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Pressupostos de uma ética da proximidade

Se é verdade que esta tarefa nos remete para um debate recorrente no jornalismo, não é menos verdade que a evocação do jornalismo de proximidade não pode ser continuamente feita como uma mera imagem de marketing, ao sabor dos interesses do momento. Para que isso deixe de se verificar, impõe-se reconhecer que o jorna- lismo de proximidade surge intimamente ligado a questões epistemológicas e éticas, que não é possível iludir, relacionadas, nomeadamente, com o estatuto da verdade e da objetividade no jornalismo, com a importância da proximidade como uma forma diferente de olhar o mundo, ou com a função social das notícias. Não obstante a prevalência dos valores do jornalismo profissional, este debate está presente nas múl- tiplas discussões em torno do papel social dos jornalistas, como, por exemplo, no

debate entre liberais e comunitários a propósito do jornalismo cívico29. Referindo-se

a este balanço entre o que poderíamos denominar aqui uma ética da intervenção e uma ética do distanciamento,Jay Rosen, debruçando-se especificamente sobre o jor- nalismo cívico, sustenta que, à partida, "os jornalistas sabem tudo o que precisam

de saber para serem úteis à comunidade de que fazem parte"30. Mas esta é, a nosso

ver, uma afirmação que visa resolver um problema, sem verdadeiramente o solucio-

27Op. cit., p. 162-163. 28Op. cit., p. 162.

29Cf. Nelson TRAQUINA e Mário MESQUITA, Jornalismo Cívico, Lisboa, Livros Horizonte, 2003. 30 Apud Nazareth ECHART, "Periodismo cívico o cómo escuchar a la audien-

cia", Documentos nº3, Associación de Prensa de Cataluña, Novembro/Dezembro, 1997,

nar, deixando a questão à mera deliberação ética dos jornalistas, correndo o risco de transformar a proximidade numa panaceia para todas as conveniências do momento.

Por seu lado, tentando compatibilizar estas posições, John Merril propõe para o jornalismo uma ética deontélica, que junta deveres universais e fins, convicções e responsabilidade, hedonismo e projeto social. Porém, ao fazê-lo, ele aponta mais para um ideal do que para uma solução, porque esta última terá sempre de ser dirimida nas

situações concretas de um jornalismo construído, dia-a-dia31.

As questões relacionadas com a ética da proximidade no jornalismo estão ainda numa fase embrionária e, certamente, terão um importante caminho a percorrer para se conseguirem impor como um pensamento e uma normatividade particulares face ao modelo dominante do “jornalismo distanciado”.

Porém, parece-nos ser possível recolher alguns contributos acerca de uma ética da proximidade em curso em outras áreas, como a gestão, a psicossociologia e a ética. Como nos demonstram Dominic Desroches e Olivier Abel, a partir da leitura de textos de Levinas, Kierkegaard e Ricoeur, a ética da proximidade não pode deixar de fazer uma economia da distância: nem demasiado perto, que não permita ver, nem dema-

siado distante, que não permita o reconhecimento das diferenças32. Não é, portanto,

fusão, nem sequer simetria, como sublinha Paulo Serra33; a ética da proximidade é

uma ética que deixa espaço ao desacordo e à pluralidade34; é, finalmente, uma ética

do outro: o outro enquanto expressão de uma alteridade a quem é preciso dar voz, mas também o outro como diferente, como estrangeiro, que reforça o próprio sentido do nós/eu no mundo; o outro também que nos/me interpela, com uma voz crítica.

Recorrendo ainda a estes contributos, a ética não poder ser entendida apenas como

"um problema dos outros"e, por isso, não pode ser delegada neles35. Neste sentido,

mais do que uma solução ela deve ser considerada como um problema36. É uma ética

da responsabilidade37que implica todos e cada um dos agentes nos diversos domínios

da acão social, sendo que ela deve constituir-se de maneira que consiga transformar os "valores declarados"em "valores operantes"que se "traduzam concretamente no quotidiano".

Nesta linha de pensamento, e tendo em conta os problemas que levantámos até

31John MERRIL, Journalism Ethics –Philosophical foundations four news media, Nova Iorque, St.

Martin’s Press, 1997.

32Dominic DESROCHES, "est-il possible de dire l’éthique de la proximité? Contribuition au dossier

Kierkegaard-Levinas, in PhaenEx4, n.º1, 112-145, 2009.

33 Paulo SERRA, "Proximidade e comunicação", in Biblioteca On-line de Ciências da Comunica-

ção,http://www.bocc.ubi.pt/pag/serra-paulo-proximidade-comunicacao.pdf(consultado a 30-04-2012).

34Olivier ABEL, "Le problème éthique de la proximité", inhttp://olivierabel.fr/ricoeur/

le-probleme-ethique-de-la-proximite.html(consultado a 30-04-2012).

35Maurice THÉVENET, "L’éthique de la proximité – Ou l’éthique pour tous", Révue Internationale de

Psychosociologie, n.º 34(XIV), 2008, p. 22.

36Op. cit., p. 24. 37Op. cit., p. 28.

aqui, uma ética do jornalismo de proximidade implica uma reflexão sobre as suas incidências em áreas como: o direito dos cidadãos à verdade e à qualidade da in- formação; as implicações da proximidade e do distanciamento no que se refere ao dever de garantir ao público uma informação objectiva e verídica; as possibilidades e limites do envolvimento dos cidadãos no jornal e dos jornalistas na vida pública; os cuidados particulares que se colocam quanto ao respeito da vida privada e da vida pública, num contexto de proximidade; as formas de garantir uma informação plural e diversificada num quadro de maior interconhecimento; a política de atuação relati- vamente às fontes de informação e de financiamento; a definição dos quadros gerais de referência que definam, à partida, as possibilidades e os limites de intervenção dos

mediaem causas públicas da sua região.

Conclusão:

A transversalidade e a importância do conceito de proximidade assume-se mais na dimensão de uma estratégia comunicativa do que propriamente na expressão e re- flexão ética, deontológica e normativa do jornalismo. Aqui, continuam a dominar os valores do distanciamento e do positivismo que marcaram os valores socioprofissi- onais do jornalismo moderno que se impôs nos sécs. XIX e XX. No entanto, pela sua transversalidade, uma ética de um jornalismo exercido em contextos comunitá- rios não deixa de colocar questões acutilantes como as do estatuto da informação nas sociedades contemporâneas, do papel do jornalismo e da questão epistemológica da objetividade jornalística. Com efeito se a proximidade não qualifica, à partida, a veracidade da informação, também não necessariamente o faz uma abordagem dis- tanciada dos acontecimentos noticiados.

Por isso, a proposta que aqui fizemos é mais um programa de ação do que uma solução. Não poderia ser de outro modo, num contexto em que a ética de um jor- nalismo de proximidade ainda está longe de fazer o seu caminho. Porém, para que essa situação se altere, sugerimos algumas questões orientadoras de uma reflexão que deveria iniciar-se nos próprios media de proximidade e consubstanciar-se em normas e práticas de ação, para que esta temática não continue a ficar pela sua dimensão es-

tritamente retórica ou servindo de caução a um jornalismo regional beato38, incapaz

de se repensar.

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