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A IMPLANTAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO DIGITAL EM TURMAS DO ENSINO MÉDIO: REGISTROS, DESAFIOS E ALGUMAS

2. OS DESAFIOS DA EXPERIÊNCIA

Desde o início de 2014, e durante todo o ano de 2015, o Colégio Positivo Ambiental, a Editora Positivo e a Positivo Tecnologia Educacional desenvolvem um trabalho com objetivo de acompanhar a implantação e o uso do livro digital em turmas do Ensino Médio9. Uma equipe multidisciplinar foi designada para realizar esse trabalho e ao longo desse período mais de 1500 aulas foram observadas por meio da presença de professores assistentes nas salas de aula, com os seguintes objetivos:

1. Identificar as dificuldades operacionais inerentes ao uso em larga escala de equipamentos tecnológicos, desde os downloads dos livros até o uso simultâneo de recursos on-line por turmas de mais de 60 alunos.

2. Reconhecer os fatores facilitadores e dificultadores do uso do livro digital por parte dos professores.

3. Aferir a adesão dos alunos ao uso do livro digital.

4. Criar indicadores de melhoria de aprendizagem por parte dos alunos.

Todos os registros das aulas observadas foram feitos em formulários com diversos campos (nome do professor, disciplina, conteúdo, recursos utilizados, se eram próprios do professor ou disponíveis no material, uso de recursos do portal educacional, entre outros) que permitiriam análises tanto quantitativas como

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No ano de 2014 apenas alunos do 1º ano fizeram uso do material, ampliado para o 2º ano em 2015. Assim, se no primeiro ano foram observadas 3 turmas (com cerca de 180 alunos), no ano seguinte foram 6 (350 alunos). Foi incluído na lista de materiais obrigatórios para cada aluno um tablet com uma especificação técnica compatível com as exigências do material. Pode-se afirmar que mais de 95% dos alunos já tinham seu equipamento nas primeiras semanas de aula, não sendo esse um problema para a implantação do livro digital em sala.

qualitativas. Em 2014 foi designado um professor assistente por turma, que acompanhava todas as aulas do dia, fazendo seus registros. Esses assistentes conheciam bastante bem os recursos disponíveis no livro digital e podiam tanto sugerir o uso deles para os professores como apoiá-los no caso de necessidade durante o seu uso em sala de aula. Em 2015 a recolha dos dados deu-se de outro modo, procurando obter maior volume de dados qualitativos. Para tanto, foi solicitado aos professores que entregassem para a equipe os seus planejamentos bimestrais, de modo que fosse possível identificar em quais aulas seria feito uso dos recursos digitais, e quais eram os objetivos de aprendizagem dessas aulas. O interesse era criar meios de se poder aferir impactos na aprendizagem, coisa que no ano anterior não tinha sido possível observar10.

Paralelamente à pesquisa, buscou-se referências de experiências semelhantes ou que de algum modo pudessem ajudar a iluminar o caminho a ser percorrido. Constatou-se o reduzido número de projetos com base em livros escolares digitais11, ainda que não fossem poucos os estudos tratando do uso de TICs nas escolas. Todas as iniciativas identificadas tinham amostragens muito menores do que as desse projeto. Em nenhum dos casos, os próprios produtores do material monitoraram seu uso.

No final do ano de 2014, foi produzido um relatório contendo os dados coletados ao longo daquele ano. Nele foram apontados os principais obstáculos e dificuldades para a disseminação do uso de ferramentas digitais.

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Esse pedido revelou a dificuldade de muitos professores ao produzir planejamentos que não fossem apenas uma distribuição dos conteúdos ao longo das semanas de aula. Definir objetivos de aprendizagem para cada tópico de conteúdo não é uma prática a que professores do Ensino Médio estão acostumados, assim como não é tarefa simples para muitos deles identificar o que foi chamado de conteúdos críticos, ou seja, aqueles que são duplamente importantes, porque serão base para o entendimento de um outro tópico conceitual e porque representam um desafio cognitivo para o aluno.

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A experiência mais próxima a que se teve acesso é aquela desenvolvida em Portugal, dentro do projeto ManEEle – Manuais Escolas Eletrônicos. O projeto é desenvolvido em dois grupos de escolas, sendo um deles a Escola de Cuba, no Alentejo. O primeiro relatório parcial, publicado em março de 2014, chegou a conclusões muito próximas da investigação aqui relatada.

3. OS REGISTROS

No espaço limitado dessa apresentação, chamaremos a atenção para algumas conclusões que parecem especialmente interessantes e/ou relevantes. A primeira, é que não se identificou nenhum tipo de padrão no uso por parte dos professores. Fatores como sexo, idade ou disciplina ministrada não são suficientes para indicar maior adesão ou maior propensão ao uso do livro digital em sala. A ideia de que professores mais jovens são “naturalmente” mais propensos ao uso de tecnologia em sala de aula revelou-se uma falácia. Naturalmente que professores que pouco usam ferramentas digitais para pesquisar ou mesmo para preparar suas aulas tendem a fazer menor uso desses recursos em classe, mas mesmo professores que são bons conhecedores do que a rede mundial de computadores oferece, fazendo uso dela no preparo de suas aulas, não necessariamente aderem imediatamente ao recurso do livro digital. Uma constatação muito interessante é que aqueles que possuem um acervo de aulas preparadas em slides, continuam fazendo uso deles, mesmo quando o material lhes oferece outra possibilidade. Não foram poucos os casos em que os professores sequer procuraram saber o que lhes era oferecido, preferindo fazer uso do recurso que já tinham pronto, conforme a sequência de aula por eles previamente preparada. Registre-se que na escola os professores dispõem de um portal por meio do qual podem disponibilizar para seus alunos os slides que utilizam em aula, o que os tornam um recurso de estudo importante para os alunos.

Embora o percentual de uso efetivo dos recursos do livro digital tenha sido muito baixo, não alcançando 20% das aulas assistidas12, o uso de recursos digitais próprios é relativamente elevado, ou seja, em grande parte das aulas os professores fazem uso de slides para desenvolver suas aulas, eventualmente fazendo uso de algum recurso de vídeo ou simuladores. Não foi possível identificar um padrão na modalidade do recurso, de modo a se estabelecer alguma recorrência entre o tipo de conteúdo trabalhado e o tipo de recurso empregado. A lógica que parece presidir a

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Na maior parte das vezes o uso do recurso se limitou à projeção da página do livro no quadro (lousa digital). Nesses casos, as anotações eram feitas “sobre” essa projeção. Curiosamente, um uso recorrente dos tablets pelos alunos era o de fotografar essas notações de aula feitas pelo professor.

escolha de um recurso é quão útil ele é para i) facilitar a apresentação de um determinado conteúdo ii) ilustrar e/ou reforçar o que o professor apresentou/falou. Portanto, a lógica que preside a escolha é a de mero reforço da aula expositiva. Não se registrou uma única situação em que um recurso foi explorado para problematizar um assunto e introduzir um novo tema de estudo.

O principal argumento para justificar o não uso do material oferecido é que ele é pouco interativo e, portanto, pouco atraente para os alunos13. Se o argumento procede, por se tratar da primeira geração de um material didático, na forma de um pdf com alguns Objetos Educacionais Digitais (OEDs), com acesso remoto, ele na verdade não justifica o não uso porque as aulas se revelam pouquíssimo interativas, cabendo exclusivamente ao professor o protagonismo da aula. Até mesmo as perguntas que eles fazem têm apenas função retórica, para encadear a sua apresentação oral, raramente servindo como problematização do assunto estudado. Como a gestão do (pouco) tempo disponível é um aspecto central na rotina dos professores, nada que possa colocar em risco o controle dessa variável é empregado14.