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CAPÍTULO 2: BREVE ESTUDO HISTÓRICO-EPISTEMOLÓGICO

2.1 A MEDIATRIZ NO CONTEXTO DA GEOMETRIA

Apesar de nenhum dado nos permitir estimar quantos séculos se passaram para se elevar a Geometria ao “status” de ciência, muitos escritores concordam que foi no Egito antigo, no vale do rio Nilo, que a Geometria passou a ser tratada como ciência. Assim, temos na agrimensura, prática do antigo Egito, os primórdios da Geometria, que significa medida da terra, como ciência. Acreditamos que a Geometria científica nasceu de necessidades práticas. Vejamos o que disse o historiador Heródoto, do século V a. C.:

Eles diziam que este rei [Sesóstris] dividia a terra entre os egípcios de modo a dar a cada um deles um lote quadrado de igual tamanho e impondo-lhes o pagamento de um tributo anual. Mas qualquer homem despojado pelo rio de uma parte de sua terra teria de ir a Sesóstris e notificar-lhe o ocorrido. Ele então mandava homens seus observarem e medirem quanto a terra se tornara menor, para que o proprietário pudesse pagar sobre o que restara, proporcionalmente ao tributo total. Dessa maneira, parece-me que a geometria teve origem, sendo mais tarde levada até a Hélade (apud Eves, 2001, p. 3).

Porém, tudo indica que foram os gregos que transformaram a Geometria em uma matéria diferente de um conjunto de conclusões empíricas, pois insistiam que os fatos geométricos deveriam ser estabelecidos não por procedimentos empíricos, mas por raciocínios dedutivos.

Segundo o Sumário Eudemiano14, a Geometria grega parece ter começado essencialmente com o trabalho de Tales de Mileto, um digno fundador da Geometria demonstrativa. É a ele que estão associadas as primeiras idéias da utilização de métodos dedutivos em Geometria. Pitágoras é o segundo geômetra grego importante mencionado nesse Sumário, considerado como sistematizador da Geometria iniciada por Tales. Entretanto, foi Euclides (300 a. C.) quem organizou e produziu uma obra memorável – Os Elementos – uma cadeia dedutiva única de 465 proposições.

Já para Boyer (1996), Tales foi o primeiro a que se deve descobertas matemáticas específicas, apesar de que, um milênio antes, muitas teorias já eram conhecidas pelos babilônios. Tales teria dado as primeiras contribuições significativas para o desenvolvimento da Geometria. Com ele, nascia a abstração geométrica e a busca por comprovar fatos que só eram tidos, como verdadeiros, empiricamente.

Mediante a importância dessa parte da Geometria, já evidenciada nos contextos históricos, consideramos necessário apontar como alguns autores de livros de matemática tratam esse assunto. Destacaremos como Barbosa (1985), Dolce e Pompeo (2001), Wagner (1993), e Rezende e Queiroz (2000), definem e apresentam o objeto geométrico mediatriz de um segmento.

Barbosa (1985) apresenta a definição de mediatriz após demonstrar a proposição: Todo triângulo está inscrito em um círculo e enuncia que: Três pontos não

colineares determinam um círculo15

. Destacamos que o argumento fundamental nessa demonstração consiste no leitor observar que todos os pontos da reta que passa pelo ponto médio de um segmento e é perpendicular a ele, eqüidista das extremidades do segmento. E apresenta a seguinte definição: “Chamamos mediatriz de um dado segmento à reta perpendicular ao segmento passando pelo seu ponto médio” (BARBOSA, 1985, p. 134), e em seguida enuncia o seguinte corolário: As

mediatrizes dos lados de um triângulo encontram-se em um mesmo ponto.

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14 Esse sumário consiste nas páginas de abertura do Comentário sobre Euclides, Livro I, de Proclo e é um breve resumo do desenvolvimento da geometria grega desde seus primeiros tempos até Euclides. Embora Proclo tenha vivido no século V d.C., mais de um milênio depois do início da matemática grega, ele ainda teve acesso a muitos trabalhos históricos e críticos que de então para cá se perderam, salvo alguns fragmentos e alusões preservados por ele próprio e outros. Dentre esses trabalhos perdidos está um resumo de uma história aparentemente completa da geometria grega, já desaparecida à época de Proclo, cobrindo o período anterior a 335 a.C. e escrita por Eudemo, um discípulo de Aristóteles. O nome Sumário Eudemiano se deve a esse trabalho anterior. (EVES, 2004, p. 97).

15

Barbosa (1985) define círculo: sendo A um ponto do plano e r um número real positivo. O Círculo de centro A e raio r é o conjunto constituído por todos os pontos B do plano, tais AB = r.

Dolce e Pompeo (2001), quando tratam da perpendicularidade, definem mediatriz de um segmento como a reta perpendicular ao segmento que passa pelo seu ponto médio apresentando a figura 3.

Figura 3: Mediatriz do segmento AB

Os autores apresentam uma propriedade relativa aos pontos da mediatriz: todo

ponto da mediatriz de um segmento é eqüidistante das extremidades do segmento, e

sugerem a demonstração utilizando o caso LAL (lado, ângulo, lado) de congruência de triângulos. E ainda utilizam o ponto de intersecção das mediatrizes dos lados de um triângulo para definir o circuncentro, destacando em uma nota que este ponto é o centro da circunferência circunscrita ao triângulo.

Rezende e Queiroz (2000) definem mediatriz de um segmento, como a reta perpendicular ao segmento que contém o seu ponto médio. Ressaltamos que essas autoras destacam a unicidade da mediatriz de um segmento, enunciando e demonstrando o teorema: a mediatriz de um segmento é o conjunto dos pontos que

eqüidistam das extremidades do segmento. Quando tratam de construções

geométricas elementares, as autoras apresentam a seguinte construção:

Para traçarmos a mediatriz do segmento AB, isto é, para traçarmos a reta perpendicular a AB pelo seu ponto médio, traçamos duas circunferências (na prática, traçamos apenas dois arcos convenientes contidos nelas, respectivamente) C(A, r) e C(B, r), com r = AB e arbitrários, as quais, pelo Teorema das Duas circunferências, encontram-se em dois pontos, que chamamos P e Q.

(REZENDE e QUEIROZ, 2000, p. 124)

Para justificarem matematicamente a construção, as autoras se apóiam no fato do quadrilátero AQBP ser um losango e sendo assim, suas diagonais ABePQ são

perpendiculares e encontram-se em seus pontos médios. Logo a reta m = PQ é a mediatriz de AB. Essas autoras, ainda observam que na construção da mediatriz de

AB basta tomar arbitrariamente

2 AB r > .

Já para Wagner (1993), a mediatriz de um segmento AB é a reta perpendicular a AB que contém o seu ponto médio, sugerindo a construção no mesmo molde que Rezende e Queiroz (2000), ou seja, por meio do processo do losango, relatando também que é importante lembrar a seguinte propriedade: “a mediatriz de um segmento é o conjunto de todos os pontos que eqüidistam dos extremos do segmento” (Ibid, p. 4).

Percebemos que os autores Barbosa (1985), Wagner (1993), Dolce e Pompeo (2001) e Rezende e Queiroz (2000) definem, a priori, a mediatriz de um segmento como a reta que passa pelo ponto médio desse segmento e é perpendicular a ele. Notamos que Barbosa (1985) usa, de maneira implícita, a propriedade: um ponto

pertence a mediatriz de um segmento se, e somente se, é eqüidistante das extremidades do segmento, deixando a cargo do leitor as justificativas matemáticas,

já Dolce e Pompeo (2001), enunciam e demonstram a propriedade : Se um ponto

pertence a mediatriz de um segmento, então ele eqüidista das extremidades do segmento, não deixando indicação alguma sobre a veracidade do recíproco desse

teorema.

Por outro lado, Wagner (1993) faz uma apresentação sucinta e lembra a propriedade: a mediatriz de um segmento é o conjunto de todos os pontos que

eqüidistam dos extremos do segmento, sem apresentar qualquer discussão para a

resolução de futuros problemas de construção geométrica e nem destacar como sendo uma outra forma equivalente de definir mediatriz de um segmento. Já Rezende e Queiroz (2000), apresentaram a definição de mediatriz sob “pontos de vista” diferentes, apesar de não deixarem explicito quando demonstram o teorema: a

mediatriz de um segmento é o conjunto dos pontos que eqüidistam das extremidades do segmento.

Com relação à construção com régua e compasso, tanto Wagner (1993), como Rezende e Queiroz (2000) apresentam a construção da mediatriz, porém justificaram matematicamente, pelo losango, isto é, as diagonais de um losango são

perpendiculares e interceptam-se em seus pontos médios, a sugestão de encontrar dois pontos eqüidistantes quaisquer para construir a mediatriz de um segmento fica implícita.

Sendo a justificativa pelo losango um caso particular de encontrar dois pontos eqüidistantes, porque essa solução é a que aparece como a primeira para esses autores? Uma vez que esses livros são recomendados para alunos de graduação em Matemática, porque não apresentar o método mais geral? Será que um trabalho no qual se desenvolve outro tipo de visão seria recomendado em um grupo de professores em formação continuada?