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O jornalismo perante uma encruzilhada

Nas suas primeiras décadas, foram vários os estudos que comprovaram que a aplicação do modelo do jornalismo público foi bem sucedido na persecução dos ob- jectivos acima referidos: permitiu maiores níveis de deliberação, aumentou as capa- cidades das comunidades para resolverem os seus problemas e quebrou barreiras que condicionavam as relações entre e dentro das comunidades (Friedland, 2000; Nichols et al, 2006). Não obstante, nem mesmo nesses primeiros anos o modelo de jornalismo público encontrou uma aceitação fácil e unânime, tendo os anos mais recentes vindo

a colocá-lo mais claramente sob o ângulo crítico e a oposição de vários campos. En- tre as objeções mais comuns, encontram-se alguns tópicos conhecidos: o facto de a sua prática absorver demasiados recursos dentro das redacções, a tentação de atribuir ao jornalismo um papel messiânico de salvador da democracia (Peters, 1999:111), a acusação de dar forma a uma estratégia dissimulada de marketing ou ainda, por fim, tratar-se de um modo de colocar em prática acções de propaganda (St. John, 2007).

Em 2003, Friedland afirmava que o jornalismo público se encontrava perante uma “encruzilhada”, ao constatar a insuficiência das suas bases de suporte para uma prá- tica jornalística continuada e inovadora. Um ano antes, encerrara o Peer Center for Civic Jornalism, um dos principais instigadores das ideias do jornalismo público, passando o seu último director, Jan Schaffer, a liderar o Institute for Interactive Jour- nalism. Acerca do jornalismo público, escrevia que: “A intenção torna-o cívico. A tecnologia faz com que seja interactivo. As pessoas irão torná-lo divertido. E os jornalistas torná-lo-ão jornalismo. (. . . ) Por interactividade entendo não apenas o jornalismo que podes pesquisar ou pedir através da Internet. Mais que isso, refiro- me às interacções que colocam as redacções em contacto directo com os leitores” (Schaffer, 2001).

Ao mesmo tempo, Tony deMars, vice-presidente do Civic and Participatory Jour- nalism Interest Group, antes designado The Civic Journalism Interest Group, escrevia que: “Os objectivos do jornalismo público têm agora mais possibilidades de ser al- cançados pelo público através do uso de blogues e outras ferramentas de comunicação electrónica. Os cidadãos, que eram uma parte fundamental da filosofia do jornalismo público, não necessitam agora de ser convidados para o mix. São parte do mix.” (cit. por Nip, 2006:12). Com efeito, desde finais dos anos 90 que alguns projectos de jornalismo público haviam iniciado a adopção de técnicas interactivas, que, no es- sencial, depois de publicadas as notícias, tendiam a atribuir poder de iniciativa aos utilizadores, fossem eles outros jornalistas ou simples leitores.

A este processo, e em relação ao mesmo problema (a disfunção da vida pública) encontra-se associado todo um conjunto de soluções com origem nas teorias da ci- berdemocracia. O elemento mais importante das ideias de democracia digital é a esperança de que o acesso à Internet permita condições mais livres e iguais para a participação política, generalizando oportunidades a pessoas que, de outro modo, não iriam participar no processo de definição de políticas. Estender-se-ia assim a partici- pação política à sociedade civil, para além dos representantes eleitos. Tomando como referência o apelo da democracia deliberativa para o reconhecimento de todos os ci- dadãos como capazes de se envolverem, em maior ou menor grau, em debates sobre o bem comum (Benhabib, 2002), é assumido que a tecnologia da Internet poderia ser explorada para tornar o processo político mais inclusivo e mais deliberativo, sendo assim um modo de corrigir os crescentes níveis de desinteresse político dos cidadãos

comuns, contribuindo para a realização do ideal deliberativo, que exige cidadãos ac- tivos e diálogo político intenso (Barber, 1984).

É sob este enquadramento que o movimento do jornalismo público tem vindo a focar-se na questão da interactividade dos media, e no seu potencial para transformar meros consumidores de notícias em participantes, ou até produtores, de textos que, segundo alguns, poderão ser qualificados como jornalismo (Heinonen, 1999:82). O argumento subjacente é o de que, se as novas tecnologias de comunicação aumentam a vontade e a capacidade de os cidadãos participarem, a distância entre elites e cida- dãos tenderá a tornar-se mais curta, e de igual modo, também jornalistas e leitores estariam mais próximos. Idealmente, o sentido público das discussões nas platafor- mas jornalísticas seria reforçado. As notícias, de um modelo demasiado elitista e centrado em conflitos, seriam conformadas a partir de uma arena de diálogo vivo en- tre cidadãos, políticos e peritos, e cumpririam, deste modo, um importante papel na activação e no fortalecimento da democracia.

Esta linha de pensamento decorre da ideologia do jornalismo público, que con- cebe como tarefa dos jornalistas não apenas informar os cidadãos, mas também me- lhorar a discussão pública e dar sentido à sua participação (Rosen, 1991). É com uma matriz assim desenhada que alguns investigadores têm procurado conceber propostas teóricas e de aplicação prática que enfatizem a participação dos leitores de jornais (Lawrence, 1993:16). No essencial, considera-se a necessidade de os jornalistas en- corajarem e solicitarem feedback dos públicos, desafiando as pessoas a interagirem com os jornalistas e entre si, enquanto cidadãos preocupados com a vida pública. Ao mesmo tempo, assume-se a existência de uma correlação entre os níveis de de- mocracia e a interactividade estimulada pelos media. É por isso que a análise e a identificação de ferramentas e de técnicas que ampliem a interactividade nos media (e, dentro destes, nos media informativos) surge como uma preocupação com muito significado no âmbito dos estudos e das práticas do jornalismo.

Muito embora estes objectivos possam vir marcados por uma forte carga de ide- alismo, são vários os argumentos a favor da sua necessidade. Com efeito, a crítica do jornalismo, expressa tanto em pesquisas sobre jornalismo como no número de- crescente de novos leitores, vem mostrando que as notícias tendem a considerar os cidadãos como espectadores em relação aos relatos que enunciam. Ignoram, assim, o potencial do jornalismo para o diálogo e para a participação dos indivíduos. Nesta medida, quando os promotores da ideia do jornalismo público afirmaram a impor- tância de estimular a influência dos leitores junto dos jornais, tinham em vista dois aspectos articulados entre si: atendiam ao mesmo tempo à necessidade de os jornais defenderem os seus próprios mercados e à importante revitalização da comunicação pública. Em acordo com esta perspectiva, os ganhos seriam duplos: ao aumento das oportunidades de feedback corresponderia o aumento da imagem de confiança e de lealdade dos jornais junto dos seus públicos (Lasica, 1998).

Que interactividade deve ter o jornalismo interactivo?