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Desafios para vários actores

Tal como os projectos jornalísticos que compõem este sector são diversificados, também as formas como as publicações marcam presença no digital são díspares, desde publicações que não têm site até àquelas que fazem trabalhos pensados para a Internet em vez de recorrer ao shovelware, transposição do jornalismo dos media tradicionais sem adaptação ao novo meio, que John Pavlik (2001) diz ser caracterís- tico da primeira fase do ciberjornalismo, passando pelas que tiram partido das redes sociais ou pelas que estão a tentar perceber se é melhor disponibilizarem a edição impressa de forma gratuita ou mediante o pagamento de uma assinatura. Os estudos feitos até ao momento têm indicando que existe um aproveitamento ainda aquém das potencialidades que o ciberjornalismo oferece.

Certo é que mesmo aqueles que inicialmente estavam mais reticentes em relação aos impactos da Internet na imprensa local e regional são confrontados com a neces- sidade de encarar esta questão de uma forma séria, pelas suas profundas implicações, que vão para além da produção e consumo de informação. Com efeito, com a Inter- net «não estamos apenas diante de uma ilimitada tecnologia de acesso e fornecimento de informação. Estamos diante de uma tecnologia social, onde milhares ou milhões de diversos actores e sujeitos sociais interagem, criando, portanto, dimensões novas de relação social e projectando até porventura novas formas de organização social» (Oliveira et al., 2004: 20).

Neste contexto, colocam-se alguns desafios às empresas detentoras de publica- ções, que implicam a definição de uma estratégia para a presença online – que con- temple o site e também as redes sociais, com disponibilização da informação em diferentes plataformas – articulada com edição impressa. Para ser eficaz, uma pre- sença desta natureza exige uma atenção permanente, que não é compatível com uma

variação em função de aspectos como a disponibilidade de pessoal ou a apetência de alguém da equipa de trabalho por esta área.

A existência de jornalistas com disponibilidade para trabalhar nesta área é fun- damental, afigurando-se este como um desafio crucial, num sector com publicações com quadros de recursos humanos muito limitados.

Pedro Jerónimo (2011b: 24) defende que a imprensa regional age de forma re- activa, olhando para o que fazem os principais media, sendo «muito raros os casos em que existe “espírito de iniciativa” em relação à realidade digital». Apesar das limitações de recursos, a imprensa local tem margem para encontrar soluções inova- doras, adaptadas à realidade local e em interacção com o seus membros, uma vez que conhece como ninguém as dinâmicas locais.

Esta questão leva-nos a outro desafio, inerente à sua matriz identitária, que é o de aumentar a proximidade à comunidade onde se insere. Neste âmbito, existem os

contributos do movimento que defende «um novo jornalismo»3(Traquina, 2003: 9),

que podem servir de inspiração para uma actuação mais próxima da comunidade, preocupada com a agenda dos cidadãos.

As escolas podem ser um parceiro importante, na medida em este trabalho pode ajudar a criar laços entre os alunos e a publicação, com ganhos mútuos, mas também para o aumento da literacia mediática, que, como refere o Portal da Literacia para os Média, dê à população a «capacidade de aceder aos media, de compreender e avaliar de modo crítico os diferentes aspectos dos media e dos seus conteúdos e de criar

mensagens em diversos contextos»4.

Os estabelecimentos de ensino superior com especialização na área das Ciências da Comunicação podem ajudar na preparação dos profissionais, mas também a re- flectir sobre o trabalho que está a ser feito e lançar pistas que ajudem a definir rumos. Do trabalho mais estreito entre a academia e a imprensa podem ser desenvolvidos

projectos que contribuam para a apontar novos caminhos para o sector5.

Os desafios também se colocam aos jornalistas, que são confrontados com o facto de a comunicação já não ser unidireccional. Dado que se trata de um cenário de proximidade, esta pode ser uma mais-valia para o trabalho jornalístico, que assim pode produzir conteúdos significativos para as pessoas, em alternativa ao jornalismo

3Neste movimento insere-se o jornalismo comunitário (Craig, 2005), jornalismo de serviço público

(Shepard, 1994), jornalismo público (Rosen, 1994: Merritt, 1995) ou jornalismo cívico (Lambeth e Craig, 1995) (Traquina, 2003: 9).

4A título de exemplo das possibilidades do estreitamento das ligações entre a imprensa, a academia

e as escolas veja-se o caso do Reconquista, o primeiro jornal português a receber uma menção honrosa da Associação Mundial de Jornais e de Editores de Notícias na categoria “Jornais e Educação”, em 2010, em ex-aequo com o australiano The Age, pela sua participação no programa “Educação para os Media na Região de Castelo Branco” (http://www.literaciamedia.com)

5A este propósito, veja-se o projecto “Agenda dos Cidadãos”, do Departamento de Comunicação e

Artes e do Laboratório de Comunicação Online (LabCom) da Universidade da Beira Interior, que envolve vários jornais (http://agendadocidadao.ubi.pt).

dominado pelas fontes oficiais, por pseudo-eventos, nas palavras de Daniel Boorstin, e pelo sensacionalismo.

Este é também um desafio para os cidadãos-leitores – people formerly known as the audience, na expressão de Jay Rosen (2006) – darem um contributo mais activo na sociedade. Como refere Dan Gilmor (2005: 119), «a Internet é o primeiro meio de informação de que o público é proprietário, o primeiro que deu voz ao público». As novas tecnologias estão, pois, «à disposição de todos, cidadãos e políticos, e bem poderão ser o veículo de salvação de algo que, de outra forma, poderia perder-se: um sistema em que o consentimento dos governados é mais do que o simples acto de votar» (Gilmor, 2005: 99). Apesar destas potencialidades e deste optimismo, é preciso, no entanto, notar que, como dizem Paquete de Oliveira, José Jorge Barreiros e Gustavo Cardoso (2004-81), «as novas tecnologias, e em especial a Internet, abrem novas perspectivas à cidadania, mas não são o garante único e exclusivo de uma democracia participada».

A questão essencial aqui é que os cidadãos aproveitem as ferramentas de inter- venção que estão à sua disposição para a intervenção do espaço público. Como refere Manuel Pinto a propósito dos blogues, mas extensível a outros tipos de plataformas, as novas ferramentas «facilitam o processo, mas não substituem as pessoas. Estas é que decidem, em última análise, se têm algo a dizer, como e quando o querem fazer, e com base em que linguagens» (Pinto, 2004: 7).

Por último, este cenário é também um desafio para o Estado, que deve aperfei- çoar o sistema de apoios para responder a uma realidade em constante mudança, marcada actualmente pelas dificuldades financeiras, mas sobretudo pensar em estra- tégias transversais, pois estas questões situam-se na confluência de várias esfera de actuação estatal.