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Antes da 1.ª Guerra o reconhecimento oficial do Esperanto parecia possível apenas no quadro dos governos nacionais, especialmente em França – já que na Rússia o enquadramento czarista tinha sido totalmente adverso. Foi em França que em 1905 E. Javal obteve apoio do Ministro da Educação Pública, tendo Zamenhof recebido o título de Chevalier de la Légion d’Honneur. Em Espanha o rei Afonso XIII concedeu-lhe o título da Ordem de Isabel, a Católica, além de ter sido o patrono do Congresso de 1909 em Barcelona, a exemplo do rei da Saxónia no Congresso do ano anterior em Dresden; verificou-se também a partir de 1907 a presença de observadores oficiais nos Congressos (vd. Fortster, 1982:170-1). Entre 1907 e 1917 Zamenhof foi nomeado 14 vezes para o Nobel da Paz (vd. Grzybowski, 2010:184)156.

Com o fim do conflito bélico os esperantistas partilhavam uma corrente de pensamento progressista sobre a reconstrução do pós-guerra. A atmosfera propícia à cooperação internacional viu nascer a organização intergovernamental Liga das Nações, com quem a UEA sentiu afinidades. Entre os objectivos daquela organização intergovernamental estava a cooperação internacional no sentido da estabilidade e pacificação, como se lê nos seus princípios: “to promote international co-operation and to achieve international peace and security, by acceptance of obligations not to resort to war, by the prescription of open, just and honourable relations between nations” (em The Covenant of the League of Nations, 1930, cit por Forster, 1982:171). O idealismo dos esperantistas, ou de uma grande maioria deles, era de há muito orientado para as questões das relações pacíficas entre indivíduos e grupos, e essa representação era também projectada para o exterior: veja-se que em 1913, no Congresso Universal em Berna, um delegado inglês lê uma carta de Sir Vesey Strong, antigo Lord Mayor de Londres, invectivando os esperantistas a colaborar no movimento internacional da paz. Houve uma reacção muito expressiva, Zamenhof agradeceu a carta e o seu mensageiro, e vários presentes manifestaram-se, sublinhando que várias nacionalidades – nomeadamente inglesa, francesa e alemã – ali estavam, em prol da irmandade humana (cf. The British Esperantist, Out. 1913, cit. por Forster, 1982:161 e 170). Também do exterior do movimento uma organização pacifista projectou na língua Esperanto uma expectativa significativa; trata-se da Internacional de Resistentes à Guerra fundada em 1921, que utilizava inicialmente o Esperanto e em 1929 começou a editar o boletim La Militrezistanto, e depois da 2.ª Guerra organizava encontros no quadro dos Congressos Universais, e cujo presidente Harold Bing (1897-1975) escreveu em Esperanto em 1971 a Base Histórica e Filosófica do Pacifismo Moderno (vd. Lapenna et al., 1974:262 e 531). Os esforços de organizações pacifistas no movimento

156 Contabilizam-se cerca de mil monumentos e ruas em mais de 50 países com o nome de Zamenhof (mais de 160 no Brasil, mais de 130 em França, e mais de 100 na Polónia), existem os Montes Zamenhof na Hungria e no Brasil, uma ilha no Danúbio, um planeta (Planeta 1462, Zamenhof) descoberto em 1938 por Väisäläis, e um género de líquenes chamam-se Zamenhofia (vd. Grzybowski, 2010:184; vd. também Franzco, 2007:281).

174 do Esperanto não foram, contudo, duradouros. Em 1905 Gaston Moch fundou a Sociedade Internacional Esperantista para a Paz (Internacian Societon Esperantistan por la Paco) que editava o periódico Espero Pacifista e outra literatura sobre pacifismo, mas retirou-se do movimento alguns anos depois. Também a organização Universala Pacifista Esperantista Ligo, fundada em 1923, teve parca duração (vd. Lapenna et al., 1974:530). À Mondpaca Esperantista Movado fundada em 1953 faremos alusão adiante.

O caminho que a UEA pecorreu no período da 1.ª Guerra conferiu-lhe visibilidade no exterior do movimento permitindo-lhe, através do seu presidente Edmond Privat (1889-1962), uma aproximação à Liga das Nações, tanto que Privat se tornara entretanto membro da delegação persa àquela organização. A partir da realidade do ensino do Esperanto, mais ou menos bem-sucedido, em inúmeras escolas no mundo157, foi apresentada uma proposta em 1920 pelos delegados da África do Sul, Itália,

Bélgica, Checoslováquia, Brasil, China, Chile, Colômbia, Índia, Haiti e Pérsia: atentando nas dificuldades linguísticas que actuam como uma barreira na relação directa e consequente bom entendimento entre os povos, e seguindo as tentativas de ensino oficial da língua internacional Esperanto em vários Estados-Membros da Liga das Nações, afigura-se desejável que esse ensino se generalize de modo a que as crianças de todas as nações aprendam pelo menos duas línguas – a materna e um meio fácil de comunicação internacional -, e pede-se ao Secretário-Geral um relatório detalhado dos resultados neste campo, a apresentar no próximo encontro (cf. Forster, 1982:172). A proposta foi considerada e foi recomendado um estudo sobre o ensino do Esperanto. Contudo, a oposição da França, argumentando que o Francês era já a língua universal, conseguiu impedir o seguimento da proposta. Para o ano seguinte uma preparação prévia constou do convite de um representante da Liga para presenciar o Congresso Universal de Esperanto em Praga, que foi aceite pelo Vice-Secretário Geral, o japonês Inazo Nitobe. Em Setembro desse ano de 1921 nova proposta foi apresentada, nos termos da introdução do ensino da língua auxiliar Esperanto nas escolas estatais. Apesar da reiterada oposição por parte da França, o relatório foi aceite. Como adjuvante da investigação a UEA propôs uma conferência sobre o ensino do Esperanto, que foi realizada com a colaboração do Instituto Jean-Jacques Rousseau de Genéve, uma instituição universitária internacional de ensino. Desta conferência resultou um relatório – “Esperanto como uma Língua Internacional Auxiliar” - apresentado em 1922 no terceiro encontro da Liga das Nações. A estabilidade, difusão e aplicação prática do Esperanto foram sublinhadas, assim como a influência “moral” na educação pela paz e no fomento da solidariedade internacional, totalmente de acordo com os princípios da Liga. Quanto ao ensino, recorreu-se ao argumento da facilidade relativamente às línguas naturais e ao facto de o tempo tomado para a sua aprendizagem não prejudicar os alunos, antes pelo contrário, dado que o

157 O estudo elaborado no ano seguinte (1921) para a Conferência sobre ensino do Esperanto promovida pela UEA (a que aludiremos adiante neste texto), apurou que em 250 cidades no mundo se realizava ensino da língua, mesmo se em muitos casos ainda de forma incipiente e a título voluntário (vd. Forster, 1982:173-4).

175 seu estudo torna a aprendizagem das outras línguas mais fácil. Finalmente, os autores manifestaram esperança de que a Liga mostrasse interesse no Esperanto, enquanto língua a ser ensinada na escola e utilizada na telegrafia – os autores tiveram a preocupação de omitir qualquer sugestão do Esperanto como recurso diplomático, de forma a não antagonizar a representação francesa (Forster, 1982:173-5). Assim, o apoio surgiu da Finlândia, Bulgária, Pérsia, China e Japão. A Suécia e a Noruega expresaram a sua oposição, na medida em que apoiavam a língua inglesa, a Dinamarca manifestou apoio pelo Ido, e por seu turno o Brasil apelidou o Esperanto de “língua de irresponsáveis e comunistas”. O delegado francês tentou impedir a discussão propondo que o assunto fosse tratado pelo Comité da Cooperação Intelectual da Liga das Nações. É necessário não esquecer que o governo de direita de França, liderado por Poincaré (1922-24), se opunha veementemente ao Esperanto e seus propósitos internacionalistas, muito associados ao movimento operário e ao interesse que o regime russo demonstrou na sua potencialidade para a difusão mundial do socialismo. A política educativa reflectiu esta percepção, e o ensino do Esperanto foi proibido nas escolas francesas, tendo o Ministro da Educação declarado que o Francês seria sempre a língua da civilização e o Esperanto devia ser travado, uma vez que o seu objectivo era impedir a existência das culturas nacionais. Se a língua foi sempre uma característica presente no nacionalismo francês, neste momento a sua defesa era ainda mais premente, dado o início da ascensão do Inglês. O Esperanto representava pois uma ameaça. Por razões diferentes os britânicos também não tinham interesse no apoio do Esperanto, começando naquela altura o Inglês a adquirir prestígio internacional (vd. Forster, 1982:175-7 e 182-4). Deste modo a discussão foi transferida para o referido Comité da Cooperação Intelectual:

Discussion eventually centred on the merits of the learning of Esperanto as compared with the learning of foreign languages. Although some members dissented, such was the majority view (…) A final resolution was adopted to the effect that the Committee did not feel justified in recommending an artificial language for consideration of the League. Instead, the Committee recommended that the League should promote the study of modern languages and foreign literatures. It did, however, note that there might be practical advantages to be derived from adopting an artificial language (Forster, 1982:176-7).

Esta resolução foi aceite em votação158. No ano seguinte a nova proposta relativa ao Esperanto foi apresentada pela Pérsia, e advogava a sua adopção como língua “livre” nos telegramas, com a intenção

158 O presidente do Comité de Cooperação Intelectual, o filósofo Henri Bergson, reduziu a discussão à defesa das línguas e culturas nacionais, uma vez que o objectivo de uma língua artificial seria tornar supérfluo o estudo das línguas vivas: “In order to thriumph over the prejudice which stands in the way of understanding and loving another nation, two means only are available: either to go into the country in question and for some time live the life of its inhabitants, or (…) to learn the language and to study its literature”. É sabido que Bergson expressara anteriormente o seu apoio ao Esperanto, mas admitiu ter cedido às instruções do Ministro da Educação francês para “afundar o Esperanto” (Forster, 1982:176, nota 18 inclusa).

176 de colocar o Esperanto a par com as línguas nacionais. Esta resolução foi considerada pelo Comité dos Assuntos Técnicos e finalmente aceite, e a Liga das Nações recomendou-a aos Estados-Membros; foi depois considerada pela União Telegráfica Universal no encontro de Paris de 1925, tendo sido aceite por unanimidade, não sem o contributo da petição lançada pela UEA e pela Liga de Trabalhadores Esperantistas dos Correios e Telégrafos que recolheu 13 000 assinaturas. Por seu turno, a proposta checa para a aceitação paralela do Ido foi rejeitada naquele encontro de Paris. Ainda que este reconhecimento do Esperanto tivesse limitadas consequências práticas, não deixou de ser simbolicamente significativo, por o Esperanto ser reconhecido como língua legítima numa área da comunicação internacional (vd. Forster, 1982:177-8). Não obstante, o International Labour Office (ILO, organização independente da Liga das Nações, embora na sua dependência financeira) aceitou a proposta de colaboração com a UEA, começou a ser representado nos Congressos Universais de Esperanto, e editou regularmente um boletim em Esperanto entre 1923 e 1932.

O período de negociação com a Liga das Nações iniciou uma fase diferente da estratégia dos esperantistas, fomentando entre os seus responsáveis a análise e demonstração das vantagens práticas do Esperanto em vários domínios, através de conferências de carácter técnico organizadas pela UEA. A primeira já aqui referida versou o ensino do Esperanto nas escolas, e foi realizada em 1922. No ano seguinte em Veneza o tema debatido foi o comércio, na Conferência Internacional para uma Língua Comercial Comum, a partir do interesse que a Câmara de Comércio de Paris mostrou, investigando e concluindo favoravelmente sobre a potencialidade da língua Esperanto. Mais de 200 delegados de 23 países representaram Câmaras e Feiras de Comércio, e organizações industriais, de transportes e de turismo, trazendo na sua maioria relatórios favoráveis à língua. Foram aprovadas várias resoluções sobre a sua utilização no comércio e sobre o seu ensino nas escolas comerciais – aliás, em Paris o Esperanto já constituía opção curricular no ensino comercial. Os representantes das Feiras Internacionais de Comércio estavam particularmente interessados, e em Leipzig e em Frankfurt tinham sido constituídos secretariados de Esperanto e editada literatura nesta língua. No entanto:

Esperanto was clearly seen in certain comercial circles as of importance in a postwar reconstruction of world trade. It is noteworthy, however, that the conference largely consisted, like the schools’ conference, of practitioners who were already supporters of Esperanto (though some of the delegates had learnt Esperanto specially for the conference). The entire proceedings of the conference took place in that language. The successful experiences obtained were also due in some degree to the fact that the services of UEA delegates had been employed for provision of commercial information (Forster, 1982:179-80).

Em 1925 realizou-se uma segunda conferência sobre este tema, desta vez em Paris, sob o patrocínio oficial da Câmara de Comércio desta cidade. Desta vez houve também representação oficial de 10 governos. Foi dada especial atenção à ideia das Chaves de Esperanto, já defendidas por Zamenhof no Unua Libro, e que consistem num vocabulário básico e nos fundamentos gramaticais que devem

177 acompanhar a correspondência redigida em Esperanto para a sua descodificação. Em 1925 já existiam várias Chaves nas principais línguas, por iniciativa de Herbert F. Höveler (que usava o pseudónimo Ĉefeĉ). Foi discutido vocabulário comercial e a adequação de várias raízes lexicais, e foram apresentados relatórios sobre o ensino do Esperanto como língua comercial (vd. Forster, 1982:181-2; Lapenna et al., 1974:67).

No contexto do surgimento das comunicações de rádio, a UEA colaborou com a Sociedade Rádio- Eléctrica Suiça na Conferência Preparatória para um Acordo Internacional da Rádio-Telefonia, realizada em Genéve em 1924. O Esperanto foi uma das línguas utilizadas. Foi por unanimidade aprovada uma resolução de apoio a uma língua internacional auxiliar para as emissões internacionais, e o Esperanto era considerado bastante apropriado, pois era perceptível de forma clara através da rádio. Parecia haver apoio de não-esperantistas nesta área de comunicação, contudo, a situação alterar- se-ia com a difusão de emissoras nacionais que passaram a cobrir um espaço que estava anteriormente fora do âmbito da acção dos Estados159 (vd. Forster, 1982:180-1).

Em 1921 a Academia Francesa de Ciências aprovou uma resolução favorável ao Esperanto no sentido da sua utilidade para a difusão internacional da influência intelectual e cultural francesa. Defendia o seu ensino em conjugação com a educação científica bem como a sua aprendizagem pelos cientistas, a sua utilização como língua oficial nas conferências científicas internacionais e nas publicações dirigidas a um público internacional, e ainda a compilação de glossários especializados para os vários ramos científicos; o Esperanto terá sido caracterizado como “uma obra-prima da lógica e da simplicidade”. Esta resolução motivou a UEA, mais uma vez, à realização de uma conferência sobre a utilização do Esperanto na ciência e na tecnologia, que só teve lugar em 1925 em Paris. Foi requisitada a colaboração da Associação Internacional Esperantista de Ciência, fundada em 1906; compareceram delegados de associações científicas de 37 países, ainda que muitos deles não falassem Esperanto, que se debruçaram sobre a implementação das recomendações da Academia Francesa, e em particular, a desejabilidade de disponibilizar sumários dos artigos científicos em Esperanto, prática já realizada por alguns periódicos japoneses (vd. Forster, 1982:181 e Lapenna et al., 1974:250). Veja-se que logo em 1901 o General Sébert iniciou junto da Academia Francesa de Ciências, e depois junto da Associação Internacional de Academias, uma sensibilização para a importância da Língua Internacional na ciência. A difusão do Esperanto incentivou os cientistas esperantistas à constituição

159 Já o rádio-amadorismo permaneceu um hobby de características internacionais, em que muitos esperantistas foram pioneiros; estes tiveram uma boa recepção no Congresso Mundial de Rádio-Clubes, em Paris em 1925. Este Congresso não foi realizado por organizações esperantistas, mas foi recomendada a utilização do Esperanto como língua auxiliar das comunicações internacionais e transmissões radiotelefónicas, assim como para os congressos, lado a lado com o Inglês e o Francês. Neste campo, o Esperanto tinha como rival os Idistas, uma vez que o Ido era para os seus seguidores considerado uma “inovação técnica em vez de um veículo de idealismo”, e por isso, associado ao universo da vanguarda tecnológica (vd. Forster, 1982:180-1).

178 de uma organização própria, e no Congresso Universal de 1906, em Genéve, a reunião inicial, organizada por Sébert e Carlo Bourlet, permitiu a fundação da referida Associação Internacional Esperantista de Ciência (Internacia Scienca Asocio Esperantista - ISAE), tendo como órgão oficial a Scienca Revuo que já era publicada pela Hachette desde 1903; a ISAE pretendia o incentivo do Esperanto nos meios científicos e o enriquecimento da terminologia esperantista científica. De facto, uma das suas primeiras publicações foi Vocabulaire Technique et Technologique Français-Esperanto (de Charles Verax), e em 1958 a ISAE assume, no seu Centro de Terminologia, a tarefa que em 1950 tinha sido iniciada pela Academia de Esperanto para a realização das terminologias das várias áreas científicas (vd. Lapenna et al., 1974:250 e 281).

Refira-se por fim a conferência de 1927 em Praga, organizada pelo Comité Internacional Central esperantista (desta vez não pela UEA), e denominada “Paz através da escola”, em que o patrono foi o Presidente Masaryk. Compareceram 494 delegados de 19 países, sendo que um quarto daqueles aprenderam Esperanto para a Conferência e metade já eram fluentes. Em 1934 uma segunda conferência sobre o Esperanto na escola foi realizada em Viena (cf. Forster, 1982:178-185).

Através das organizações esperantistas, a visibilidade conseguida junto da Liga das Nações, e paralela e incipientemente, nas áreas da ciência, da indústria, comércio e turismo, e também nas comunicações de rádio e postais, conferiram ao Esperanto algum reconhecimento público mas sem carácter de oficialidade: “Esperanto began to take its place as a significant, but unofficial and specialised, organisation” (Forster, 1982:186).

A figura de Jules Verne (1828-1905) permite ilustrar, num breve parênteses, não apenas a ligação precoce do Esperanto ao universo da ciência, mas também a sua mais ampla significação social. No início de 1903 formou-se um grupo de Esperanto em Amiens, pela acção de Charles Tassencourt, amigo de Jules Verne, e este aceitou a presidência do grupo. Por essa altura Verne iniciou um romance, interrompido pela sua morte em 1905, em que uma comissão de estudo enviada ao coração africano incorporava o russo Nikolao Vanof, encarregado de ensinar Esperanto aos membros da expedição. No manuscrito Verne tinha deixado espaços em branco destinados ao texto que seria traduzido posteriormente para Esperanto, e antecipava a expansão da língua na África Central como meio de difusão da civilização e do comércio. O romance que seria intitulado Viagem de Estudo foi em 1919 concluído pelo filho do escritor, Michel Verne, que lhe alterou o título e excluiu as alusões ao Esperanto (vd. Le Courrier de L’Ouest, 1993)160. Um texto de Pere Martín (1988) explora o universo de Verne e as suas fundações científicas, filosóficas e políticas, ou seja, o socialismo romântico e o positivismo, que nos ajudam a fazer a ligação evidente ao acolhimento da língua internacional Esperanto por parte do escritor:

160 Em 1981 o manuscrito foi descoberto quando parte do arquivo do escritor foi para Nantes, tendo sido publicado pela Cherche-Midi num volume intitulado San Carlo (vd. Le Courrier de L’Ouest, 1993).

179 Las novelas de Jules Verne responden a un plan educativo diseñado por su editor, el sansimoniano J. Hetzel, y dirigido a la formación de la juventud. Consistiría, en principio, en despertar el interés por la ciencia, divulgar los conocimientos científicos, y formar a los dirigentes de la sociedad del futuro (…) Los Viajes extraordinarios no sólo consideran el saber científico. Pretenden, además, formar a esa juventud en unos determinados valores como son la solidaridad, la fraternidad, la justicia. Valores, todos ellos, que responden a los ideales socialistas románticos (Martín, 1988).

Adiante, Martín reitera o significado destes valores para Verne, não desligados de uma concepção das relações entre as nações: “Siempre a favor de la abolición de la esclavitud, [Jules Verne] cree en la fraternidad entre los individuos de la especie humana y en la unión entre los pueblos, así como también considera absurdo los limites estatales y las rivalidades internacionales” (Martín, 1988). Vejamos agora o mundo operário. Tínhamos visto no Capítulo 2.2 como é que o cenário da 1.ª Guerra influiu no movimento na II Internacional, provocando um desacordo entre as visões pacifistas e a continuidade do desígnio revolucionário imediato. A eclosão da Guerra, e a participação ou apoio de alguns líderes socialistas nas acções bélicas dos respectivos governos nacionais – numa subversão de princípios fundamentais do internacionalismo e da luta contra o capitalismo de base nacionalista e imperialista – foi um dos móbeis de uma cisão profunda que originou a fundação da III Internacional. No universo esperantista, a maior organização operária teve início com a acção do francês Eugene Adam (1879-1947), antigo operário que através do seu autodidactismo se tornou professor de ensino técnico. A experiência da 1.ª Guerra foi para ele determinante: atribuiu a participação operária no conflito a uma lacuna na educação não-nacionalista dos socialistas, e a sua colaboração numa unidade ambulatória fá-lo convencer-se da vanidade do nacionalismo. Eugene Adam era activo nos círculos socialistas, tinha conhecimento dos princípios anarquistas, e durante a Guerra aprendeu Esperanto. A sua atitude discordante dos conhecimentos de tipo ortoxodo valeram-lhe o cognome francês de