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Desafio posto: a comunidade como referência para pensar o trabalho

4 METODO

4.3 Desafio posto: a comunidade como referência para pensar o trabalho

O percurso metodológico traçado, bem como o referencial teórico apresentado no qual me fundamentei para pensar o acesso ao campo, a relação entre pesquisadora- pesquisados, os cuidados na forma de conduzir a pesquisa, sugerem uma análise e uma utilização dos dados nas quais não se perca de vista a percepção do outro. O mesmo respeito e cuidado com o grupo investigado sugeridos na realização da pesquisa de campo devem fazer parte de um processo contínuo que se estenderá na análise dos dados. Os vínculos, os afetos, bem como as dificuldades, os conflitos e as limitações encontrados no caminho devem

compor o resultado final. Se a proposta é ter a comunidade como referência para se pensar o trabalho em saúde e as práticas corporais, é importante que a experiência vivida em meio dela seja orientadora nesse momento.

É preciso considerar que tive dois eixos de dados. O primeiro se refere aos profissionais coordenadores de equipe das UBSs que trazem uma visão sobre o trabalho da ESF na sua relação com a comunidade e uma caracterização geral do território e suas principais necessidades de saúde40. O segundo é relativo à pesquisa com a comunidade e está voltado para conhecer como é seu modo de ser, percebido tanto nas atividades e organizações que se dão no Centro Comunitário, como na vivência/experiência dos moradores.

Inicialmente, esses dois eixos foram organizados, analisados e apresentados separadamente, para trabalhar com os dados proporcionados pelas formas diferentes de coleta e de campo: entrevista – UBS – coordenadores de equipe, e observação – Centro Comunitário – moradores. A intenção foi enfatizar o trabalho em saúde junto às comunidades, de um lado, e as relações da comunidade em seu contexto, de outro. Nos dois eixos de dados a análise foi conduzida de modo a estabelecer um diálogo entre estes e a literatura, com o fato de ter respaldo explicativo e elaborar questionamentos acerca dos dados recolhidos na pesquisa de campo e desenvolver considerações. Buscou-se tecer uma trama que identificasse pontos que se complementam, se afirmam ou se contradizem e que permitisse, a partir do todo, destacar aspectos percebidos a partir da referência temática da comunidade que se relacionassem às práticas corporais e à saúde, para compor a discussão privilegiando os objetivos da pesquisa. A seguir, descreve-se como esse trabalho foi realizado de modo específico em cada eixo.

Na fase I, a organização e análise dos dados incluíram a transcrição integral das 22 entrevistas com os coordenadores de equipe por UBS e a releitura do material. Em seguida, foi construído um quadro sintético com temas elaborados com base no que foi identificado nas falas e também com a orientação do roteiro da entrevista. No texto completo com a transcrição das entrevistas foram marcados falas e trechos que pudessem compor a escrita dos resultados. Assim, os resultados foram escritos com base tanto no quadro sintético como na visão geral do material das entrevistas com as falas dos coordenadores destacadas.

A análise dos dados foi conduzida procurando abarcar questões que originaram o primeiro objetivo posto para este estudo: buscar nas experiências e saberes relatados os

40 Acredito que as orientações trazidas pelos autores foram fundamentais para os resultados obtidos, que se

expressam no conteúdo das entrevistas. Várias delas tratam de problemas difíceis e até constrangedores em relação às pessoas e famílias atendidas e às situações vividas por elas na prática do seu trabalho. O que mostra que se estabeleceu uma certa aproximação e confiança com a pesquisadora na medida em que essa fase foi mais pontual, não havendo a presença contínua da pesquisadora como na observação.

indicativos que pudessem contribuir para o modo de pensar e realizar o trabalho em saúde junto à comunidade e, consequentemente, nortear a reflexão e a prática do profissional de Educação Física que cada vez mais se aproxima desse campo. A estratégia empregada nesse momento foi agregar os resultados obtidos à literatura e construir apontamentos que pudessem servir de respaldo para o profissional.

Na fase II, a organização dos dados incluiu a retomada de materiais que recebi como folders, guias, projetos, entre outros, durante a realização da pesquisa no Centro Comunitário e os relatórios digitais desenvolvidos a partir dos registros do diário de campo das observações. O material produzido nos relatórios foi relido e analisado perseguindo o segundo objetivo posto para este trabalho, que originou na análise dois movimentos importantes: o primeiro, mais amplo, foi trazer da experiência vivida no Centro Comunitário e da leitura das observações aquilo que a comunidade nos ensina de modo a termos subsídios para compreendê-la um pouco mais e encontrar elementos para pensar o trabalho em saúde e as práticas corporais; e o segundo, de modo particular, foi produzir no texto uma narrativa com as experiências no Centro Comunitário como referência do “real” e valor central dessa pesquisa. Por isso, será perceptível a diferença no modo da escrita entre os resultados das fases I e II.

É preciso pontuar também que priorizei o trabalho com a “integralidade” dos resultados, na tentativa de fazer prevalecer uma visão do todo e de minimizar os recortes e o descarte de dados obtidos. Para tanto, também lancei mão de vários exemplos de modo que eles ilustrem e evidenciem os resultados da pesquisa de campo. Os nomes que identificam as falas são fictícios.

É com base nelas que se espera relativizar saberes hegemônicos voltados para a saúde e as práticas corporais à luz da perspectiva da comunidade estudada. Isso porque, tanto na revisão de literatura como nas vivências da pesquisa de campo, percebe-se que na vida das comunidades urbanas há um caminho contínuo pela busca de melhorias em relação ao trabalho, ao reconhecimento social, à moradia, enfim, às condições de vida em um contexto amplo. Ela também não se limita ao rótulo de comunidade como sinônimo de favela, nem como sinônimo de um lugar onde se vive o tempo todo em comunhão com o grupo, em igualdade. As tramas que se estabelecem nas comunidades urbanas se apresentam muito mais complexas e dinâmicas, o que representa um desafio para os profissionais que trabalham com elas (algo muito presente nas entrevistas com os profissionais das UBSs que relatam experiências de angústia, de frustração, mas também de persistência e de êxito) e, em razão disso, merecem um olhar atento.

O intuito é relativizar e ampliar nossas compreensões, formas de conhecimento e intervenção junto àqueles que dão vida e sentido às ações propostas. É preciso mencionar também que são poucos os estudos na área de Educação Física que tratam diretamente da questão da comunidade e, nesse sentido, justifica-se a pertinência de investigações dedicadas a essa temática atual e objeto de interesse de diferentes áreas.

Retomo a pergunta norteadora desse trabalho: O que a comunidade nos apresenta e ensina para repensar e enriquecer nossos referencias teórico-práticos sobre a saúde e as práticas corporais? Para encontrar direcionamentos, foi preciso estabelecer um diálogo entre a comunidade estudada e o trabalho em saúde, olhando para a primeira como lugar da experiência. Espera-se que, assim, possamos contribuir para a busca de fundamentos teórico- práticos que nos ajudem também a pensar nas práticas corporais nesse contexto. Não mudamos tudo com nossas pesquisas, mas é possível lançar alguma luz sobre o cotidiano das pessoas, sobre nosso modo de pensar, sobre a forma de se “fazer” saúde.

Nesse sentido, ao manusear os dados da pesquisa, notei que os resultados eram ricos do ponto de vista das experiências e dos casos relatados pelos profissionais. Além disso, a quantidade e diversidade de situações e até da complexidade de algumas narrativas especificamente, colocaram-me o desfio de o tempo todo não me perder em meio a elas. Podem ser exemplo as descrições dos territórios que mostram as condições de vida e as características das comunidades atendidas. Elas eram um convite a me debruçar sobre esses dados e desenvolvê-los em profundidade, para discutir as relações entre estes e o comportamento da comunidade e sua influência sobre o processo de saúde e doença. Ao mesmo tempo, se seguisse esse critério, correria o risco de ter que abandonar, por falta de tempo e de fôlego, outros aspectos importantes que resultaram das entrevistas da primeira fase e que, como era proposto, davam-me uma visão geral sobre o trabalho em saúde junto à

5 TRABALHO EM SAÚDE E COMUNIDADE: APONTAMENTOS A PARTIR DA