca pela solução de um problema é que justifica a demonstração, e destaca que, em Geometria, a demonstração só irá avançar se considerarmos o obstáculo epistemológico22 constituído pela evidência da figura. Percebemos tal evidência em Gouvêa (1998), quando relata que no início das atividades, quando na exibição de

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Os obstáculos de origem epistemológica são inerentes ao saber e identificáveis pelas dificuldades encontradas pelos matemáticos para os superar na história. Eles são verdadeiramente constitutivos do conhecimento, são aqueles aos quais “não se pode nem se deve fugir” (BROUSSEAU, 1983, apud ALMOULOUD, 1997, p. 43)

uma figura, os professores se deixavam levar por evidências falsas e não apelavam para a validação via uma demonstração.

Balacheff (1982), chama atenção para um nível mais elementar de uma demonstração – a prova. Ao considerar essa nova vertente no trabalho com as demonstrações, esse pesquisador abriu novas opções para o trabalho com as demonstrações no contexto da Educação Matemática. Quando nos referimos à matemática pura, a distinção entre as palavras prova e demonstração não se faz necessário, porém, ao se tratar do ensino da matemática, este autor apresenta diferenças para essas denominações.

Para este autor, os termos explicação, prova e demonstração, são apresentados como:

Explicação é um discurso que visa tornar inteligível o caráter de verdade adquirido pelo locutor de uma proposição ou de um resultado, os quais podem ser discutidos.

Prova é uma explicação aceita por uma dada comunidade num dado momento, ou seja, é um discurso aceito por uma certa comunidade que tem por objetivo dar o caráter de verdade a uma proposição. Demonstração é uma prova aceita pela comunidade matemática, ou seja, é um discurso aceito pela comunidade matemática e constituído a partir de uma seqüência de enunciados organizados com certas regras, que tem como objetivo dar caráter de verdade a uma proposição (apud Mello, 1999, p. 5).

Logo, a “explicação” está associada a um locutor, que tem como fim comunicar a um receptor o caráter de verdade de uma afirmação matemática. Se esta explicação tem o poder de convencer uma dada comunidade, ela constitui o que se chama de “prova”. Quando essa prova se refere a um enunciado matemático e convence a comunidade específica dos matemáticos puros, ela recebe o “status” de

demonstração. Desta forma, para Balacheff (1982), a demonstração é, em

matemática, um tipo particular de prova, poderíamos até dizer privilegiado, pois é esta que permite uma comunicação dentro da comunidade dos matemáticos.

Diante do que relatamos e do que percebemos em nossas leituras, a demonstração em matemática não aparece como um objeto de ensino e sim permeia os diversos objetos matemáticos a serem ensinados. Chevallard (2005), em seus trabalhos desenvolvidos sobre transposição didática, apresenta esclarecimentos acerca da noção de demonstração. Ao nos depararmos com o que este pesquisador denomina noção matemática e noção paramatemática percebemos que “as noções

paramatemáticas são idéias que se caracterizam como ‘ferramentas’ auxiliares à atividade matemática, mas normalmente não se constituem em objetos de um estudo específico” (CHEVALLARD, 2005, p. 58).

Em conformidade com o autor, as noções paramatemáticas em contradição com as noções matemáticas não são, em geral, ensinadas de forma explícita. Tais noções são concebidas como idéias possíveis de serem aprendidas durante a própria aprendizagem. No entanto, são tão necessárias ao ensino quanto a aprendizagem de noções matemáticas. O autor destaca a demonstração como um exemplo de noção paramatemática.

Desta forma, ao entendermos a demonstração como uma noção paramatemática, nesta pesquisa proporemos atividades de construções geométricas que solicitem: explicar, justificar e demonstrar, isto é, a demonstração aparecerá permeando o processo de aprendizagem do objeto geométrico mediatriz de um segmento, em particular, nas atividades de construções geométricas em que a mediatriz será a principal ferramenta para solucionar os problemas propostos.