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Surgimento do Esperanto e dos Esperantistas

Lejzer Ludwik Zamenhof (1859-1917) não pretendia eliminar a diversidade linguística através de uma língua universal, mas construir uma segunda língua auxiliar. Este desígnio prendeu-se com a criação de condições para uma igualdade linguística. A diversidade linguística foi vivida de forma precoce e determinante por Zamenhof, tendo constituído uma experiência traumatizante. A sua cidade natal, Bialystok, actualmente na Polónia, era uma região lituana integrada no império Russo, onde a diferença de populações proporcionava fenómenos de nacionalismo e anti-semitismo. Em Bialystok a intelligentsia falava Polaco, a língua oficial era o Russo, e entre os habitantes encontravam-se artesãos qualificados que falavam Alemão, comerciantes que falavam Iídiche e camponeses que falavam Bielorusso. A diferença religiosa era também uma dimensão da diversidade presente, composta por russos Ortodoxos, alemães Luteranos, polacos Católicos e o grupo Judaico (cf. Janton, 1973:29; Lapenna et al., 1974:36 e 125; Forster, 1982:50; Eco, 1996:301; Grzybowski, 2010:185). Numa carta de 1895 (dirigida a N. Borovko, cit. por Janton, 1973:29-30), Zamenhof terá escrito:

Ce lieu de (…) de mes jeunes années imprima leur primière direction à toutes mes idées futures. A Bialystok, la population se compose de quatre éléments différents: Russes, Polonais, Allemands et Juifs; chacun d’eux parle une langue à part et entretient des rapports hostiles avec les autres. Dans une ville de ce genre plus qu’ailleurs, une nature sensible souffre le poids du malheur causé par la diversité des langues et se persuade à chaque pas que cette diversité est, sinon la seule, du moins la principale source de dissensions au sein de la famille humaine ainsi divisée en clans ennemis. On m’éléva en idéaliste; on m’enseigna que tous les hommes sont frères; et cependant, dans la rue, dans les maisons, à chaque pas, tout me donnait le sentiment que l’humanité n’éxiste pas: il n’existait que des Russes, des Polonais, des Allemands, des Juifs, etc. Cette pensée tortura mon esprit d’enfant (…) Comme il me semblait alors que les adultes possèdent une force toute- puissante, je me répétais sans cesse que, lorsque je serais grand, rien ne m’empêcherait d’éliminer ce mal.

Zamenhof sabia várias línguas. Em casa falava Russo, na rua o Polaco, sabia Iídiche e na escola estudou Alemão, Francês, Latim e Grego. Através do seu pai, professor de línguas, conhece o Hebraico, e teria também competências em Lituano (vd. Lapenna et al., 1974: 36; Janton, 1973:30; Forster, 1982:52-3; Grzybowski, 2010:185; Franzco, 2007:281). A ideia de constituir uma nova língua

146 é acalentada desde a juventude, e em 1878 concretizou uma primeira versão, mas é durante os estudos universitários em Medicina que conclui o seu projecto. É um trabalho secreto, em que escreve e traduz para testar a funcionalidade e conseguir um aperfeiçomento da língua (cf. Lapenna et al., 1974:36-8; Janton, 1973:30-1; Forster, 1982:58; Jordan, 1987). Em 1887 publica finalmente em Varsóvia o primeiro livro intitulado Doktoro Esperanto, Internacia Lingvo, Antaŭparolo kaj Plena Lernolibro (Doutor Esperanto, Língua Internacional, Prefácio e Manual Completo), em Russo, e logo depois em Polaco, Alemão e Francês; para a versão inglesa solicitou uma tradução que foi publicada em 1888. “Doutor Esperanto” foi o pseudónimo a que recorreu, e que posteriormente dará o nome à língua que construiu. É um opúsculo de 28 páginas constituído pelo prefácio, que ocupa três quartos do total, pela gramática de 16 regras, pelo dicionário de cerca de 900 radicais, e ainda ensaios da língua na forma de traduções (“Pai nosso” da Bíblia, e um poema de Heinrich Heine), um modelo de carta, e dois poemas originais (“Mia penso”, i.e., “O meu pensamento” e “Ho, mia kor’”, i.e., “Oh, meu coração”); ficou depois conhecido como Unua Libro (Primeiro Livro) (cf. Forster, 1982:53) e com acrescentos posteriores (o vocabulário básico para as cinco línguas referidas e os exercícios elementares, ambos de 1894), esta primeira publicação tornou-se o Fundamento de Esperanto, contendo as bases para a gramática, estilo e utilização da língua (cf. Janton, 1973:32; Lapenna et al., 1974: 66 e 127-8; Jordan, 1987; Forster, 1982:111 e 268; Tonkin, 1993:9; Kim, 1999:134); sobre o modelo estilístico Zamenhof recomendou mais tarde também o Fundamenta Krestomatio, de 1903 (vd. Forster, 1982:112).

No prefácio, Zamenhof começa por sublinhar a quantidade de tempo, dinheiro e dificuldade implicadas no estudo de um idioma, e quão enriquecedora seria uma língua comum na qual se exprimisse o melhor das diferentes nações. O estudo de duas línguas, a materna e uma internacional, permitiria assim consagrar mais tempo ao conhecimento da primeira e abordar todas as outras culturas em pé de igualdade. E se uma língua internacional facilitaria as relações entre cientistas e “homens de negócios”, faria também desaparecer a impressão de estranheza que separa os indivíduos de línguas diferentes (vd. Janton, 1973:32). Como diz Forster (1982:54), “The Unua Libro was thus at one and the same time a textbook of the language and a manifesto for a social movement”.

Sendo de uma família judaica, essa herança desempenhou também um papel relevante na sua vida e obra. Como diz Forster, os judeus de Bialystok, por via de contactos alemães, eram significativamente sensíveis a uma versão judaica do Iluminismo denominada Haskalah. Caracterizava-se pelo assimilacionismo, pela importância atribuída à educação secular e em especial às línguas, pelo racionalismo e deísmo. Por outro lado, na década de 1860 nos círculos intelectuais da Polónia dimunuía o interesse pelo nacionalismo romântico, e sobrevinham as preocupações com o desenvolvimento de uma sociedade moderna e industrial, originando o fenómeno do “positivismo de Varsóvia” que exerceu um profundo impacto, nomeadamente entre os jovens escritores do Realismo – não foi um acaso que as primeiras obras traduzidas para Esperanto são escritas por autores daquela Escola, como Swietochowski, B. Prus, E. Orzeszko, Sienkiewicz ou W. Reymont (vd. Forster,1982:50-1 e Lapenna et al., 1974:128, 136, 226-8). Deste modo, conclui Forster: “Thus both

147 Haskalah and Positivism were suportive of the application of a rationalistic, scientific outlook to contemporary problems; yet at the same time neither was totally hostile to religion, opposing only traditional religious dogmas” (Forster, 1982:51). Tendo crescido numa familiarização com estas ideias, mesmo porque o seu pai era seguidor da Haskalah, Zamenhof não as aceitou, contudo, acriticamente. Não se identificava com o assimilacionismo, e interessou-se pelo Sionismo. Enquanto estudante em Vasóvia, o anti-semitismo propagado pelo governo czarista impele-o a militar, entre 1882 e 1887, numa organização sionista que advogava o regresso à Terra Prometida (cf. Janton, 1974:31). Mas, como afirma Eco (cf. 1996:302), se Zamenhof defendia o regresso dos judeus à Palestina, a sua “religiosidade laica” não o identificava com as versões nacionalistas do Sionismo, nem com o propósito do fim da Diáspora através do regresso à língua dos antepassados. Deste modo, entendia que os Judeus de todo o mundo poderiam unir-se precisamente mediante uma nova língua. Também numa carta (enviada a A. Michaux em 1905, cit. por Janton, 1973:30), diz:

Personne ne peut ressentir la nécessité d’une langue humainement neutre et anationale aussi fort qu’un juif, qui est obligé de prier Dieu dans une langue morte depuis longtemps, qui reçoit son éducation et son instruction dans la langue d’un peuple qui le rejette, et qui a des compagnons de souffrance sur toute la terre, avec lesquels il ne peut se comprendre… Ma judaïcité a été la cause principale pour laquelle, dès la plus tendre enfance, je me suis voué à une idée et à un rêve essentiel – au rêve d’unir l’humanité.

Tínhamos visto no primeiro Capítulo como a reconstrução do Hebraico se enquadrava no movimento geral de constituição e normalização das línguas nacionais europeias no século XIX por motivos nacionalistas. Eliezer Ben-Yehuda, o filólogo sionista que protagonizou a revivificação do Hebraico como língua moderna e criou a base para a sua adopção em Israel, é como Zamenhof, proveniente da zona geográfica e cultural lituana do final do século XIX. Diz Stavans (2009):

Both were Yiddish speakers, a fact that, I believe, explains their universalist ethos. Perceived for centuries as a kitchen jargon useful to women, children, and the illiterate, der mame loshn, “mother’s tongue”, was spoken then by millions in the Pale of Settlement and beyond. It nurtured a transnational philosophy. Total strangers from Warsaw, Odessa in Ukraine, and Vilnius in Lithuania were able to understand one another in spite of their regional differences. And Yiddish was stateless. It was believed to have a long future precisely because it had no army behind it.

Para além dos factores coincidentes já mencionados sobre Zamenhof e Ben-Yehuda, um paralelismo entre a criação do Esperanto e a recriação do Hebraico é sugerida por alguns autores (cf. Wood, 1979:441; Levin, 1993:6; Stavans, 2009). Assim, um processo de experimentação, similar ao realizado para o Hebraico Moderno até à sua forma finalizada, também foi realizado em várias fases para o Esperanto, quer por Zamenhof entre o seu primeiro projecto de 1878 e a publicação de 1887, quer depois pelos primeiros escritores e pelos utilizadores, à medida que novas formas de expressão

148 surgiam e se tornavam ou não de uso corrente. Como tínhamos visto no Capítulo 1.1 desta tese, Ben- Yehuda e os seus seguidores desenvolveram uma língua falada com base em textos da Antiguidade e da Idade Média e também pela cunhagem de novos termos e estruturas inspirados nas suas primeiras línguas, que eram essencialmente o Iídiche, o Russo e o Alemão (cf. Wood, 1979:441-2). Por outro lado, um mesmo processo de voluntarismo caracteriza a formação de uma comunidade de locutores em torno de uma língua que não é materna, como afirma Wood (1979:441):

Both linguistic systems were planned by Jews and were spread as part of a quasi-religious philosophical idealistic movement. Both resulted in a voluntary withdrawal, partial or complete, from the first-language culture of the individuals concerned, both the initiators of the respective movements and their followers. Jews in Eastern Europe abandoned Yiddish and the ethnic languages of their respective countries and dedicated themselves to the study of Hebrew, albeit imperfectly and incompletely, as a preferred second language, whenever the opportunity arose. Likewise, those, first in the Russian Empire, then in Germany, France, Sweden and elsewhere who began to develop the emerging interlanguage Esperanto studied it in courses and tried, whenever and wherever possible, to speak it alongside or in preference to their first language.

A transformação de um projecto de língua numa língua falada ocorreu de facto com o Esperanto, mas não se tornou, como o Hebraico moderno, um idioma adoptado oficialmente. Por isso Levin (1993:1) diz: “Esperanto remains just a hobby of the Esperantists, who are a club or association, but not a community whose way of life is bound up with a certain language”; para Levin, o factor decisivo foi a implantação do Hebraico não apenas no ensino primário, mas, no pré-escolar (vd. 1993:6). Contudo, o autor reconhece que os propósitos de cada um dos projectos eram diferentes e, acrescentamos nós, a evidência de que a diferença essencial no êxito da sua implantação reside na decisão de uma política linguística. Finalmente, o que distingue Ben-Yehuda e Zamenhof, é que o primeiro laborou para reverter a dominação do Iídiche no Leste Europeu, acreditando ser uma língua da “vitimização judaica”, e Zamenhof quis substituir o Iídiche, exlusiva dos Judeus, por uma língua inclusiva (cf. Stavans, 2009).

Zamenhof sabia da existência de tentativas de construção de línguas mundiais auxiliares, mas ter- lhe-ão parecido insatisfatórias. Enquanto estudante, analisou o Volapük137, e considerou-o demasiado marcado pela arbitrariedade e de difícil pronúncia, parecendo-lhe de árdua aprendizagem (vd. Forster, 1982:49), e o seu projecto reflecte estas preocupações. O alfabeto do Esperanto tem 28 letras e segue o princípio de correspondência única entre som e letra, tendo a tónica na penúltima sílaba. Quanto ao léxico, Zamenhof procurou raízes comuns nas línguas europeias, e quando não foi possível recorrer a essa comunalidade, cunhou os termos segundo um critério distributivo, em que privilegiou as línguas

137 Em discurso no 1.º Congresso Universal de Esperanto Zamenhof refere o legado de J. M. Schleyer no desenvolvimento de uma língua internacional: “Expressamos o nosso cordial agradecimento ao Sr. Schleyer, o primeiro e mais enérgico pioneiro da ideia de uma língua neutra internacional” (cit. por Auld, 1992:109).

149 neolatinas, seguida pelas germânicas e finalmente pelas eslavas (cf. Eco, 1996:304); os lexemas (i.e., a parte de uma palavra que constitui uma unidade mínima dotada de significado lexical) provêm em 75% das línguas latinas, em particular do Latim e do Francês, em 20% das línguas anglo-saxónicas, e os restantes vêm do Grego (sobretudo no domínio científico), das línguas eslavas, e finalmente uma ínfima proporção do Hebraico, Árabe e Japonês. Comparando com outras línguas planeadas, o léxico fundamental do Esperanto compõe-se de empréstimos em proporções muito equilibradas, ainda que de dominação latina, das famílias indo-europeias (cf. Janton, 1974:58-9). Veja-se que as principais fontes lexicais são o Latim e o Francês, dois idiomas que foram no passado o que se pode denominar de línguas internacionais no espaço europeu (cf. Forster, 1982:354).

Vimos também no Capítulo 1, como é que as línguas estabelecem entre si vias de comunicação, o que implica que haja importações e exportações lexicais. Podemos dizer que é nesse património indo- europeu que Zamenhof encontra as raízes comuns vocabulares. Como diz Walter (1994:420):

Par suite des contacts entre les langues et du recours aux langues anciennes pour le renouvellement du fonds lexical, il existe donc aujourd’hui un vocabulaire international de plus en plus abondant, témoin de l’histoire commune des populations. Mais quelle est la proportion de ce patrimoine lexical commun par rapport à l’ensemble du vocabulaire, quels sont ces mots sans frontières et quel est leur degré de ressemblance?

Em resposta, Walter faz um exercício a título ilustrativo: para avaliar esse vocabulário internacional comum analisa um pequeno dicionário multilingue de 8000 palavras, destinado aos viajantes na UE, em que constam 6 das línguas oficiais - Francês, Inglês, Alemão, Espanhol, Italiano e Português. Encontram-se mais de 1200 (15%) palavras homófonas nas 6 línguas (com diferenças gráficas mínimas), sendo a grande maioria (1009, i.e., 84%) de origem greco-latina (Walter, 1994:420- 2). Do mesmo modo, o austríaco Julius Lott citado no Capítulo 2.4, compilou em 1888 um léxico de 7000 palavras internacionais, constatando que a maioria tem origem latina (vd. Janton, 1973:23) Para que a nova língua seja de aquisição e manejo mais fáceis que as línguas naturais, mas garantindo a expressividade, Zamenhof favorece uma construção perfeitamente lógica e regular (cf. Janton, 1973:37), ou seja, uma “morfologia sintáctica a prioi, sem qualquer analogia entre as línguas indo-europeias” (Fettes, 1992:13). A partir das raízes lexicais, é possível cunhar palavras de forma regular: os constituintes das palavras são as raízes (unidades significantes constituintes do léxico), os afixos (unidades não lexicais modificando o sentido da raíz, usados como prefixo ou sufixo) e as desinências ou terminações gramaticais. Assim se constrói o feminino (-ino), o plural (-j), o substantivo (-o), o adjectivo (-a), o advérbio (-e). A conjugação dos verbos é também regular e

150 invariável, a partir do infinitivo (que termina em –i), recorrendo a sufixos para criar o tempo presente (-as), o passado (-is), o futuro (-os), o condicional (-us) e o imperativo (-u)138.

A partir de um léxico básico e limitado, a possibilidade de livre formação de palavras confere ao Esperanto uma “simplicidade” ou facilidade de aprendizagem, designadamente para aprendizes não europeus que, comparativamente com os europeus, podem sentir mais dificuldades no manejo do vocabulário (cf. Fettes, 1992:13-4). Sobre o carácter construído do Esperanto, conclua-se com Janton:

Si l’espéranto emprunte son lexique aux langues naturelles, il conserve dans la dérivation et la flexion une regularité et un schématisme qui le distinguent nettement de ses successeurs naturalistes (…) Il semble qu’un juste milieu entre schématisme et naturalisme doive être recherché dans l’équilibre entre l’exigence rationelle et l’éxigence esthétique. L’espéranto s’en approche considérablement (Janton, 1973:25).

Para além das razões invocadas para a justificação de uma língua internacional, já referidas acima, Zamenhof revela também no prefácio três objectivos a que se propõe. O primeiro, tornar a sua língua fácil, de modo a que qualquer pessoa possa aprendê-la com agrado, o segundo, torná-la de utilização imediata por via da lógica e simplicidade da sua estrutura, e por fim, encontrar um meio de incitar o público a praticá-la em massa. Como diz Lapenna (1974:414), o cumprimento deste terceiro fim terá sido planeado em moldes um pouco ingénuos, na medida em que consistiu numa exortação aos leitores a subscreverem e reinviarem uma promessa inserida nas brochuras do Manual: “Promessa: Eu, abaixo assinado/a prometo aprender a língua internacional proposta pelo Dr. Esperanto se se verificar que dez mil pessoas fizerem publicamente a mesma promessa”. Na verdade, obteve mil respostas que levariam à publicação em 1888 desses primeiros endereços, sob a forma de anuário, que se tornou desde logo um princípio eficaz de organização dos esperantistas (vd. Janton, 1973:32).

Zamenhof enviou a sua publicação para vários jornais, organizações eruditas, académicos e outros especialistas, e foi também publicitada em jornais estrangeiros; em 1888 enviou uma cópia a L. Tolstoi, não tendo obtido resposta imediata. O maior apoio veio individualmente, de pessoas que desejavam aprender a língua, e o autor correspondeu a esse sinal convidando os interessados a traduzir para Esperanto um pequeno texto, para serem incluídos no registo de nomes e endereços, se o teste fosse bem-sucedido. A edição desse registo de endereços permitiria o estabelecimento de contactos entre os apoiantes (vd. Forster, 1982:55-7 e 64). Na mesma altura a American Philosophical Society, através de um comité que tinha sido formado para análise do Volapük com resultados muito críticos, propôs a realização de um congresso com as sociedades eruditas e científicas mundiais para a discussão da língua universal, uma vez que o Esperanto parecia mais adequado. Zamenhof propôs então aos seus seguidores, num suplemento ao segundo livro (Dua Libro, 1888), a realização de um

138Um exemplo: “malsanigebla” (incurável) que se decompõe em: mal- (prefixo para contrário), san- (raíz), -ig- (sufixo signicando fazer ou tornar), -ebl- (sufixo indicando possibilidade) e –a (desinência do adjectivo).

151 congresso para a discussão de propostas para a língua, se o congresso daquela Sociedade não se realizasse. De facto o congresso não se realizou, pois se algumas sociedades convidadas não revelaram suficiente interesse, outras discordavam das orientações da American Philosophical Society, quer sobre a desejável base Ariana de uma língua internacional, quer sobre a rejeição do Volapük.

Em 1888 já se formavam os primeiros círculos de Esperanto através da iniciativa de alguns interessados, inicialmente na Rússia, e especialmente constituídos por intelectuais judeus e por tolstoianos. Os primeiros clubes nasceram em Moscovo, São Petersburgo, Odessa, Vilnius, Varsóvia, e também em Sófia, Munique, Uppsala ou Málaga. Na Alemanha o maior apoio veio de um grupo de Nuremberga que tinha sido volapükista e que, por influência do seu líder Leopold Einstein que teve conhecimento dos dois livros de Zamenhof, aderiu ao Esperanto. Após o falecimento de L. Einstein, o seu legado foi continuado por outro ex-volapükista do mesmo grupo, Chrystian Schmidt, que deu início à primeira publicação periódica da língua Esperanto em 1889, o La Esperantisto, no qual Zamenhof colaborou (cf. Forster, 1982:56-7 e Lapenna et al., 1974:414-5). Diz Forster (1982:57):

Iniatially some articles were in French and German, but it soon became an all-Esperanto periodical. A certain amount of attention was still devoted to criticism of Volapük, but it was mostly concerned with the development of the Esperanto language and movement. (…) [it] was particularly significant as a source of authority for Zamenhof, and in 1890 it was transferred to his personal supervision (…) Zamenhof was the de

facto international leader of Esperanto, and the periodical became a source of influence and authority.

Zamenhof considerava que o desenvolvimento do movimento dependia do esforço individual de cada um, não apenas através da aprendizagem da língua, mas dando-a a conhecer a outros; assim se exprimia no n.º 50 do La Esperantisto em 1891: “Some friends wait in vain for the rich, or important persons and societies, or governments to help us, and they in vain think that the prosperity of our cause depends on such help; no, on the contrary, their help depends on the prosperity of our cause, we must not forget this, and terefore we must not sit without doing anything and wait for help from the powerful” (cit. por Forster, 1982:58).

A possibilidade ou necessidade de realizar alterações e reformas ao Esperanto constituiu uma questão muito debatida. Zamenhof tinha escrito que o Unua Libro era “provisório”, ou seja, constituía não uma língua completa mas a base de uma língua (vd. Forster, 1982:58; Tonkin, 1993:9); contudo, parecia pouco inclinado a aceitar as sugestões de alteração que lhe chegavam. Às propostas de Henry Phillips da American Philosophical Society respondeu que as quatro alterações sugeridas eram teoricamente válidas, mas ele próprio já tinha no passado reflecido sobre elas e concluído que não tinham eficácia prática (vd. Forster, 1982:58)139. Por outro lado, não ambicionava a exclusividade da

139Em geral as críticas referiam-se: (1) no alfabeto, em virtude do princípio “um som para cada símbolo”, foram introduzidas novas consoantes - ĉ, ĝ, ĥ, ĵ e ŝ -, que sendo únicas do Esperanto exigiam tipos específicos para

152 liderança, por razões que se prenderam com as exigências financeiras da organização que o oneravam