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conversão ao cristianismo de Saint Patrick, e com o movimento finlandês de afirmação contra a dominação sueca iniciada na década de 1830, e que partiu de uma recolha literária de poemas e baladas de uma época “perdida”, publicada em 1835 pelo médico Elias Lonnröt (idem:121-2).

Num sentido similar ao encontrado em Hobsbawm e outros historiadores na utilização do conceito de “tradição inventada”, também o antropólogo Anthony Cohen (2004) analisa processos de simbolização do passado – através da sua construção selectiva - em comunidades marginais dentro de Estados, ou em comunidades com experiências de colonização. Diz o autor: “Symbols of the ‘past’, mythically infused with timelessness, have precisely this competence [being ‘condensation symbols’ of norms, values and emotions], and attain particular effectiveness during periods of intensive social change when communities have to drop their heaviest cultural anchors in order to resist the currents of transformation” (Cohen, A., 2004:102). Cohen todavia explica que em Antropologia o termo “invenção” é menos recorrente devido à perspectiva de que a experiência do passado é sempre, individual e colectivamente, um “modelo” para a interpretação da realidade (cf. Cohen, A., 2004:99 e Geertz, 1975, The Interpretation of Cultures, em quem Cohen se apoia). Mas a ideia que mais importa sublinhar é a de que as comunidades que se sentem ameaçadas respondem através de uma reconstrução simbólica de fronteiras (cf. Cohen, A., 2004:76-7); subjacente a esta posição encontra-se a assunção de uma certa universalidade das funções das categorias humanas de leitura da realidade: “the boundaries of communities perform the same function as do the boundaries of all categories of knowledge” (Cohen, A., 2004:14).

1.2.3 Ditaduras europeias

Noutra obra, Hobsbawm (1998) detém-se no “apogeu do nacionalismo”, entre 1918 e 1950. Neste período situam-se os governos totalitários e as ditaduras – que na península Ibérica se alongaram pela década de 1970. Este enquadramento nacionalista mais radical terá consequências dramáticas para a história de uma língua de carácter internacional e internacionalista como o Esperanto, e para os seus defensores. Começamos por analisar o nacional-socialismo alemão, paroxismo de ideias românticas e biologistas.

Inicialmente o nacionalismo romântico poderia ser considerado “benigno”: defendia o valor e respeito pela idiossincrasia das culturas camponesas contra as tendências centralizadoras dos modelos cortesãos de Versailles, ou o comercialismo e empiricismo britânicos em particular, e contra o universalismo do Iluminismo no geral (cf. Gellner, 1994:27). Assim, seria legítimo ou preferível que o indivíduo se realizasse na música e dança rurais, em vez de rivalizar com a cultura aristocrática, enraizada na classe guerreira. Estes traços podem ser fundamentalmente encontrados no trabalho do filósofo Johann G. von Herder (1744-1803), na sua defesa de que a cultura de um povo está codificada nos seus textos tradicionais e vernaculares, sendo essas tradições (intertextualmente constituídas) os

47 mecanismos principais da continuidade cultural. Deste modo, a língua vernacular detém e incorpora uma harmonia intrínseca com o espírito colectivo (cf. Bauman e Briggs, 2003:191-3 e 195-6).

Posteriormente, o “brando comunalismo” – que supunha já uma valorização do sentimento em relação à racionalidade - foi suplementado com a crença de que o verdadeiro humanismo e a realização humana residem no sentimento e, em concordância com o pensamento de Nietzsche, que a árida racionalidade universalista conflitua com as raízes da conduta humana, ou é até, patológica (Gellner, 1996:119 e 121). A junção do darwinismo à ideologia romântica teve um papel decisivo no nacionalismo alemão do século XX, implicando que a comunidade idealizada não seria apenas conseguida através da cultura, mas da genética (cf. Gellner, 1994:28). Deste modo, diz o autor:

The communalistically inspired argument can also, by about the middle of the nineteenth century and thereafter, be reinforced by another one, drawn from Darwinism. Vigour, assertion and feeling are good not merely because they are parts of a beautiful ethnic culture, but because they further that competition which aids the survival of the fittest, and which leads to genuine beauty (Gellner, 1996:119-20).

Deste modo, a selecção natural foi entendida não apenas individualmente mas alargada à dimensão comunitária: “It was assumed that natural selection would operate primarily not on individuals, or the human species as a whole, but on what seemed to correspond to species within the human race, namely nations (…) To oppose conflict and ruthlessness in the dealing between nations was to align oneself with pathogenic forces of degeneration” (Gellner, 1996:121).

Esta perspectiva romântica e biologista, marcada por Darwin (1809-1882) e Nietzsche (1844- 1900), e fortemente ancorada na perspectiva de Herder, permitem a Gellner concluir: “Darwin as interpreted by Nietzsche complements Herder” (1996:121). Veja-se particularmente em Herder a concepção das nações como actores históricos, e tal como os indivíduos, detentoras de espírito ou alma, de locais de origem ou berços, de linhagens e ciclos de vida, e de referentes físicos traduzidos num território com fronteiras (como o corpo humano); como os indivíduos, estas entidades teriam logicamente identidade, radicada no carácter nacional (cf. Verdery, 1996:229; ver também Tomlinson, 1991:97). Desta acepção pode inferir-se como corolário uma relação unívoca entre nação e língua, que encontramos explicitada na afirmação de Bauman e Briggs (2003:193): “In Herder’s vision, a viable polity can only be founded on a national language resistant to the penetration of foreign tongues”. Esta convergência ideológica em que se chega a um particular amalgamento de elementos como o repúdio do universalismo, a valorização tanto da cultura não urbana e da coesão comunitária, como da selecção por via da competição, permite entender os excessos de xenofobia, em que o germanismo se opunha ferozmente ao que lhe parecia simétrico, e que foi identificado essencialmente na etnia e cultura judaicas:

Diaspora nations, especially when socially located in the commercial, financial and later intellectual and creative zones of society – and thereby separated from the earthy vigour of physical work at grips with nature

48 – incarnated that cerebral pathogenic cunning which was, for romantic-biological communalism, deeply antithetical to health and community. This is certainly what the Nazis (of a wide variety of nationalities) felt about Jews. They constituted an offence against the principle of nationality, against the essentially ethnic and communal nature of man, tied to blood and land, and they did so not by virtue of being in the wrong place, but simply by virtue of existing at all (Gellner, 1996:119).

Torna-se claro o entendimento que esta ideologia sustenta das culturas e línguas estrangeiras, particularmente sobre um produto sem âncora nacional criado por um judeu, a língua Esperanto. Veremos agora o caso de Portugal. Uma das características das identidades nacionais, como de qualquer processo de construção identitária, é serem construídas por oposição aos outros, designadamente, em confrontações militares com outros países e civilizações. Os portugueses definem-se a si próprios como tal através de um longo processo histórico que parece iniciar-se com uma identificação genérica com os cristãos em oposição aos Mouros, depois nos confrontos com Espanha aproximam-se de uma lógica mais de tipo nacional, assim como posteriormente contra os franceses liderados por Napoleão; não esqueçamos ainda a oposição aos povos ultramarinos em resultado da expansão (cf. Mattoso, 1998:16-20). A primeira reacção identificada como “patriótica e popular” terá sido desencadeada pelo Ultimatum inglês em 1890 (cf. idem:38).

Naturalmente só após os característicos desenvolvimentos de fim de século - como a difusão da imprensa e da escolarização a partir de 1870, e a implantação de um sistema eleitoral, que permitem uma crescente participação da população na vida pública – é possível a generalização da consciência de uma identidade nacional (cf. Mattoso, 1998:21). Dos conflitos liberais - cujas guerras não evocavam questões territoriais mas tão só ideológicas – o triunfo liberal contribuiu para a difusão do “ideal nacional como um vínculo que devia unir todos os portugueses independentemente da sua ligação com qualquer poder constituído. O conceito romântico de ‘espírito do povo’ (Volksgeist) difundiu-se então entre os intelectuais burgueses como uma espécie de dogma” (cf. Mattoso, 1998:20). Um dos eixos do movimento romântico concretizou-se na mitificação do passado imperial português, designadamente pela memória de Camões, cujo tricentenário foi assinalado em 1880. A data da sua morte em 1580, ano da perda de independência do país, potenciou o culto camoniano como símbolo da identidade nacional (cf. Corkill, 1996:166-7, nota 32 incluída). A epopeia colectiva de Os Lusíadas marca a atribuição dos feitos históricos ao colectivo português, numa ruptura com os relatos que até então aclamavam e singularizavam os heróis individuais, i.e., reis e chefes51. Esta obra

literária prestou-se bem a uma apropriação pelo Romantismo português da “vocação de um povo”,

51 A grandiosidade dos feitos e a mitificação dos protagonistas perpassam a obra: “Os portugueses, laureados por uma designação que os liga ao passado clássico (o povo que reivindicava a glória de ter resistido longamente aos Romanos) tornam-se o centro de uma intriga que apaixona o próprio Olimpo. A sua conquista dos mares, apoiada por Vénus e temida por Neptuno, fora preparada por um história gloriosa, feita de combates e de paixões, cujo destino imparável ameaçava o próprio poder dos deuses. O povo que estava no extremo da Europa chegara aos confins do mundo” (cf. Mattoso, 1998:35).

49 mas a sua influência é mais duradoura: “o imaginário que o poema representa e fortalece (…) adquire uma tal potência, que não deixará mais de alimentar os sonhos mais utópicos acerca do destino nacional, até aos dias de hoje. Por outro lado, ao tornar-se uma representação fortemente interiorizada, contamina a própria historiografia, mesmo aquela que se pretende científica e objectiva, sobretudo a partir do século XIX” (Mattoso, 1998:36).

Esta contaminação de que fala Mattoso é encontrada por exemplo na análise que Maria Isabel João (2006) efectua da grande edição em vários volumes da História de Portugal organizada por Damião Peres e Eleutério Cerdeira (edição de Barcelos), tendo os primeiros sete volumes sido publicados entre 1928 e 1935 e posteriormente mais dois volumes em 1954 e 1981; aliás, é a noção do Povo herdada da historiografia romântica e liberal que, visto como um colectivo com uma alma e um carácter próprio que transcende os indivíduos e as divisões sociais, se apresenta como o protagonista da obra (cf. João, 2006:164). No prefácio pode ler-se “Nas páginas que vão seguir-se será escrita a história de um grande Povo, de uma grande Nação: singelamente – a história de Portugal” (cit. por João, 2006:164), num tom de exaltação patriótica e heróica. A edição que esteve associada à memorável comemoração do 8.º centenário da fundação da nacionalidade – na grande Exposição do Mundo Português de 1940 -, tomou como marco o desfecho da Batalha de Ourique em 1140, em que Afonso Henriques teria sido aclamado rei pelos guerreiros vitoriosos (cf. João, 2006:167). Esta Batalha deu origem à lenda que torna Portugal uma nação destinada a espalhar a fé de Cristo e, desde modo, votada ao futuro império ultramarino, em virtude da alegada aparição de Cristo a Afonso Henriques52. À estrutura geral da obra subjaz uma concepção imperial e ultramarina do destino da nação, sublinhado pela privilegiada relação com o mar e a dimensão atlântica do território nacional: trata-se da procura, na geografia do território, de uma individualidade territorial explicativa da sua demarcação do resto da antiga Hispânia e que se evidencia nos alegados contrastes com Espanha, apesar destes dois países pertencerem à

52 A construção histórica e ideológica desta lenda que se tornou “facto” histórico é analisada por Mattoso (1998). A lenda de Ourique surge da história sobre a vitória de Afonso Henriques frente a cinco reis mouros; tendo sofrido reinterpretações sucessivas, incluía no fim do século XIV o célebre episódio da aparição de Jesus Cristo – e teria sido em memória dessa aparição que Afonso Henriques fixou, depois da batalha, o desenho das armas reais com a forma de cruz azul em campo branco. A aparição significava a protecção sobrenatural ao rei, e a extensão dessa protecção a todos os reis de Portugal e ao Reino é observada depois no reinado de D. Manuel (Mattoso, 1998:32-3). Diz o autor (idem:103): “a crença no milagre de Ourique, surgida no fim do século XIV ou princípio do seguinte [foi] cuidadosamente cultivado pelas elites nacionalistas até meados do século XIX”. Uma extensa análise de fontes foi efectuada por C. Maurício a partir de cerca de “um milhar de textos, produzidos entre os alvores de Quatrocentos e o presente” (1989:3), e o autor refere a “espantosa persistência e vitalidade da crença do milagre de Ourique enquanto traço identitário em Portugal, quando a confrontamos com casos semelhantes noutras culturas nacionais” (idem: 15).

50 mesma unidade geomorfológica (cf. idem:172-3)53. Assim, nessa obra tão seminal para as ciências

sociais (desde o seu surgimento em 1945 e nas seguintes edições revistas e aumentadas), que é Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, diz Orlando Ribeiro na “Orientação Bibliográfica” que insere no final do livro: “A primeira descrição de Portugal segundo os princípios da Geografia moderna figura no 1.º volume de Elisée Reclus, Géographie Universelle, Paris, 1876, e, a despeito de generalizações apressadas e mesmo erros de facto, lê-se ainda com interesse. Foi o primeiro autor a lançar a ideia da individualidade de Portugal na Península, retomada por Silva Telles, Lautensach e O. Ribeiro, com ideias novas” (Ribeiro, 1998:169)54.

E na antropologia de Jorge Dias, coeva também do Estado Novo, este autor procura traçar o “perfil português”, como diz Mattoso (1998:105), encontrando-o na relação com o mar: “a força atractiva do Atlântico, esse grande mar povoado de tempestades e mistérios, foi a Alma da Nação e foi com ele que se escreveu a história de Portugal” (cit. por Luís Cunha, 2006:105)55. A “vocação ultramarina” e a

“vocação cristã” de Portugal legitimam no discurso oficial a possessão do império colonial: “Salazar dictatorship employed the full weight of its propaganda machine and educational system to equate the concept of the Portuguese nation with the possession of a colonial empire” (Corkill, 1996:156). A retenção do império português, adjectivado como “império multicultural”, foi justificada pelo mito de que os portugueses não eram racistas, antes mais tolerantes que outras nações, e cumpriam uma missão civilizadora em África56 (cf. Corkill, 1998:158; Alexandre, 1993:62-5). Esta noção da

tolerância portuguesa encontra uma base alegadamente científica na tese do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre do “luso-tropicalismo”, constante do livro O Mundo que o Português Criou, de 1940, que defende que “o português teria uma aptidão especial para «se unir aos Trópicos» por uma união de amor e não de interesse (…) [que] derivaria do longo contacto, na Europa, com os povos árabes, e teria como traço fundamental a ausência de preconceito rácico” (Alexandre, 1993:53)57.

53 O Volume I defende a tese de uma série de contrastes geográficos entre Portugal e Espanha que justificam a privilegiada relação de Portugal com o mar: “o território espanhol tem uma configuração concêntrica (…) continental; Portugal tem uma configuração excêntrica (…) oceânica” (Vol.I., p.75. Cit. por João, 2006:172). 54 As obras que O. Ribeiro refere são: Silva Telles, 1929, Portugal. Aspectos Geográficos e Climáticos; e, H.

Lautensach, 1932, “A individualidade geográfica de Portugal no conjunto da Penísula Ibérica”, Boletim da

Sociedade de Geografia de Lisboa (cf. Ribeiro, 1998:123).

55 Jorge Dias,1950:142, “Os elementos fundamentais da cultura portuguesa’, Estudos de Antropologia, Vol.I. 56 O artigo 2.º do Acto Colonial de 1930, incorporado depois na Constituição de 1933 dizia: “É da essência

orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam” (cit. por Alexandre, 1993:62).

57 Valentim Alexandre (1993) revê toda a história do colonialismo português, e mostra como o “luso- tropicalismo” não passa de um mito. Até ao século XIX os territórios africanos serviam os interesses de fornecimento de mão-de-obra escrava, e depois já no século XX, o “Estatuto dos Indígenas” – e outra legislação conexa – restringia a concessão de cidadania plena aos negros que mostrassem integração na

51 Esta breve incursão historiográfica permite perceber qual a história que era ensinada nas escolas, consentânea com a concepção do país sustentada pelo discurso oficial; aliás, diz Costa Pinto (1992:130) que: “O aparelho escolar sofreu uma atenção quase doentia por parte do regime (…) toda uma revisão nacionalista e tradicionalista da história foi introduzida”. Neste contexto, as estreitas relações entre cultura oficial e língua nacional – num cluster que amalgama história, destino, portugalidade e língua, i.e., a pureza da “língua de Camões”– permite entender a posição deste regime face a uma língua que não é nativa de nenhum povo, e que é utilizada para fins e por pessoas suspeitas, como adiante se verá.

Encontramos várias leituras sobre a natureza política do Estado Novo, assim como sobre o Franquismo. Para Corkill, embora coevos dos fascismos europeus, não partilharam essa característica, antes foram regimes autoritários, reacionários e conservadores cristãos (vd. Corkill, 1996:156). Encontramos autores de opinião diferente. Loff (1996:14 e 103) diz que são duas ditaduras de signo fascista, e enquadradas na “época histórica do fascismo”, cujo início se localiza a partir do primeiro pós-guerra do século XX, com um momento mais marcado nas vésperas da 2.ª Guerra e na primeira metade desta (“a época de Hitler”), mas com prolongamentos posteriores ao segundo pós-guerra58. Costa Pinto (1992) realiza uma importante análise das interpretações que as ciências sociais fazem do fenómeno do fascismo, tendo verificado que o Estado Novo não foi habitualmente incluído naquela categoria pelos autores estrangeiros, especialmente aqueles que inicialmente analisaram o tema; a sua investigação mostra que aquela demarcação relativamente aos regimes fascistas foi maioritariamente realizada a partir do binómio totalitarismo/autoritarismo, e também, da existência ou não de um movimento e de um partido fascista na edificação do regime autoritário, totalitarismo e movimento fascista sendo considerados ausentes em Portugal (cf. Pinto, 1992:85, 120 e 133)59. Manuel Villaverde

Cabral (1982) e Piteira dos Santos (1982) entendem que o regime salazarista pode ser denominado de fascista. Diz este último (1982:17): “É o tipo de poder-de-Estado, o seu conteúdo de classe, o monopólio político do partido único, que caracterizam um Estado fascista e um fascismo”.

cultura portuguesa; em 1961, quando aquele Estatuto é abolido, menos de 1% da população africana de Angola e Moçambique preenchia os requisitos estabelecidos (cf. Alexandre, 1993:54 e 64).

58 Diz Loff: “é nossa convicção, por discutível que seja, que nunca o Salazarismo ou o Franquismo, em toda a sua complexidade, poderão ser entendidos fora desta época do fascismo: ainda que mantendo, no campo explícito, espontâneas ou artificiais distâncias, de prática ou de princípio, face a regimes e movimentos assumidamente fascistas, a sua ideia-guia, as suas referências, não são passíveis de confusão, até de compatibilização, com outra época que não esta. Tal asseveração torna-se ainda, se for possível, mais presente se nos dedicarmos em particular ao estudo da época de Hitler, ou seja, da conjuntura histórica de 1936-42” (Loff, 1996:104-5, itálicos reproduzidos como no original).

59 Costa Pinto (1992:85) resume: “algumas «ausências», como a do partido [fascista] e do seu papel no derrube do liberalismo e na edificação do novo regime, da tendência totalitária, do seu carácter mobilizador, da ideologia nacionalista laica e expansionista, foram os elementos quase sempre apontados como justificação para demarcar o regime de Salazar”.

52 Abordaremos agora a ditadura espanhola e os movimentos nacionalistas naquele território. Com antecedentes na ditadura de Primo de Rivera da década de 1920, o franquismo é um nacionalismo centralizado e autoritário forjado em resposta à ameaça da Esquerda, apoiado no exército como meio de evitar uma “balcanização da Espanha”: “It was essentially reactive against the forces of collectivisation, secularisation, and the federalism as outlined in the Catalan (1932) and Basque (1937) Statutes and the unfulfilled promises made to Galicia” (Corkill, 1996:157). As particularidades regionais foram combatidas pela força, em particular, num ataque à diferença linguística:

Catalan and Galician were dismissively categorised as “dialects”. In its place he imposed a Castilian hegemony glorifying “España” and its “sacred and indestructible unity”. Francoist nationalism was not integrative, rather it sought to Castilianise, by replacing all traces of Spain’s liberal past with an intolerant, anti-secular, anti-intellectual, anti-foreign Catholic conservatism (Corkill, 1996:157-8).

A repressão pautou-se frequentemente por prisão, execução e exílio forçado. Como exemplo da repressão cultural e linguística generalizada veja-se o caso Basco, em que se recorreu a uma estrita proibição do uso público das roupas tradicionais, do folclore, de formas de saudação e nomes Bascos, de publicações de ensino da língua Euskera, para além da dissolução das associações culturais e repressão das que sobreviviam clandestinamente, do exílio dos intelectuais, e imposição de clero não- Basco que pregava em Castelhano (cf. Heiberg, 1996:334 e Lapierre, 1988:271, que sublinha “Car «parler chrétien» était alors parler castillan; et le bas clergé basque était nationaliste et républicain”). Lapierre (idem) fala assim de um sistemático etnocídio por parte do franquismo.

A instauração democrática em Espanha depois do franquismo implicou uma “política de consenso” e de compromisso resultante na constituição de 1978: uma unidade insolúvel em Espanha todavia com