• Nenhum resultado encontrado

Começamos por concordar com a afirmação de Habermas a respeito do carácter multicultural das sociedades actuais: “Today, all of us live in pluralist societies that move further away from the format of a nation-state based on a culturally more or less homogenous population. Except for policies of ethnic cleansing, there is no alternative to this route towards multicultural societies” (Habermas, 1996:289. Ver também Hobsbawm, 1998:149 e Archibugi, 2005). Este fenómeno da diversidade cultural é na maioria das vezes acompanhado de uma correspondente diversidade linguística, que se explica pela presença de vários grupos linguísticos aquando da formação dos Estados e pelos fenómenos migratórios que originam comunidades dentro das fronteiras de um país. As situações são múltiplas, e moldadas por variáveis como os impérios, o colonialismo, as diásporas e os exílios, sendo a escravatura transatlântica uma das mais violentas deslocações populacionais na história, que resultou em várias culturas negras interligadas, nomeadamente, a afro-americana, a afro-caribenha, a britânica66

66 Paul Gilroy (1992:190-1) refere a cartografia do envolvimento dos escravos negros na história do R.U. e em particular no movimento operário, como também, o facto de no final do século XVIII um quarto da marinha inglesa ser composta por africanos (é de 1840 a pintura de William Turner intitulada “O navio negreiro”, exibida na Royal Academy, no momento em que decorria em Londres a World Anti-Slavery Convention).

60 e a sul-americana. São “culturas da diáspora”67 ou “da deslocação e transplantação”, que desafiam as

noções de etnicidade e identidade, de cosmopolitismo e nativismo (e que quando são inseparáveis de violentas interacções económicas, políticas e culturais, podem ser entendidas como “cosmopolitismos discrepantes”) (vd. Clifford, 1992:108).

A vivência da diferença linguística na relação inter-étnica pode ser dramática, na medida em que depende de um dos atributos individuais mais visíveis para além da aparência física. A distância criada, forjada na diferença entre “nós” e “eles” ou os “outros”, baseia-se quase sempre numa distinção entre atributos respectivamente positivos e negativos, e muitas vezes os outros grupos étnicos incorporam figuras de seres toscos ou desprovidos de determinados atributos como o de “não saber falar” (vd. Quevedo, 1996:223). A menorização da língua materna dos indivíduos é uma experiência muito forte: como diz Anderson (2006:43): “those [spoken] languages that for their speakers (…) are the warp and woof of their lives”.A língua materna está directamente associada à identidade dos indivíduos, pelo que denegrir a “sua” língua é dimimuir a pessoa. Leia-se este extracto relativo ao contexto multicultural dos EUA, citado por Giroux (1992:204):

So, if you want to really hurt me, talk badly about my language. Ethnic identity is twin skin to linguistic identity – I am my language. Until I can accept as legitimate Chicano Texas Spanish, Tex-Mex and the other languages I speak, I cannot accept the legitimacy of myself (…) and as long as I have to accommodate (…) English speakers rather than having them accommodate me, my tongue will be illegitimate. I will no longer be made to feel ashamed of existing. I will have my voice: Indian, Spanish, white (…) I will overcome the tradition of silence (Gloria Anzaldúa, 1987, Borderlands, La Frontera: the New Mestiza, p.59).

A vivência de uma língua minoritária pode ser sentida como um estigma. O caso dos lapões Saami da Noruega mostra como uma reivindicação inicialmente económica permitiu a assunção de uma cultura e língua antes votadas à escuridão. O protesto contra a construção do projecto hidroeléctrico de Alta River em território onde se efectuava o pastoreio sazonal de renas desde o século XVII levou a uma campanha de “desobediência civil” com uma tenda armada frente ao Parlamento em Oslo, com recurso a greve de fome e a exibição de trajes, música e língua. Esta desocultação cultural permitiu a implosão de um estigma de “mudez” ou “segredo étnico” dos Lapões em presença de não-Lapões; a libertação do estigma levou a que muitos noruegueses “descobrissem” repentinamente os seus antecedentes Saami, e este foi um resultado inesperado deste processo que todavia não venceu em sede de tribunal (vd. A. Cohen, 2004:77-9). A. Cohen refere este caso norueguês a par com os da Austrália e do Canadá, todos relativos à situação de povos indígenas confinados às fronteiras dos respectivos

67 A noção de “culturas da diáspora” é de Kobena Mercer, 1988, em M. Cham e C. Andrade-Watkins (eds),

Blackframes: Critical Perspectives on Black Independent Cinema. A noção de “conjunturas da diáspora” é de

61 Estados-Nação, e conhecidos como situações de “colonialismo interno”68: “the type of subordination

to which the Saami had long been subjected within their ‘own’ boundaries has been described as one of ‘internal colonialism’. More recently such disprivileged and peripheral minorities have been designated ‘the fourth world’, and strikingly similar strategies of symbolic militancy have been observed among fourth world communities” (Cohen, A., 2004:79).

Pudemos ver como alguns regimes ditatoriais empreenderam a defesa das línguas nacionais nas

décadas de 1930 e 1940. Esse fenómeno não ficou confinado ao passado: a defesa da língua nacional, tanto da influência de outras línguas como da disseminação de outros idiomas “concorrentes” pode ser verificada actualmente. No primeiro caso, o exemplo mais ostensivo será talvez o que ocorre em França, e que é assinalado por Hobsbawm (1998:106):

as línguas tornam-se exercícios mais convictos de engenharia social na proporção em que a sua importância simbólica prevalece sobre a sua utilização efectiva, como o testemunham os vários movimentos destinados a “indigenizar” o seu vocabulário ou a torná-lo mais verdadeiramemte “nacional”, dos quais a luta travada pelos governos franceses contra o franglais constitui o exemplo recente mais conhecido. As paixões que os movem são fáceis de compreender, mas nada têm a ver com falar, escrever, compreender ou mesmo com o espírito da literatura.

Em particular, na tentativa de limitar a penetração de termos ingleses, é impedido o uso de Inglês em publicidade, e a Académie Française substituiu os termos intrusos start-up, e-mail, e web respectivamente por une jeune pousse, message electronique, e la toile (cf. Etzioni, 2008:12169; ver também Fishman, 2001 e Fettes, 1992:6 sobre o purismo francês). Outros países mostram semelhante preocupação: na Holanda, a adopção de verbos foi feita através de uma modificação conforme com a gramática da língua holandesa que lhes acrescenta o sufixo –en: to download torna-se downloaden, to log in torna-se inloggen, e to e-mail torna-se mailen70; também o Conselho da Língua Japonesa inventariou termos ingleses que já fazem parte do léxico japonês, como outsourcing, back office, redundancy, accountability, negotiation, literacy, interactive, helper, nice e treatment, e do mesmo modo a Academia Brasileira de Letras identificou os termos drive-in, hot dog, milkshake e personal banker.

A tentativa de defesa dos produtos culturais nacionais pode ser feita através da dobragem de filmes de língua inglesa para reduzir as hipóteses de serem visionados na língua original, ou através de subsídios específicos para produção de bens culturais nacionais, como filmes e trabalhos literários e

68 A este respeito o autor refere a obra de N. Dyck, 1985, Indigenous Peoples and the Nation-State: Fourth

World Politics in Canada, Australia and Norway.

69 O autor recorre a Nigel Ross, 2004, “Academies and Attitudes”, English Today, 20.

70 Em Geert Booij, 2002, “English as the Lingua Franca of Europe: a Dutch perspective”, Lingua e Stile, 36 (cit. por Etzioni, 2008:121).

62 teatrais71. A França é aqui também um exemplo quanto a medidas proteccionistas, quando na década

de 1990 em negociações no contexto da WTO influiu no estabelecimento da “isenção cultural” no contexto do comércio livre72 (a sensibilização cultural no espaço do comércio mundial originou

também uma medida do GATT para a protecção de tesouros culturais nacionais de valor artístico, histórico e arqueológico).

Quanto ao segundo caso – o da defesa face a línguas concorrentes – veja-se o movimento ocorrido nos EUA na década de 1980, desencadeado por cidadãos e apoiado politicamente em alguns Estados, para a protecção do Inglês relativamente às línguas dos imigrantes (cf. Bauman e Briggs, 2003: 301-6; vd. também Hobsbawm, 1996:263 e 1998:164; e Ives, 2010:518). Os proponentes de uma reforma constitucional declarando o Inglês a única língua oficial dos EUA, entre os quais o senador e perito em Semântica S. I. Hayakawa, argumentam que uma ameaça visível à predominância do Inglês constitui um perigo para a democracia e para a ordem política. Este senador foi um dos fundadores da organização US English que pressionou medidas nacionais e estaduais para declarar a oficialidade do Inglês e para restringir direitos de utilização pública a outras línguas (em situações como programas educacionais bilingues ou processos eleitorais bilingues). Bauman e Briggs reproduzem as palavras deste Senador (2003:301-2)73:

He argued that it is English that “keeps us in communication with each other to create a unique and vibrant culture”. Racial conflicts between blacks and whites do not pose a threat to the body politic, he suggests, because “they quarrel with each other in one language”, but efforts by Latino leaders to promote bilingual education and bilingual ballots could undermine the fabric of American society.

Os autores referem também outro Senador, Walter Huddleston, que introduziu uma modificação sobre o Official English no Congresso, reiterando os argumentos de que foi o uso da língua comum na discussão das diferenças e compromisso de soluções que permitiu o desenvolvimento de uma sociedade estável e coesa (“que é a inveja de muitas sociedades fracturadas”)74. Segundo Kathryn Woolard, a retórica a favor do Official English sustenta que os indivíduos só serão eleitores autónomos, informados e racionais se dominarem o sistema linguístico comum, porque o bilinguismo favorece “caciquismo”, votações em bloco e eleitores desinformados e não-qualificados (deste modo,

71 Etzioni (2008:121-2) refere o trabalho de Patricia Goff de inventariação de métodos e iniciativas de protecção de culturas e línguas locais (2000, “Invisible borders: economic liberalization and national identity”,

International Studies Quarterly, 44).

72 Ver Richard Kennedy, 2002, “Who is culture’s keeper?”, Foreign Policy, 133, citado por Etzioni (2008:122). 73 In James Crawford (ed) (1992), Language Loyalties: A Source Book on the Official English Controversy, p.98. 74 Na obra de James Crawford citada pelos autores (1992, Hold your Tongue: Bilingualism and the Politics of

“English Only”), tanto como referida na nota anterior, estão documentadas ligações da US English a outras

organizações de agendas eugénicas e xenófobas que vêem nos Latinos uma ameaça aos direitos económicos e políticos dos cidadãos não-Latinos.

63 tanto alguns políticos liberais “brancos” como alguns Latinos que rejeitariam medidas explícitas em desfavor dos Latinos votaram a favor das propostas do Official English a nível local e estadual)75. Em 2006 a questão foi novamente votada no Senado (Ives, 2010:518)76. Sobre a representação política das

etnias diz Hobsbawm (1996:260): “There are good reasons why ethnicity (whatever it is) should be politicized in modern multi-ethnic societies (…) Electoral democracy produces a ready-made machine for minority groups to fight effectively for a share of central resources, once they learn to act as a group and are sufficiently concentrated for electoral purposes”.

No final da década de 1990 outra controvérsia linguística foi vivida nos EUA, em torno do Ebonics, designação dada ao Inglês falado pelos afro-americanos, e reconhecido por linguistas. Em Dezembro de 1996 a Oakland’s Board of Education adoptou uma resolução de reconhecimento oficial do Ebonics, estabelecendo programas de familiarização para os professores e legitimando a sua utilização nas aulas para facilitar a aquisição e o domínio da língua inglesa. O debate público foi intenso, e demonstrou que as políticas linguísticas dominantes concedem ao Inglês standardizado uma posição de hegemonia: a elevação do Ebonics ao estatuto de língua desafia a visão do Standard English como um sistema linguístico único, com um núcleo homogéneo que unifica linguisticamente todos os falantes, e que defende as fronteiras relativamente a outras línguas, como o Espanhol (vd. Bauman e Briggs, 2003:303-5). Como conclusão dizem Bauman e Briggs (2003: 301 e 302):

It is the very sucess of purifying [and hybridizing] practices that enabled language to become a key neo- conservative tool in debates regarding race and immigration in the United States during the past two decades (…) Herder’s legacy lies at the heart of the one-nation-equals-one-language argument, the notion that a common language is the social glue that binds a nation together, engenders a unique and shared culture, and is also requisite to a viable democratic state.

Na mesma lógica de instrumentalização política da língua nacional para lidar com questões de imigração, no Reino Unido foram criados em 2005 testes de cidadania, que requeriam competência do Inglês ou a realização de cursos de língua e cidadania. Em Dezembro de 2006 Tony Blair afirmou: “It is a matter both of social cohesion and of justice that we should set the use of English as a condition of citizenship (…) permanent residents in the UK [should] be subject to an English test”77.

A ideia – e prática – de protecção de uma língua através dos estatutos de oficial e nacional traduz a ideologia da existência de um “nós” enquanto corpo de pessoas unidas por um conjunto de traços comuns distintivos, nomeadamente “um tipo de vida”, um território, uma língua. Mas, à excepção da aparência física, quase todos os atributos aludidos para a definição do que é ser-se português, inglês,

75 A referência de Kathryn Woolard é: 1989, “Sentences in the language prison: the rhetorical structuring of an American language policy debate”, American Ethnologist, 16 (2). Cit. por Bauman e Briggs, 2003:302. 76 Vd. C. Hulse (2006), “Senate votes to set English as national language”, New York Times, 19 Maio. 77 Tony Blair, 2006, “Speech on multiculturalism and integration” (citado por Ives, 2010:518).

64 ou de outra qualquer nacionalidade, podem ser adquiridos por outros indivíduos, designadamente, emigrantes (cf. Hobsbawm, 1996:263). Aquelas convicções traduzem conhecidos traços de xenofobia que, na visão de vários autores, apresentam hoje uma mudança relativamente às antigas concepções do século XIX e épocas anteriores. Isto é, no lugar antes ocupado pela noção de “raça” parece surgir actualmente o argumento da incompatibilidade cultural (vd. Gilroy, 1992:188; Giroux, 1992:207;ver também Balakrishnan, 1996:211). Gilroy (1992:188) diz que “It is significant that prior to the consolidation of scientific racism, the term race was used very much in the way that the word culture is used today”. Este autor leu os acontecimentos do caso Salman Rushdie em Inglaterra como um novo racismo culturalista e de absolutismo étnico: a crença numa diferença cultural irredutível ficou visível nas ruas inglesas onde foram queimados os livros daquele escritor. Assim: “This new racism was produced in part, by the move towards a political discourse which aligns ‘race’ closely with the idea of national belonging and stresses cultural difference rather than biological hierarchy” (idem:190). Hoje mesmo, temos o fundamentalismo que se reclama “islâmico” e o seu terrorismo que ameaça essencialmente todo o mundo “não-islâmico”. Estará esta visão de irredutibilidade cultural muito difundida, e em que sectores? No mundo académico, Gilroy (1992: 192) encontra uma conotação entre as noções de povo e de nação em historiadores como Raymond Williams e Edward Thompson (do grupo de historiadores do Partido Comunista Inglês, que muito contribuíram para a fundação dos Cultural Studies e de que Eric Hobsbawm fez parte); paralelamente, do outro lado do Atlântico, várias gerações de académicos negros sustentam concepções absolutistas da diferença cultural negra em vez de uma perspectiva mais justa da diáspora transatlântica, que podia designar-se “the black Atlantic world” (isto é, em vez de nativismo e localismo puros deveriam antes assumir a existência de um hibridismo78). Quanto às visões políticas, a análise de Giroux (1992: 206-7) ao caso dos EUA aponta a

mesma crítica tanto à posição conservadora como à liberal: ou através de concepções negativas de identidade, ou fazendo equivaler cultura e raça, ou ainda dissolvendo as diferenças na teoria do “melting pot”, este último caso surgindo como a celebração da liberdade e da democracia de uma pretensa unidade cultural mas, com efeito, com a face da cultura hegemónica branca de classe média e condenando à invisibilidade as restantes culturas.

Estas críticas revelam o problema de conceptualizações reducionistas e essencialistas da realidade, designadamente, aplicadas às culturas e às identidades. As categorias sociais são isso mesmo, categorias, de classe, género, étnicas ou outras, e por isso as identidades também não são estanques e mutuamente exclusivas, mas múltiplas e não hierarquizadas de modo permanente (vd. Mercer, 1992:427; McRobbie, 1992:724; Giroux, 1992:205; Calhoun, 1994; M. Cohen, 1995: 232; Jenkins e Sofos, 1996:3; Corkill, 1996:155; Melucci, 1996:159; della Porta e Diani, 1999:91; Kim, 1999: 131 e

78 Gilroy questiona-se sobre as razões do proteccionismo cultural e da aspiração da etnicidade total, atendo-se ao exemplo dos negros americanos que escrevem sobre o Rap como se este tivesse surgido automaticamente do espírito dos Blues – como se fosse “um definitivo e autêntico produto popular étnico” – sem o reconhecimento do contributo decisivo dos migrantes caribenhos em Nova Iorque (cf. Gilroy, 1992:197).

65 100; Beck, 2002:37). Giroux (1992:205) – como tantos outros autores - afirma que o self é multíplice e não unitário, e que as diferenças são sempre relacionais e não inerentes, e por isso “subjectivities and identities are constructed in multi-layered and contradictory ways. Identity in this sense is seen not only as a historical and social construction, but is also viewed as part of a continual process of transformation and change” (idem:207). Beck diz que “collective identities are historically invented and constructed imagined communities” (2002:37). No mesmo sentido Calhoun (1994:323-4) afirma:

it is common for people to gain their identities from a range of cross-cutting group affiliations (as Simmel suggested), and from membership in a variety of different salient cultural categories. Thus a woman in the United States may feel a strong sense of identity stemming from her occupation, her gender, her family, her community, her political activity, and her religion as well as and partially in competition with her nation.

Calhoun exemplifica o sentimento de nacionalidade, que é exaltado em determinadas circunstâncias históricas, como por exemplo pela guerra. Finalmente, M. Cohen (1995:232) diz que a pertença a vários círculos sociais demonstra a validade do princípio das lealdades plurais (ver também Beck, 2002:31; e della Porta e Diani, 1999:100, que falam do carácter policêntrico em vez de hierárquico das identidades)79. A pluralidade identitária nas pertenças territoriais é visível por exemplo em países como Espanha e Itália, em que a identidade nacional pode ser vista em camadas ou como um fenómeno compósito entre a nação e as regiões. Do mesmo modo, também à escala da União Europeia se pode somar a identificação nacional com o supranacionalismo dos países que a compõem (vd. Jenkins e Sofos, 1996:3; Corkill, 1996:155).

Em contextos multilingues o modelo de interacção entre as línguas em presença costuma ser, como temos vindo a analisar, ou dominação ou luta. Todavia, pode ser uma divisão de funções, como Hobsbawm (1998:153; ver também Archibugi, 2005:540) mostra quanto ao Paraguai: tanto o Espanhol como o Guarani – que foi finalmente tornado também oficial - são ensinados e falados pela elite urbana, embora o Espanhol, com a excepção da literatura, seja o meio de comunicação escrita generalizado. Fishman refere igualmente a divisão de funções sociais das línguas em cenários multilingues, na diversidade dos espaços familiar, laboral, das questões oficiais, ensino e lazeres: “Each language in a multilingual society has its own distinctive functions (…) As long as no two or more languages are rivals for the same societal function, a linguistic division of labor can be both amicable and long-standing” (Fishman, 2001).

No cenário europeu em que tantos países são caracterizados pela coexistência de várias línguas, Lapierre tenta mostrar que o respeito pelas comunidades linguísticas deveria assumir que as populações necessitam também ser multilingues; o autor discute esta questão na assunção de que o

79 O escritor Amin Maalouf partilha com as ciências sociais esta noção: “Se existir, em qualquer momento, entre os elementos que constituem a identidade de alguém, uma certa hierarquia, esta não é imutável, muda com o tempo e modifica profundamente os comportamentos” (1998:21-2).

66 respeito pela autonomia das culturas possa ter como resultado um sistema europeu semelhante ao tipo federalista e por isso entende que a viabilidade da Europa depende de que esta se torne federativa e multilingue (vd. 1988:279); no entanto, a discussão pode fazer sentido independentemente de um cenário federativo. Assim Lapierre lembra que o multilinguismo é uma realidade já familiar aos Escandinavos e à Europa Central, apresentando o exemplo do Luxemurgo. O Luxemburguês – variedade dialectal do Alemão – é de uso quotidiano, uma vez que é correntemente admitido no parlamento, não é interdito no ensino e é a primeira língua aprendida pelos trabalhadores imigrantes. Por seu turno, as leis são redigidas em Francês, que sendo a língua preferencial nos tribunais não é