• Nenhum resultado encontrado

O “Setúbal na Rede” foi o primeiro jornal exclusivamente digital do país e é um órgão de comunicação regional que cobre informativamente todo o distrito de Setú- bal. Este pioneirismo valeu-lhe a nomeação para o Prémio Jovem Empreendedor da Associação Nacional de Jovens Empresários.

À sua componente inovadora juntou desde sempre os critérios base de um jorna- lismo sério, isento e rigoroso, dizendo não, por exemplo, aos comunicados de im- prensa como fonte única, quando a técnica do copy/paste começava a ganhar terreno e a invadir todos os meios de comunicação social. Essa postura foi reconhecida com o Prémio Gazeta de Imprensa Regional de 1999, atribuído pelo Clube de Jornalistas. A visão definida para o “Setúbal na Rede” foi sempre a de ter uma função em prol do desenvolvimento da região onde está inserido. Foi interiorizado no projeto que a comunicação social não pode nunca assumir um papel de mero observador da realidade, relatando-a de forma passiva, pois interfere sempre com ela, pelo que é, também, um agente de mudança da sociedade.

Nesse sentido, o “Setúbal na Rede” decidiu assumir uma postura activa na sua região, informando mas também fazendo acontecer. Mediando a comunicação entre os diversos agentes de poder da região e os cidadãos, mas também o fazendo em sen- tido contrário. Promovendo a participação, relevando a opinião, organizando debates e eventos diversos, editando livros, criando tertúlias. No fundo, trabalhando a co- municação em sentido lato, tentando ser como que uma argamassa que liga todo um distrito.

O “Setúbal na Rede” sempre se assumiu como um órgão de imprensa regional, apesar da sua abrangência global. Numa fase ainda inicial, defendia que o projeto se podia orgulhar “de muito ter contribuído para a sua região, onde também se inclui o facto de a levar mais longe”, considerando que um profissional de comunicação social se podia sentir bem sendo “útil à sua região e compreendendo que está assim a contribuir para uma verdadeira globalização”. “Uma coisa que só se consegue na imprensa regional”, concluía (Brinca, 1999).

Essa ideia seria retomada uns anos depois, quando afirmava que “o factor de dis- tinção passa hoje pela aposta no local”. E acrescentava que “a globalização começa em cada sítio, por mais recôndito que este seja, e o “Setúbal na Rede” globalizou Setúbal, difundindo a sua informação pelo planeta”. Na mesma ocasião, realçava o facto de “o “Setúbal na Rede” apostar muito em serviço de âmbito público, bem para

além da sua função básica de informar. Organiza debates, conferências, seminários, eventos culturais, publica livros, apoia iniciativas, promove projectos e instituições, divulga as potencialidades da região. É um parceiro ativo no desenvolvimento regio- nal” (Brinca, 2006).

Quer, pois, parecer que o caminho da imprensa local e regional passa por aqui, por desenvolver um trabalho com verdadeira utilidade à região onde actua. Contudo, alertava para o facto de haver “jornais que funcionam sem ter um único jornalista. Jornais onde não se escreve uma única palavra. Apenas se copia. E agora, com o envio dos comunicados de imprensa por e-mail, basta fazer ‘copiar’ e ‘colar’.” (Brinca, 2002).

As notícias passaram a ser redigidas maioritariamente nas fontes, o que levava a questionar “que contributo dá à sociedade este novo jornalismo de copy/paste, em que o jornalista é um mero “pé de microfone”, acrítico, passivo, inculto e procurando não ser inconveniente para os diferentes agentes de poder, enquanto estes representem potenciais fontes de receitas para o jornal?”. Para acrescentar que “Portugal continua a ser um dos países com maior número de títulos de imprensa por habitante, mas cuja utilidade pode e deve ser questionada quando a atitude dos seus profissionais não está de acordo com as reais necessidades dos seus leitores” (Brinca, 2011).

A verdade é que, hoje, também a comunicação social não pode exercer a sua actividade sem ter em conta as preferências dos seus leitores, numa sociedade em que a lei do marketing se impôs e em que tudo é medido pelo grau de satisfação de necessidades que garante. Por isso se pode questionar “como poderá a comunicação social representar os interesses dos seus leitores se não os ouvir e se não colocar questões aos protagonistas dos acontecimentos?”. É por isso que “o “Setúbal na Rede” pratica um jornalismo de proximidade, junto das populações, e não feito à secretária e a partir das assessorias de comunicação. Tem jornalistas que questionam, que vão ao local. Aposta na comunicação participativa e na interatividade” (idem). E qual é o resultado dessa aposta? Quase nulo.

No prefácio de um conjunto de textos de um dos primeiros provedores do leitor do “Setúbal na Rede”, escrevia que, “numa perspectiva de que o nosso trabalho só faz sentido se forem tidas em conta as opiniões dos leitores e se formos ao encontro dos seus anseios e expectativas, o “Setúbal na Rede” prossegue o objectivo de desen- volver um trabalho dentro da linha que se convencionou chamar de jornalismo cívico ou comunitário, o que, aliado às facilidades de interactividade proporcionadas pela Internet, impõe que tudo se faça para estimular essa participação” (Brinca, 2005).

Uma participação que está na ordem do dia, com a “ânsia de todos quererem informar, mas, sobretudo, denunciar e opinar. E se é um sinal de democracia to- dos poderem fazer-se ouvir, já existem sérias dúvidas sobre o que ganhará a própria democracia com o ruído de todos a falarem. Ou, mais especificamente, com os contri- butos de quem não domina os assuntos e opina levianamente, com o mesmo destaque

e protagonismo dos jornalistas” (Brinca, 2007). Um princípio que levou a que no “Setúbal na Rede” nunca houvesse comentários dos leitores junto às notícias.

Por isso, concluía que “não é um computador com ligação à Internet que assegura os direitos de um cidadão livre num país democrático. O ensino, a educação e a formação são essenciais. Mas também as condições económicas e o contexto cultural. Não é a quantidade de informação de que dispomos, mas a sua qualidade. Não basta ter as estradas e os automóveis, é também preciso estar habilitado a conduzir e fazê-lo de forma responsável. Mas temos, sobretudo, que ter um destino” (idem). E ter um destino a dar à informação só se consegue a partir da educação para a cidadania.

E é essa a ideia principal que deve prevalecer quando falamos de participação. Que não são os meios, que não é a tecnologia, que não será, porventura, a comu- nicação social, ainda que de proximidade, que, sozinha, irá alterar a realidade desta sociedade. Por isso, no balanço de quatorze anos de actividade do “Setúbal na Rede”, repleta de iniciativas, de estímulos à participação, de dispositivos de interatividade, se levantam uma série de questões sobre factos que parecem estar a montante. Que informação procuram os cidadãos? Que tipo de contributos podem e querem dar? Como promover a participação quando existe um cada vez menor conceito de cida- dania?

Pelo que se ouve, pelo que se vê, os jornalistas estão a trabalhar contra si, com base num “jornalismo sentado” ou exclusivamente frente ao ecrã de computador, tornando-se meros porta-vozes das agências de comunicação. Entretanto, os leitores estão fartos de notícias negativas e a percepção da realidade estará hoje enviesada, pelo que é necessário fazer uma reflexão sobre os valores-notícia.

É preciso destrinçar entre o interesse da audiência e o interesse público. A mer- cantilização da informação levou a esquecer-se a componente de serviço público que deve prestar, embora esta deva, naturalmente, cativar o interesse dos leitores, não apenas pela rentabilização do negócio, mas porque só faz sentido existirem jornais se estes tiverem quem os leia. Não caberá à comunicação social educar os leitores, como por vezes se ouve, mas é preciso questionar se deve continuar a tentar aproximar-se destes ou se há forma de aproximar os leitores da comunicação social.

O jornalismo é serviço público e deve noticiar o que é relevante para a vida das pessoas. Tem um papel vital na mediação entre os diferentes interesses na sociedade. Mas hoje, em nome das audiências, e das preferências destas, aposta-se no que é “giro” e vende. Embora o paternalismo possa ser uma atitude censurável, estamos com o mesmo dilema que se coloca em relação aos hábitos alimentares. Por um lado, o mercado dita a abertura de espaços de fast-food, por ser isso que os consumido- res preferem. Por outro, temos uma sociedade que se debate hoje com problemas crescentes de saúde provocados por uma alimentação incorrecta. Onde deve ficar a liberdade do consumidor? Deve poder comer o que quiser ou deve ser impedido de

prejudicar a sua saúde porque isso vai afectar toda a sociedade, que terá que lhe pagar os cuidados médicos?

Referências

Brinca, Pedro (1999). S/ título, in Pensar Global, Agir Local, Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal.

Brinca, Pedro (2002). “Separar o trigo do joio”, in revista Meios de Julho, Associação Portuguesa de Imprensa.

Brinca, Pedro (2005). Prefácio de Nunes, Ricardo, “Quando o jornal se explica, As páginas do Provedor do Leitor do Setúbal na Rede”, http://www.bocc.ubi.pt. Brinca, Pedro (2006). “Setúbal na Rede, o caso de um projecto pioneiro”, in Co-

municação e Sociedade, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.

Brinca, Pedro (2007). “O papel da Internet na democratização do acesso dos cidadãos à informação”, in revista Império Bonança de outubro.

Brinca, Pedro (2011). “O contributo da comunicação social para o desenvolvimento local”, in Estudos Locais do Distrito de Setúbal, Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal.

Jornalismo regional: proximidade e distanciações. Linhas