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CAPÍTULO 3: CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO E APRENDIZAGEM

3.1 GEOMETRIA

A Geometria constitui uma parte importante da matemática, ela estuda o espaço, as formas nele existentes e suas relações. Sua importância pode ser percebida tanto do ponto de vista prático, quanto na organização do pensamento lógico dedutivo.

Pavanello (1993) discorre sobre razões históricas que justificam o não ensino de Geometria no Brasil, afirmando que, com a reforma de 1951 (proposta pelo ministro Simões Filho), o ensino de Geometria, nas primeiras séries do curso ginasial era essencialmente prático e intuitivo. O método dedutivo deveria ser introduzido nas séries finais, aos poucos, à medida que o aluno fosse percebendo ser necessário justificar, provar e demonstrar certas afirmações. Recomendava-se que se apelasse mais para a intuição e que não se exagerasse no rigor.

De acordo com a autora, a Geometria, na abordagem tradicional, já era um problema enfrentado pelos professores (pouco conhecimento) e com o Movimento da Matemática Moderna (o seu ensino via transformações geométricas) esse problema só foi ampliado. Por não dominar o enfoque dado pela Geometria das transformações, muitos professores deixaram de ensinar esse conteúdo sobre qualquer enfoque.

A pesquisadora ainda acrescenta que a Lei nº. 5692/71de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao permitir que cada escola montasse seu programa de acordo com a necessidade da clientela, só veio a contribuir para esse abandono. O problema ficou ainda maior quando algumas escolas substituíram a disciplina

Desenho Geométrico por Educação Artística, pois os alunos só passaram a ver Geometria no 2º grau18, tornando-se fator de muitas dificuldades. A autora sugere a retomada do ensino de Geometria quando indica que:

o trabalho com álgebra pode acostumar o indivíduo a operar sem questionamentos sobre regras pré-estabelecidas, a fazer isto ou aquilo, sem questionar o que faz. O efetuado com geometria, por sua vez, pode proporcionar o desenvolvimento de um pensamento crítico e autônomo.

O fato de que nem todo ensino de geometria produz os resultados acima mencionados não justifica o seu abandono. Implica, isto sim, a necessidade de investimentos em pesquisas sobre metodologias mais apropriadas para a abordagem desse conteúdo e em ações destinadas a proporcionar aos professores condições para a melhoria da qualidade desse ensino (PAVANELLO, 1993, p. 16).

Para Lorenzato (1995) são inúmeras as causas do abandono do ensino de Geometria e ressalta duas:

A primeira é que muitos professores não detêm os conhecimentos geométricos necessários para a realização de suas práticas pedagógicas. [...] A segunda causa da omissão geométrica deve-se à exagerada importância que, entre nós, representa o livro didático, quer devido à má formação de nossos professores, quer devido à estafante jornada de trabalho a que estão submetidos (Ibid, p. 3-4).

Este autor, ao discorrer sobre a não formação de professores em conteúdos geométricos destaca: “Ora, como ninguém pode ensinar bem aquilo que não conhece, está aí mais uma razão para o atual esquecimento geométrico” (Ibid, p. 4). E atribui também – corroborando com Pavanello (1993) – ao Movimento da Matemática Moderna uma parcela de contribuição, ao caos do ensino da Geometria, ao escrever que:

[...] antes de sua chegada ao Brasil, nosso ensino geométrico era marcadamente lógico-dedutivo, com demonstrações, e nossos alunos detestavam. A proposta da Matemática Moderna de algebrizar a Geometria não vingou no Brasil, mas conseguiu eliminar o modelo anterior, criando assim uma lacuna nas nossas práticas pedagógicas, que perdura até hoje (Ibid, p. 4).

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Da mesma forma, Kalef (1994, p. 20) destaca:

[...] o chamado movimento da “Matemática Moderna” levou os matemáticos a desprezarem a abrangência conceitual e filosófica da Geometria Euclidiana, reduzindo-a a um exemplo de aplicação da Teoria dos Conjuntos e da Álgebra Vetorial. Desta forma, a Geometria Euclidiana foi praticamente excluída dos programas escolares e também dos cursos de formação de professores de primeiro e segundo graus, com conseqüências que se fazem sentir até hoje.

Já Barrantes e Blanco (2004, p. 37), ao constatarem que o Movimento da Matemática Moderna fez com que a Geometria passasse a ser uma matéria escolar de segundo plano, destacam:

Essa circunstância deu origem a que os futuros professores chegassem aos centros de formação com conhecimentos quase nulos da Geometria e quase sem referências sobre o seu ensino- aprendizagem. Além disso, nesses centros, a formação que receberam estava mais relacionada com outros temas, como o de número, do que com a Geometria e o seu ensino-aprendizagem.

Ainda a esse respeito, Lorenzato (1995, p. 4) discorre: “Presentemente, está estabelecido um círculo vicioso: a geração que não estudou Geometria não sabe como ensiná-la”. Para reverter o quadro desse abandono do ensino de Geometria, acredita serem necessárias mudanças nos currículos de formação inicial do professor de Matemática, bem como investir no aperfeiçoamento dos professores que estão em exercício, além de lançar novas publicações tanto para alunos quanto para professores.

Ao realizar uma pesquisa sobre o ensino de Geometria no Ensino Básico, no estado de São Paulo, Perez (1995, p. 57) relata que os professores: “Afirmaram também que para o Ensino de Geometria, lhes faltava conteúdos e metodologia adequada sobre como desenvolver esse ensino”.

Por outro lado, o uso de desenhos para representar objetos geométricos é um recurso muito utilizado no ensino e aprendizagem da Geometria. A sua presença pode ser observada tanto nas aulas como nos livros didáticos. Contudo, certas representações são sempre realizadas na mesma posição (segmento de reta na

horizontal e a sua mediatriz uma reta vertical). Segundo Pais (2001, p. 3-4), “há uma espécie de tradição, influenciada tanto pelo senso comum, como pelos saberes escolares de preservação dessa forma particular de representação” e exemplifica com o caso do retângulo, que isso normalmente aparece representado por uma figura não quadrada, na qual os lados são sempre paralelos às bordas do papel e a base horizontal ligeiramente maior que sua altura.

Entendemos que, uma possível saída para o ensino de Geometria seria a compreensão de representações. Para Duval (2003), o acesso aos objetos matemáticos, nesse caso os geométricos, só é possível via algum registro de representação semiótica deste objeto, mais ainda que a apreensão conceitual desse objeto só é possível com a manipulação de, ao menos, dois registros de representação. Este é um dos focos abordados nesta pesquisa, ao trabalhar com objetos geométricos – via construções geométricas –, justificativas e demonstrações com os professores em formação continuada.

Associado a essa temática, uma abordagem com materiais manipulativos é sugerida como a saída para o aprendizado com mais significado. Porém, Pais (2001) chama nossa atenção para o cuidado de não incorrer no uso do recurso como fim do processo, acarretando falta de reflexão e uma aprendizagem sem significado para o aluno.

Nesse contexto, Almouloud (2007), de acordo com a Teoria das Situações Didáticas, afirma ser necessário a institucionalização do conteúdo em questão, isto é, após as fases de ação, formulação e validação, em que o registro figural é fundamental, é preciso que o professor fixe convencionalmente e explicitamente o estatuto cognitivo do saber. Este pesquisador defende que, só após a institucionalização o saber se torna oficial, e os alunos podem incorporá-lo a seus esquemas mentais, tornando-o assim disponível para utilização na resolução de futuros problemas matemáticos.

No que diz respeito à teoria dos registros de representação semiótica, Almouloud e Manrique (2001), relatam que a coordenação de diferentes registros de representação (a escrita algébrica, as figuras geométricas, o discurso da língua natural) deve estar ligada ao tratamento dos conhecimentos, bem como as figuras são um suporte intuitivo importante na resolução de problemas de Geometria, pois elas

possibilitam uma visão maior do que o enunciado, e permitem explorar, antecipar e conjecturar.

Dessa forma, se faz necessário focar a formação de professores de Matemática. Pavanello e Andrade (2002), ao observarem as dificuldades que os licenciandos e/ou recém graduados em matemática apresentam com relação aos conhecimentos geométricos, deixam a seguinte questão: “Se durante os cursos de formação os futuros professores apresentam essas dificuldades em relação à geometria, o que esperar de seu trabalho pedagógico com esse conteúdo?” (Ibid, p. 80).

Essas pesquisadoras revelam ainda que:

Apesar de muitos dos professores entrevistados considerarem importante o trabalho com esse ramo da matemática nos níveis fundamental e médio, afirmam não terem condições de realizá-lo por terem aprendido muito pouco de geometria enquanto alunos, mesmo durante a licenciatura. Afirmaram que nesta, a abordagem desse conteúdo, quando realizada, tinha sido deficiente, as aulas se voltavam preferencialmente para temas mais complexos. Quanto aos conteúdos que deveriam posteriormente desenvolver em sala de aula, ou não eram abordados, ou essa abordagem era muito superficial. [...]

As dificuldades dos professores da escola básica em situações- problema que envolvem noções geométricas têm sido exaustivamente observadas em cursos de capacitação ou aperfeiçoamento e manifestam-se em questões desde as mais simples até as mais complexas.

[...]

Uma outra crença extremamente arraigada nos meios acadêmicos e que merece uma boa avaliação é a de que fazer os estudantes trabalharem temas mais complexos lhes possibilita compreender os mais elementares. Será que não é exatamente o desconhecimento desses conceitos elementares que impede ou pelo menos dificulta a compreensão dos demais? (PAVANELLO e ANDRADE, 2002, p. 80- 82).

Conforme podemos perceber, o problema do ensino de Geometria vem sendo discutido no seio da comunidade dos educadores matemáticos. Um dos estudos que se destaca é o de Andrade e Nacarato (2004), realizado com base nos sete primeiros anais dos Encontros Nacionais de Educação Matemática e que nos revela uma tendência emergente para o ensino de Geometria, apontando que esse ensino:

[...] vem se pautando em abordagens mais exploratórias, em que os aspectos experimental e teórico do pensamento geométrico são considerados, quer na utilização de diferentes mídias, quer em contextos de aulas mais dialogadas, com produção e negociação de

significados, quer na utilização de softwares de geometria dinâmica. [...] Mas, esses contextos não prescindem da importância do processo de validação matemática, visto ser significativo o número de trabalhos que vêm discutindo o papel das provas e argumentações no ensino da Geometria, além de uma preocupação mais recente com discussões de aspectos epistemológicos, como visualização e a representação em Geometria (ANDRADE e NACARATO, 2004, p. 69).

No entanto, estes autores indicam a existência de estudos revelando que a Geometria ainda está bastante ausente das salas de aula. Neste sentido, acreditamos que uma das formas de fazer as pesquisas chegarem às salas de aula é desenvolvê- las com professores em um processo de formação continuada, em que os participantes se envolvem diretamente, oportunizando a si próprios um aprimoramento e/ou aquisição de conhecimentos geométricos, sobretudo com ênfase em demonstrações. Assim, estaremos contribuindo para que as aulas de Geometria desses professores possam mudar.