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CULTIVAR E APRENDER: OS TABLETS NO DESENVOLVIMENTO DA ORALIDADE

4. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

Relativamente ao desenvolvimento do projeto de intervenção, criou-se a “Oficina do Oral” em duas vertentes distintas, mas que no fundo são complementares: a da compreensão do oral e a da expressão oral. É, portanto, uma intervenção pedagógica no âmbito da linguagem oral, tendo sempre presentes os normativos, concretamente as Metas de Aprendizagem e as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE). Deve-se, por essa razão,

salientar que a linguagem oral no Jardim de Infância articula-se com as restantes áreas e domínios das OCEPE.

Passamos então a apresentar alguns dos recursos utilizados para potenciar o desenvolvimento da oralidade.

Atividade 1

Como se compreende, a expressão e a compreensão do oral são áreas particularmente sensíveis para o desenvolvimento da criança no ensino pré-escolar. Recorremos, por isso, com regularidade a aplicativos digitais que favorecem a aquisição e desenvolvimento da linguagem nesses domínios, como é exemplo o

podcast.

Figura 1 – Página principal do podcast da janela do meu jardim

Conforme já foi mencionado, este projeto nasce e deriva de outros que temos desenvolvido e acompanhado no Jardim de Infância e na formação de professores de diversos graus de ensino.

Participamos no projeto “A leitura em vai e vem”, iniciativa do Plano Nacional de Leitura ao longo de vários anos. Desde o início, consideramos que a utilização de recursos digitais, nomeadamente para gravar a leitura que cada criança fazia em casa ou no Jardim, concorreria para desenvolver novas competências no domínio do oral.

Nesse projeto, poder-se-á sublinhar objetivos que foram atingidos, como: a partilha de histórias do Plano Nacional de Leitura e outras, utilizando o podcast; o incentivo do trabalho colaborativo entre crianças e encarregados de educação;

acompanhamento por meio do podcast, como um espaço de informação, divulgação e participação; desenvolvimento da oralidade, melhorando a comunicação e a expressão; transferência e aplicação de conhecimentos veiculados pelo podcast em vários contextos de vida. Finamente, o objetivo principal do projeto “A leitura em vai e vem” foi atingido e consistia em motivar as crianças para a leitura de histórias e facilitar uma aprendizagem mais criativa e motivadora.

O projeto consiste em que cada uma das crianças escolha livremente um livro da nossa biblioteca e o leve para casa. Estabelecidas as regras, cada criança tem três ou quatro dias para desfrutar do livro em casa com a família. Depois a criança é convidada a recontar a história contada pelos pais para os colegas. É nessa altura que recorremos a uma das aplicações disponíveis para iPad, oTwistedWave, para gravar o reconto da história. Esse recurso, na versão gratuita, permite corrigir falas repetidas, remover ruídos, normalizar o som gravado, acrescentar efeitos sonoros e, simultaneamente, obter uma melhor qualidade ao nível do som. Depois a história gravada em formato mp3 é publicada num dos servidores de podcast, no nosso caso o Podomatic.

Figura 2 – Gravação na aplicação TwistedWave

Todo esse trabalho de sonoplastia é acompanhado pelas crianças e permite que educadores e crianças gravem, editem, manipulem e distribuam os arquivos de áudio, facilmente descarregados para o computador e também para dispositivos móveis, como os seus telemóveis ou dos pais, transformando o podcast no nosso recurso de eleição. Não admira que tenha, por isso, tão boa aceitação por parte dos utilizadores de dispositivos móveis.

Nesse sentido, o podcasting oferece-nos a possibilidade de publicar conteúdos de áudio na internet, apresentando-se como um “recurso atractivo, ao alcance de qualquer utilizador, de acesso livre e gratuito, que permite ao aluno protagonizar a construção activa do seu saber” (FARIA & RAMOS, 2010, p. 45-46).

A facilidade com que acedemos e manipulamos os dispositivos digitais, que permitem comunicar em formatos multimodais, proporciona um ambiente de aprendizagem interativo e impulsiona novas formas de ensinar, aprender e interagir com o conhecimento, no contexto local e global. Ora, tudo isso cria um elevado nível de interação entre todos – as crianças demonstram autonomia na realização das suas tarefas, mas sobretudo espírito crítico porque conseguem apreciar os seus trabalhos e os trabalhos dos colegas. Esses recursos criam, deste modo, grandes oportunidades de situações de comunicação e colaboração.

Além de se anularem barreiras espaciais e temporais, esses recursos constituem oportunidades únicas para promover a aprendizagem e a apropriação de novos conhecimentos e experiências, sabres e competências de forma colaborativa.

Paralelamente, em contexto de formação de professores, acompanhamos colegas de outros graus de ensino no desenho de projetos que visavam, por exemplo, percepcionar o desenvolvimento dos níveis da competência leitora ao longo de um período ou até de mais tempo. Foi mesmo possível construir um

portefólio áudio que ajudava a ter uma visão mais precisa da evolução da leitura e

que representava um instrumento valioso para a avaliação de cada aluno.

Atividade 2

A tarefa consiste em que cada criança utilize os dispositivos móveis (tablet ou smartphone) e, com a câmara incorporada, tire uma “selfie”. Com a fotografia, deverá reproduzir o seu autorretrato por meio de desenho no papel, tendo em atenção as suas características individuais. Pretende-se uma mensagem pelo desenho de uma foto de si mesma sobre “quem sou, como sou?”.

A motivação “selfie” impulsionará o diálogo entre todos, a expressão e interiorização do que pensam e do que sentem as crianças sobre caraterísticas individuais físicas, psicológicas, ambiente social, cultural e linguístico.

Haverá oportunidade para perceber que são indivíduos únicos com as suas histórias pessoais. Descobrirão como interagir com outras pessoas na sua comunidade e serão incentivadas a expressar interesse, sensibilidade e responsabilidade nas interações com o outro.

Essa é, pois, uma forma de envolver mais as crianças num ambiente interativo rico, que as leva a pensar criticamente sobre cidadania e identidade e a contatar, desde cedo, com a multimodalidade de suportes de expressão e comunicação.

Figura 3 – A expressão verbal com base em uma “selfie”

De facto, aqui a imagem e o tablet representam um enorme potencial para a expressão verbal das crianças. E, a nosso ver, esse envolvimento das crianças nassuas próprias produções torna o processo de aprendizagem mais significativo e mais eficaz, pois as conexões cognitivas das crianças são mais fortes quando estas seguem os seus interesses.

Atividade 3

Mais um exemplo de uma atividade, neste caso com recurso a uma aplicação Shadow Puppet Edu, na versão gratuita para abordar os aspetos científicos. As crianças, com base no registo fotográfico, podem descrever experiências científicas. Aqui, pretendia-se registar a experiência com os estados da água – sólido e líquido – e assim introduzir também o vocabulário científico. É

necessário, num contexto de

comunicar as suas experiências para que as crianças tenham oportunidade de propor explicações, reflexões e de desenvolver o espírito crítico.

Essa aplicação assenta numa planificação mental antecipada, ou seja, a criança terá de estruturar as suas ideias, o seu pensamento para verbalizar todas as fases de processo experimental ou acontecimentos com auxílio das imagens.

A integração dessas ferramentas permite também uma interação contínua a vários níveis: pelo protagonismo que cada um assume, pela autoavaliação dos trabalhos que estão a desenvolver e pela promoção da reflexão e espírito crítico.

O recurso Shadow Puppet Edu permite usar o áudio, o vídeo, o texto e a imagem com uma grande autonomia das crianças. Promovem-se assim as literacias múltiplas, desde a digital à visual, e de novas competências, como o aperfeiçoamento auditivo, particularmente, a capacidade de se escutar a si mesmo e aos outros. Há sempre uma enorme curiosidade em escutar o resultado das produções.

Embora a nossa preocupação resida no desenvolvimento da linguagem oral, o projeto é transversal a todas as áreas de conteúdo da Educação Pré-escolar.

É frequente, nesses ambientes, mais do que em quaisquer outros, uma filosofia de trabalho que parte dos interesses e curiosidades das crianças, que apela à transversalidade dos saberes, que os conjuga e interliga de acordo com o sentido que adquirem em cada projeto que se realiza. E cada projeto é desenvolvido em conjunto, não só tendo em vista um resultado final, mas valorizando todo um processo, de pesquisa, de descoberta, de partilha, ou, numa palavra, de aprendizagem.

5. CONCLUSÃO

No Jardim de Infância, as crianças podem imaginar o que querem fazer. O processo de aprendizagem desenvolve-se em espiral (RESNICK, 2007). As crianças criam um projeto baseado nas suas ideias, experienciam e jogam com as suas criações, trocam ideias com os outros, refletem sobre as suas experiências e, de novo, imaginam novas ideias e novos projetos que vão mais além, desenvolvendo e refinando deste modo as suas habilidades criadoras. Nesse processo, em que a

interligação de saberes se efetiva, e em que a construção de percursos de aprendizagem é orientada por um educador atento, que estimula, acompanha, responsabiliza, propõe, valoriza, reside um fator importantíssimo para o sucesso. E julgamos que, nesse contexto, o apuro da linguagem – da expressão e compreensão do oral – contribua para que a criança possa efetivamente revelar e mobilizar os seus saberes, os seus interesses, as suas necessidades e a sua crescente afirmação no plano relacional, cívico e na preparação para as novas etapas da sua vida.

6. REFERÊNCIAS

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