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CAPÍTULO 1: PROBLEMÁTICA

1.4 CONSTRUINDO A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.4.4 DEMONSTRAÇÕES

Ao trabalharmos com o tema demonstração não pretendemos desenvolver um trabalho técnico-formal acerca do “como demonstrar”, ou seja, sobre quais aspectos devem contemplar a escrita de uma demonstração. Interessamo-nos, sobretudo, no “por quê” e no “para quê” demonstrar, considerando que as funções da demonstração propostas por De Villiers (2001; 2002), podem nos levar a busca de alternativas para o “como demonstrar”.

De Villiers (2001; 2002), convencido de que grande parte dos pesquisadores usa como principal função da demonstração a verificação, apresenta um modelo que vem usando em suas investigações, em relação às funções da demonstração:

• Verificação (diz respeito à verdade da afirmação);

• Explicação (fornece explicações quanto ao fato de ser verdadeira);

• Sistematização (organiza os vários resultados num sistema dedutivo de axiomas, conceitos principais e teoremas);

• Descoberta (descoberta ou invenção de novos resultados); • Comunicação (a transmissão do conhecimento matemático); • Desafio intelectual (a realização pessoal/gratificação resultantes

da construção de uma demonstração).

A seguir descrevemos aspectos acerca das funções da demonstração com base em De Villiers (2001; 2002).

A demonstração como processo de verificação/convencimento

A esse respeito, os professores de Matemática parecem acreditar que somente a demonstração fornece a certeza e é a única autoridade para o estabelecimento da verdade de uma conjectura. Nesse sentido, ele afirma que a demonstração não é um

requisito necessário para a convicção, relatando que a convicção é, freqüentemente, usada como pré-requisito para a procura de uma demonstração. Destaca, ainda, que um alto grau de convicção pode ser atingido mesmo na ausência da demonstração, em especial, pelos matemáticos.

Este pesquisador acredita que existem duas dimensões a respeito da obtenção da certeza: uma lógica, que exige, de alguma forma, a demonstração dedutiva e, outra, psicológica, que se apóia no fato das pessoas precisarem, ao mesmo tempo, de alguma experimentação exploratória ou compreensão intuitiva.

A demonstração como processo de explicação

Apesar de ser possível atingir um alto nível de confiança e validade de uma conjectura, por meio de verificações empíricas, tais processos não fornecem uma explicação satisfatória dessa validade. O autor afirma que mais importante do que a validade é a busca por saber o porquê é válido, indicando também que a explicação é um bom critério para definir o que é uma boa demonstração. Muitas vezes, a busca não é para aumentar a certeza, mas sim para explicar porque tal conjectura é verdadeira.

A demonstração como processo de descoberta

Acreditando que alguns teoremas foram descobertos por meio da intuição e de métodos empíricos, o autor destaca que grande parte da descoberta e criação matemática ocorreu por meio de processos puramente dedutivos. E destaca que, para o matemático profissional, a demonstração não é apenas um meio de verificação de um resultado já descoberto, mas, muitas vezes, um processo de explorar, analisar, descobrir e inventar novos resultados.

A demonstração como processo de sistematização

A demonstração revela as subjacentes relações lógicas entre as afirmações, em contraposição à intuição e testes empíricos, considerando que a demonstração é uma ferramenta indispensável para transformar um sistema dedutivo de axiomas, definições e teoremas, em um conjunto de resultados conhecidos. Esse autor evidencia algumas funções importantes de uma sistematização dedutiva de resultados: ajuda a identificar inconsistências, unifica e simplifica teorias matemáticas, constitui uma ajuda para aplicações na matemática ou em outros campos, conduz a sistemas dedutivos alternativos, entre outros.

A demonstração como meio de comunicação

Afirmando que a demonstração é uma forma de discurso, um meio de comunicação entre pessoas que fazem matemática, este pesquisador reconhece que o argumento matemático é dirigido a uma audiência humana, ou seja, a demonstração é um modo único de comunicar resultados matemáticos entre matemáticos profissionais, entre professores e alunos e entre os próprios alunos. A escrita subentende um leitor, e, portanto, uma das funções da demonstração é comunicar resultados.

A demonstração como desafio intelectual

Garantindo que, para os matemáticos, a demonstração é um desafio intelectual, ou seja, cumpre uma função gratificante de realização própria, muitas vezes, o que está em dúvida não é a verdade do resultado, mas se seremos capazes de demonstrá-lo.

O autor destaca, ainda, que embora as funções da demonstração tenham características próprias, elas aparecem misturadas em alguns casos específicos ou, em outros casos, certas funções se sobressaem sobre outras, ou, às vezes, nem estão presentes.

Entendendo que a demonstração é um discurso diferente daquele praticado, em geral, nas aulas de Matemática, buscamos em Duval os fundamentos necessários para tal premissa. Almouloud (2003) observa que, acerca do ensino da demonstração em Geometria, Duval (1998) afirma que os problemas nesse campo apresentam uma grande originalidade em relação a muitas tarefas matemáticas que podem ser propostas aos alunos. A resolução de tais tarefas exige uma forma de raciocínio referendado em uma axiomática local, a que se desenvolve no registro da língua natural; e também que Duval (1996) defende que a aprendizagem da demonstração consiste primeiramente na conscientização de que se trata de um discurso diferente do que é praticado pelo pensamento natural (em geral, praticado nas aulas de Matemática).

Duval e Egret (1989), ao analisarem as causas do fracasso do ensino e aprendizagem da demonstração em matemática, dizem que ela envolve uma atividade cognitiva específica, e que sua aprendizagem está desvinculada de situações de interação social, ou seja, a sua aprendizagem não está ligada a nenhum

processo de imitação ou por convivência com pessoas que fazem demonstrações. Estes pesquisadores ainda explicitam que as demonstrações não estão subordinadas a pressões internas de nenhum objeto matemático específico. Fundamentados nesses pesquisadores, podemos afirmar que a demonstração requer um modo de processamento cognitivo autônomo com características específicas.

De acordo com esses autores a demonstração tem uma espécie própria de estrutura, que denominam “estrutura profunda”. Tal estrutura é caracterizada por articular os enunciados em função do estatuto11 que lhe é reconhecido e não em função do seu significado, e também por se apresentar em progressões por substituições de enunciados e não pelo encadeamento de enunciados. No entanto, esses pesquisadores relatam que a “estrutura superficial” – assemelha-se à estrutura de uma argumentação na qual os enunciados são encadeados uns aos outros – também é parte da demonstração.

Com as peculiaridades exigidas no ensino e aprendizagem da demonstração em matemática, Duval e Egret (1989) sugerem um tipo de tarefa específica, a organização dedutiva, isto é, uma tarefa em que, dado um corpo de enunciados, o aprendiz deverá ordená-los em função de seu estatuto por meio de um jogo de substituições. As atividades que desenvolvemos nas oficinas de formação com os professores, contemplaram esse tipo de tarefa.

Para esses autores, as tarefas de organização dedutiva devem preceder as tarefas heurísticas em que os aprendizes, por meio de um problema, desenvolvem estratégias de resolução, fazem conjecturas e as demonstram.

Concordamos com Duval e Egret (1989), ao afirmarem que a tomada de consciência do que é uma demonstração somente ocorre em uma articulação de, ao menos, dois registros de representação semiótica, sendo um deles a utilização da língua natural. Particularmente, no quadro da Geometria, Duval (1995) salienta que:

[...] a atividade matemática exigida em geometria faz uso de ao menos dois registros de representação semiótica: o figural e o da língua natural. No entanto, não se trata de simplesmente executar uma troca de registro como em outras situações da matemática, em que os tratamentos são efetuados somente em um dos registros. A atividade cognitiva pedida em geometria exige mais. Os tratamentos efetuados separada e alternadamente em cada um dos registros não são mais suficientes, é necessário que os tratamentos discursivos sejam

________________ 11

Estatuto nesse contexto é entendido como o “status” que possui uma definição, propriedade, afirmação matemática de modo a se tornar inquestionável.

efetuados simultaneamente e de forma interativa (apud MAIOLI, 2002, p. 29).

Neste trabalho consideraremos as funções da demonstração propostas por De Villiers (2001; 2002) e os trabalhos de Duval e Egret (1989), tanto para conceber as atividades da seqüência didática, como também para analisar os dados coletados.