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Internacionalismo Operário e Anarquismo

As Internacionais Operárias incorporam uma ideia basilar de negação de fronteiras, sendo o posicionamento operário o de uma classe revolucionária que, travando uma luta de classes à escala mundial, assume necessariamente a dimensão de uma classe mundial (cf. Kriegel, 1974:7). Ambicionam a construção de uma sociedade mais humana através de um sonho político: “como objectivo principal, a formação de uma sociedade com a mesma estrutura, produzindo (…) como que uma vasta sociedade internacional construída sobre uma comunidade de ideias” (Kriegel, 1974:9). O pensamento marxista, fonte crucial da ideologia do movimento operário, tem da história uma visão segundo a qual a sociedade humana evoluiria para a universalidade, como sintetiza Gellner (1994:5-6):

Unambiguously, the future was to be nationless as well as classless and religiousless (…) National divisions by class and religion are ultimately spurious and constitute obstacles preventing man from realizing his species-being, wherein his true fulfilment lies. His real destiny is to be free of the constraints imposed on him by his membership in class, ethnic or religious categories, and indeed by any social roles. At the same time he will somehow be automatically incorporated in a harmonious universal community.

Gellner diz ainda que a metafísica social de Marx e Engels é uma mistura curiosa de individualismo anarquista e comunalismo pan-humano. Adiante analisaremos também o anarquismo.

Nairn lembra que a posição dos internacionalistas não é descendente nem das crenças universalistas do passado - i.e., das doutrinas espirituais da natureza humana -, nem dos cosmopolitas – a elite pré- industrial pretensamente portadora do papel vanguardista da internacionalidade civilizadora –, e também não é identificável com os cosmopolitas mais actuais, que se assumem cidadãos de qualquer lugar. Na era das lutas nacionalistas e imperialistas, o internacionalismo surgia como a crença – uma fé secular - numa forma alternativa de desenvolvimento civilizado, nem imperial nem nacional. Seria deste modo uma classe, o proletariado, o vector de desenvolvimento, opondo-se ao império e transcendendo a nacionalidade, e assumindo os desígnios do Iluminismo: os trabalhadores de todos os países, unidos, tornar-se-iam cidadãos do mundo (vd. Nairn, 1996:271-2). O internacionalismo deve ser visto como um reverso do nacionalismo: “internationalism (…) is a constituent of the same nationalist universe. Since the fall of Napoleon’s empire, these two world views have existed in a

ao materialismo dialéctico e ao pensamento socialista, tal como se opunha à teologia e à metafísica conservadoras. Por isso se assumiu como ideologia da «ordem e progresso»” (Braga da Cruz, 1989:VIII).

75 permanent, uneasy tension with one another, the Siamese brothers of a single world-historical process” (Nairn, 1996:270).

A Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T.) é criada em 1864 em Londres, pela cooperação das duas mais estruturadas classes operárias europeias, isto é, a francesa e a inglesa, sendo que os primeiros agrupamentos internacionais que desde 1846 começaram a organizar-se eram compostos por minorias revolucionárias pouco representativas – nomeadamente cartistas ingleses que reivindicavam a extensão de direitos à classe operária, proscritos franceses da Comuna Revolucionária, ou refugiadospolíticos como Karl Marx, figura decisiva na elaboração dos primeiros estatutos da Associação (cf. Kriegel, 1974:13-4). A dimensão internacional do Congresso de Basileia, realizado em 1869, era revelada através da participação de 79 delegados de 9 países: França (27), Suiça (24), Alemanha (10), Inglaterra (6), Bélgica (5), Áustria (2), Itália (2), Espanha (2) e E.U.A. (1) (cf. Kriegel, 1974:26).

A A.I.T. terá uma curta duração até à dissolução em Nova Iorque em 1876, em virtude de dois factores maiores. Um deles foi a oposição estabelecida entre Marx e o anarquista russo Mikhail Bakunin, o primeiro apontando ao segundo uma fraqueza teórica e uma precipitação revolucionária contra-producente, e a crítica de Bakunin incidindo sobre a organização e disciplina que Marx pretendia imprimir ao movimento operário, de tal modo que se deu uma cisão e a criação da Internacional Antiautoritária (cf. Kriegel, 1974:27-30 e 35-6). O outro factor foi a derrota da Comuna em Paris de 1871, que implicou a dispersão das secções francesas, e uma extensão da repressão da Internacional na Dinamarca, Áustria-Hungria e Alemanha e a sua ilegalização em Espanha (cf. Kriegel, 1974:31-4; Braga da Cruz, 1989:4). As contendas entre marxistas e bakuninistas levam Marx e Engels a propor a transferência do Conselho Geral para Nova Iorque em 1872. “Esta decisão é o golpe de misericórdia. Para Marx terminou uma época. Depois da derrota e das lições da Comuna é necessário recomeçar com bases diferentes” (Kriegel, 1974: 34)87.

A partir de 1880 desenha-se uma nova etapa para o movimento operário. Em virtude do desenvolvimento das sociedades industriais, transmuta-se o universo operário, quer pelo aumento do número de trabalhadores industriais, quer pela emergência de novas áreas de laboração que criam novas categorias profissionais (como os caminhos-de-ferro e o gás), quer ainda pela concentração em grandes empresas. Assim, também se expande o movimento operário internacional, tanto na Europa (os países escandinavos, a Rússia e os países balcânicos, e ao sul a Península Ibérica e a Itália) como fora da Europa (sobretudo nos E.U.A.). Assim também se opera uma expansão do sindicalismo, e do socialismo, organizado em partidos políticos (a partir do modelo teórico do Partido Social-Democrata

87 Marx escreve em 1871: “Quando a Comuna de Paris tomou nas suas próprias mãos a direcção da revolução, quando pela primeira vez na história simples operários se atreveram a violar o monopólio de governo dos seus “superiores naturais” (…) o Velho Mundo retorceu-se em convulsões de raiva perante o espectáculo da Bandeira Vermelha, símbolo da República do Trabalho, que ondulava no edifício da Câmara Municipal” (Marx, 1871:47).

76 Alemão fundado em 1875), com reflexos na composição dos parlamentos nacionais. Naturalmente, em função dos diferentes ritmos nacionais, tanto da industrialização como das formas de sindicalização, assim se produziu uma diferenciação das relações entre socialismo e sindicalismo (vd. Kriegel, 1974:39-44)88.

O crescimento do socialismo europeu permitiu recolocar a necessidade de as relações internacionais serem retomadas, “devendo ser a Internacional o estado-maior do exército proletário e o internacionalismo a via que conduziria à revolução” (Kriegel, 1974:44). Uma reconstrução da A.I.T. tinha sido já tentada por socialistas belgas e suiços, designadamente por meio de conferências e congressos realizados entre 1876 e 1888; todavia, enfrentaram a oposição da social-democracia alemã de Marx e Engels que entendiam que a estratégia a seguir seria a de criar partidos poderosos especialmente em Inglaterra, Alemanha e França, i.e., os três países centrais da Europa Ocidental. Três são também as razões: o fracasso da Comuna mostrava que a revolução socialista não se daria num curto termo; a necessidade de adoptar para cada contexto nacional a sua estratégia política; e, a pluralidade de escolas socialistas e o desacordo programático daí decorrente. Com o desaparecimento de Marx em 1883, congregam-se em torno de Engels alguns jovens teóricos89 que combatem ardorosamente quer as ideologias da esquerda republicana, quer os ideólogos socialistas não marxistas, essencialmente anarquistas e neobakuninistas (sobretudo localizados nos países latinos como Itália, França e Espanha, ou na Rússia e na Holanda) (cf. Kriegel, 1974:45-6).

A II Internacional é fundada a partir do Congresso de Bruxelas em 1891, desta vez sem uma estrutura centralizada, sendo as relações internacionais entre os movimentos dos vários países assegurada por congressos internacionais, denominados “futuro parlamento do proletariado”. A II Internacional caracterizou-se não só pela representação de todas as tendências socialistas, como pelo respeito da autonomia das secções nacionais (idem:48-9). O contencioso entre marxistas e anarquistas acabou por se mostrar insanável. Subjacente às confrontações travadas encontrava-se um problema de doutrina, já existente na I Internacional. Segundo a corrente anarquista - que congregava as tendências hostis ao marxismo, como os trade-unionistas e os possibilistas franceses – o “exército internacional do proletariado” triunfaria pela conquista inicial da emancipação económica que asseguraria por seu turno a emancipação política. Contrariamente, a visão marxista crê na necessária conquista inicial do poder político que permite alcançar a emancipação integral. Se os anarquistas tinham sido excluídos

88 Em Inglaterra o movimento “trade-unionista” controla a actividade operária e condiciona a implantação socialista; na Alemanha o Partido Social-Democrata dirige a actividade sindical em função da estratégia socialista; na Bélgica e nos países escandinavos verifica-se uma fusão das três formas de organização operária (partido, sindicato e cooperativas); e em França sindicalismo e socialismo desenvolveram-se paralelamente, tornando-se concorrentes na conquista da opinião operária (cf. Kriegel, 1974:41).

89 Como K. Kautsky e E. Bernstein na Alemanha; A. Labriola e F. Turati em Itália; J. Guesde, P. Lafargue e G. Sorel em França; e G. Plekhanov na Rússia (cf. Kriegel, 1974:46).

77 do Congresso de Bruxelas em 1891, foram expulsos quer do Congresso de Zurique em 1893 e finalmente do Congresso de Londres em 1896, dada a sua rejeição da acção legislativa e parlamentar como um dos meios de combate na luta anticapitalista (vd. Kriegel, 1974:50-1).

A viragem do século marca uma mudança no movimento operário internacional. A esperada revolução não ocorreu, e de facto, quer o crescimento técnico acelerado nas sociedades capitalistas, quer a entrada das economias “atrasadas” no circuito mundial, quer ainda a contribuição da divisão das colónias para o desenvolvimento dos países colonizadores (que agrava as discórdias entre as grandes potências), são todos indicadores de uma nova fase do desenvolvimento capitalista, que é a do imperialismo. Paralelamente, ocorre umrecrudescimento das forças do socialismo, expandindo-se em todo o continente americano, na Austrália e na Ásia (vd. Kriegel, 1974:53-4). Contudo, a mudança maior consistiu na proposta revisionista do marxismo que resultou na crise revisionista, e finalmente, numa cisão dentro da Internacional no contexto da 1.ª Guerra. E. Bernstein publica em 1899 As Premissas do Socialismo e as Tarefas da Social-Democracia, repensando o papel e pertinência da luta de classes que, por via das novas condições da vida - política, económica e social - devidas em parte ao próprio movimento operário, dará lugar a uma humanização nas relações sociais:

Bernstein preconiza um socialismo de tipo novo, cujo ponto-chave é o estabelecimento de relações pacíficas entre nações e classes (…) A social-democracia deve pois sair do seu isolamento, procurar a aliança com a esquerda, que, sem desprezar a luta social, recusa a ditadura do proletariado. Deste modo o socialismo torna- se um objectivo que será alcançado, não pela via de uma revolução sangrenta, mas por um processo de reformas: um trabalho quotidiano paciente, de dentro, deve transformar a sociedade capitalista (Kriegel, 1974:57-8).

Bernstein encontra grande oposição, por parte da defesa do marxismo, em todos os grandes nomes da social-democracia, especialmente K. Kautsky. Se a primeira revolução russa em 1905 acentuava a posição dos opositores de Bernstein, a sua posterior derrota desencorajou os socialistas russos, e reforçou a perspectiva do reformismo.

A luta das tendências atinge a sua maior dimensão na questão da luta pela paz, que desde o Congresso de 1900 começa a ser discutida: “se o movimento socialista era unânime em ver na guerra um fenómeno directamente derivado do capitalismo, dividia-se, porém, nos métodos de combate contra ela” (Kriegel, 1974:64-5). A discussão da “acção do proletariado contra a guerra”, no Congresso de 1907, em Estugarda, revela a oposição inequívoca que pela primeira vez antagoniza a posição da paz como réplica da guerra e a posição que responde com a revolução. Assim, o Congresso estabelece um pacifismo essencial declarando-se que, à ameaça de eclosão da guerra, a classe operária tem o dever (através dos representantes nos parlamentos, com a ajuda da organização internacional, força de acção e de coordenação) de aplicar todos os esforços para a impedir, declaração contra a qual se levanta uma minoria de esquerda com a alternativa revolucionária. Rosa Luxemburgo, Lenin e Martov apresentam pois uma emenda importante: “No caso de, contudo, a guerra eclodir, têm o dever

78 de intervir, para a fazer parar imediatamente, e utilizar, com todas as suas forças, a crise económica e política criada pela guerra, a fim de agitar as camadas populares mais profundas e precipitar a queda do domínio capitalista” (cf. Kriegel, 1974: 67)90.

A eclosão da Guerra em 1914 trouxe à Internacional o dissabor da viragem da política operária e socialista, uma vez que os líderes socialistas da Alemanha, França e Bélgica se juntam aos respectivos governos nos objectivos da guerra – o que causou viva reprovação por parte de Lenin e Rosa Luxemburgo, aliás, Lenin denunciando mesmo o que considerou o fracasso da Internacional. E formou-se com efeito uma corrente, que incluiu representantes dos países não envolvidos, crente de que o socialismo, pela sua inserção mundial, podia ter um papel de negociação entre os beligerantes; a sua manifestação inicial foi através da Conferência de Zimmerwald em Setembro de 1915 que reuniu 38 socialistas de onze países, entre os quais responsáveis franceses e alemães, assim como os russos Lenin e Trotsky. Esta conferência denotava o desacordo com a estratégia operária de suspender as perspectivas da revolução social, esperando a vitória de um bloco de nações sobre o outro (cf. Kriegel, 1974:87).

Havia contudo duas estratégias. A maioria pretendia o restabelecimento das relações internacionais, mediadas pelo movimento socialista, obrigando todos os governos a negociações. Por seu turno, a “esquerda zimmerwaldiana” entendia que o proletariado podia desencadear uma revolução, numa resposta à guerra imperialista, que sendo uma empresa mundial, podia ter início num único país – explicando-se deste modo a palavra de ordem leninista da “transformação da guerra imperialista em guerra civil”. Depois de outra conferência em Abril de 1916, e de uma tentativa de organização da conferência socialista internacional em Estocolmo no ano seguinte – para definir as bases da proposta socialista para uma negociação geral – todo o projecto fracassa, essencialmente porque devido à chegada de reforços americanos no Verão de 1917, já tinha passado a oportunidade da negociação (cf. Kriegel, 1974:88-9). Em Outubro a proposta leninista da paz pela revolução é realizada na Rússia. Em 1919 ocorre a conferência internacional comunista, que decide constituir-se em III Internacional e adoptar o nome de Internacional Comunista. No seguinte Congresso, ocorrido no ano posterior, são estabelecidas as 21 condições impostas para adesão de partidos à Internacional Comunista (a título de exemplo, a condição 16 impõe o reconhecimento do carácter obrigatório das decisões da Internacional Comunista, “partido mundial único”; a condição 17 impõe que a designação de Partido Comunista substitua a de Partido Socialista) (cf. Kriegel, 1974:99-101)91.

90 Para a definição dos meios de actuação surgiu, no congresso de Copenhaga em 1910, a seguinte emenda: “a greve geral operária, sobretudo nas indústrias que fornecem à guerra os seus instrumentos (…) assim como a agitação e a acção populares são as suas formas mais activas” (cf. Kriegel, 1974: 67).

91 A incompatibilidade entre Trotsky e Stalin manifesta-se na oposição, respectivamente, da “revolução permanente” contra “o socialismo num só país” (em 1927 a facção trotskista intitulava-se bolchevista- leninista). Em 1929 ocorre a expulsão de Trotsky do país, e surgem elementos ou facções trotskistas em inúmeros partidos comunistas fora da Rússia (numa reacção contra a condução estalinista da União Soviética

79 Em Abril de 1922 é tentado, sem sucesso, um entendimento entre as duas Internacionais, na Conferência de Berlim; assim, no ano seguinte, ao apelo da II Internacional através do Manifesto aos Operários Socialistas de Todos os Países, realiza-se em Hamburgo o Congresso de Fundação da Internacional Socialista (com F. Adler como secretário). Concretiza-se a cisão no movimento operário:

Assim, a cisão (a que o socialismo internacional tinha finalmente escapado no decorrer da guerra, mas que se concretizara com a fundação da III Internacional, expressão institucional da empresa de revolução mundial, da qual a Rússia Soviética era o modelo e o lar) terminava aqui, e tornava-se um dado estável e permanente do mundo operário. Daí em diante, socialismo e comunismo, lado a lado, ou frente a frente, propõem soluções diferenciadas face aos acontecimentos mundiais: diferenciadas, somente, até certo ponto, uma vez que os dois partidos possuíam uma fonte doutrinal comum (Kriegel, 1974:108-9).

A posição socialista perante o regime soviético critica necessariamente a sua dureza – prolongada para além das necessidades do preconizado período limitado de uma ditadura do proletariado para a “liquidação da burguesia” -, a perseguição aos socialistas, dentro e fora da Rússia, e finalmente, enquanto herdeiros do pacifismo bernsteiniano, são contrários à teoria leninista de “inelutabilidade das guerras imperialistas”, por não verem na guerra o meio para a liberdade e justiça social (vd. Kriegel, 1974:109). Apesar de tudo, e perante a instauração do fascismo na Europa, foi possível um pacto de acção comum mediante a constituição da Frente Popular em Janeiro de 1935 – que depois não resistiu à derrota das Frentes Populares. Deu-se o pacto germânico-soviético em Agosto de 1939, e finalmente, a dissolução da Internacional Comunista em Maio de 1943 como centro dirigente do movimento operário internacional, numa declaração assinada pelos Partidos Comunistas Bolchevique Alemão, Francês, Checo, Espanhol, Italiano, Finlandês, Austríaco, Húngaro e Romeno.

Esta exposição histórica das internacionais operárias permitirá explicitar como é que o movimento operário esteve ligado ao movimento do Esperanto. Pela mesma razão nos ocupamos de seguida com o movimento do anarquismo.

Tal como o marxismo, o anarquismo constitui uma reacção maior ao advento do industrialismo, ainda que apresentem alguns elementos quase opostos; assim, se no primeiro caso não se verifica uma contestação do industrialismo mas uma proposta de revertê-lo a favor dos operários, os anarquistas elaborando por seu lado uma crítica tendencialmente radical da sociedade capitalista e estatizada fazem-no a partir de uma nostalgia da perdida era pré-industrial, i.e., artesanal e campesina. Todavia, o anarquismo não deixa de se situar no campo do socialismo. Por um lado, veja-se como a AIT teve na sua fundação marxistas e anarquistas, sendo até a elaboração dos estatutos (pelo artesão parisiense

ou contra as directivas emanadas do Comité Executivo da Internacional Comunista). Com a ascenção de Hitler ao poder, o Plenário Internacional da oposição bolchevista-leninista, em Agosto de 1933, compromete- se, quase por unanimidade, pela construção de uma nova Internacional e de novos partidos revolucionários, em todos os países: a IV Internacional (cf. Kriegel, 1974:117-28).

80 Henri Tolain) muito próxima de princípios anarquistas, mais do que de uma concepção marxista de luta de classes, patente na frase “l’émancipation des travailleurs doit être l’oeuvre des travailleurs eux- mêmes”. Por outro lado, há pontos de partida comuns na discussão da abolição do papel do Estado e da posse da propriedade (cf. Arvon, 1979: 13 e 225; Freire, 2002:15-6; Tormey, 2004:111). Se o marxismo apresenta uma multiplicidade de abordagens devido à complexidade da obra de Marx (cf. Tormey, 2004:112-3), também o movimento anarquista é diverso, essencialmente distinguido pela vertente mais colectivista ou mais individualista (cf. Tormey, 2004:118), mas inicialmente um fenómeno de origem popular, a que uma elite de intelectuais e auto-didactas conferiu uma filosofia política (cf. Freire, 2002: 15).

Os posicionamentos anarquistas têm na sua génese a crença absoluta na liberdade individual e assim uma rejeição de todos os tipos de dominação, com implicação em dois corolários fundamentais. Um deles, é uma concepção do carácter inútil ou não benigno das instituições sociais e formas de autoridade, principalmente o Estado; também a existência de propriedade e os seus direitos são desaprovados. O outro corolário reclama a necessidade de uma conduta pessoal fundada numa ética de responsabilidade individual.

O movimento anarquista também é designado por movimento acrata, ou mais recentemente, pelo termo libertário. Tendo desde a Antiguidade conotações negativas associadas a desordem e tirania, o termo “anarquia” é reabilitado, e de certa forma invertido, por Pierre-Joseph Proudhon (1809-1864) que se assumiu anarquista na obra Qu’est-ce que la propriété ou recherches sur le principe du droit et du gouvernement de 1840; no entanto, a federação anarquista do Jura suiço (já após a sua saída da I Internacional), escrevia em 1876 no Bulletin de la Fédération Jurassienne que preferiam auto- denominar-se federalistas, colectivistas, anti-autoritários ou autonomistas (vd. Arvon, 1979:28-30). Encontra-se nos primeiros anarquistas a marca do seu século: não apenas uma concepção evolucionista da história da humanidade, mas também a preocupação com as questões relacionadas com a ciência e o progresso, cujo papel social e económico poucas vezes se afigurava verdadeiramente benigno.

O posicionamento de Proudhon acerca do Estado e da sociedade é uma ressonância directa da realidade política instaurada pela Revolução Francesa, cuja Constituição é em grande medida inspirada no contributo da obra Du contrat social de Jean-Jacques Rousseau; deste modo se orienta a crítica de Proudhon a um Estado centralizador e uniformizador que não respeita a pluralidade, nomeadamente, a diversidade linguística. O autor encontra um absolutismo opressor na centralização que é apenas aparentemente libertadora, não se garantindo a igualdade de cada um senão pela submissão de todos92. Por isso Proudhon advoga o federalismo, que respeita os direitos fundamentais

92 A obra de Rousseau foi objecto de leituras dissonantes, como esclarece João L. Alves: “o cúmulo de interpretações tão díspares que se foi formando sobre o topos teórico de Du contrat social é acompanhado na avaliação do alcance político por entendimentos também opostos e de um radicalismo impressionante na