• Nenhum resultado encontrado

Desconcentração Político-Administrativa na Gestão da Saúde.

3 2 O Ajuste Neoliberal e a Saúde no Brasil.

4. A Universalidade do Direito à Saúde no Brasil.

4.5. Desconcentração Político-Administrativa na Gestão da Saúde.

No que diz respeito à nossa categoria de análise, universalidade, ou melhor, o direito à saúde, o sistema brasileiro apresenta-se segmentado e fragmentado do ponto de vista do acesso às ações assistenciais. A estratégia de expandir o acesso aos serviços assistenciais baseia-se na expansão do modelo de atenção básica para os municípios, em particular, os Programas Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde.

Se entendermos a saúde como um bem individual (essencial) do homem, ao mesmo tempo em que a considerarmos um bem coletivo, passaremos a compreendê-la como uma necessidade social que deve ser satisfeita. Além disso, se considerarmos sua efetivação, tanto por parte do indivíduo particular (externalidade positiva) quanto por parte do aparelho estatal (com a formalização jurídica do direito à saúde, tornando-se dever do Estado desenvolver medidas para efetivação desse direito), iremos situá-la no princípio de direito universal.

Nestes termos, concordamos com Dallari (1995:20), “O caráter atual do direito à

saúde resulta das aspirações individuais combinadas à convicção de que o Estado é responsável pela saúde, seja para atender àqueles desejos, seja para cumprir sua finalidade”.

É importante resgatar a noção de política social e as diretrizes criadas para consolidar e ampliar os direitos sociais básicos, elaboradas pela equipe de governo de FHC, no documento intitulado, “Uma Estratégia de Desenvolvimento Social”, no ano de 1996125.

“De inspiração nitidamente social-democrata – e em que pesem os modismos contemporâneos – a política social proposta pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso tem como objetivo caminhar tanto quanto possível, na direção dos ideais de uma sociedade de bem-estar”.

125

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/ESTRA1.HTM.> Acesso em 06/ jun.2003.

“... É preciso, por um lado, concentrar todo o esforço e toda a atenção nos serviços sociais básicos de vocação universal: educação, saúde, previdência social, habitação e saneamento básico, trabalho e assistência social. Os serviços prestados por estes setores, de oferta rotineira e continuada, constituem o núcleo de qualquer política social e compreendem mais de 90% do gasto público da área social”.

“O governo Fernando Henrique Cardoso está comprometido com a reestruturação e reforma profunda desses setores com o objetivo de eliminar os desperdícios e aumentar a eficiência desses setores, promover a descentralização, universalizar, sempre que necessário e legítimo, sua cobertura, melhorar a qualidade e, sobretudo, reestruturar benefícios e serviços para aumentar o seu impacto redistributivo. Por outro lado, é preciso articular o conjunto da política de governo e desenvolver políticas específicas para incentivar a geração de novos empregos, aumentar as oportunidades de trabalho e de geração de renda” .

“ Na área da saúde, a descentralização resultou em um aumento da participação municipal, no total de estabelecimentos públicos, permanecendo, no entanto, o Governo Federal como principal responsável pelo custeio dos serviços (2/3 do gasto público das três esferas de governo são sustentados pela receita da União. Além da participação do financiamento dessa área, o Governo Federal tem empreendido esforço, no sentido de reduzir as desigualdades no acesso e estimular ações de promoção e prevenção, que se traduziu em: a)incorporação à tabela de procedimentos pagos pelos SUS ações de vigilância sanitária e epidemiológica; b) expansão do programa de Saúde da Família; c) expansão do programa Agente Comunitário de Saúde; d) aumento de oferta de serviços financiados pelos SUS, nas regiões mais carentes; e) implantação do programa de redução de mortalidade na infância” .

Essa citação, apesar de longa, é fundamental para nosso estudo, pois contém elementos para ratificar nossas hipóteses, descritas na introdução desta tese. Em análise da gestão do SUS no governo FHC (1995-2002), constatamos uma forte tendência de desconcentração político-administrativa126. Esta tendência se apresenta pela ocorrência simultânea de mecanismos de centralização e descentralização. A descentralização apresenta-se na municipalização das ações e serviços de assistência à saúde. Já a centralização caracteriza-se no poder alocativo e decisório de recursos e gastos financeiros. O modelo gerencial condiciona a forma

126

Desconcentração consiste em algumas responsabilidades administrativas para níveis hierárquicos inferiores, dentro de uma instituição, sem a correspondência de autonomia e poder decisório, o que dificulta a responsabilização local, a integração intersetorial e a participação dos cidadãos.

de liberação de recursos, atrelando o aumento do PAB à implantação de programas idealizados e pré-definidos pelos técnicos do Ministério da Saúde.

A análise das mudanças no modelo de gestão do SUS, que ocorreram no período, através de normatizações regulatórias, ao nosso entender, traduz a forte influência dos organismos internacionais como o BM e o FMI, na definição de redução da capacidade de gastos na área social e nas novas diretrizes para a implementação de políticas sociais de caráter universal, como é o caso da saúde. O discurso oficial para estabelecer o acesso universal a políticas sociais públicas está condicionado à necessidade e à legitimidade. As mudanças no modelo de gestão podem, ainda, ser caracterizadas pela ênfase em programas de Atenção Básica para populações em vulnerabilidade social.

Costa (1996:19) pondera que “a cultura técnica do Banco Mundial promove

importante inflexão na lógica das políticas públicas na área social, ao explicitar a subordinação dos princípios de eqüidade aos da eficiência, efetividade e economia nos gastos públicos. É a partir desta lógica que está inserida a preocupação com a seletividade e focalização das políticas de proteção social”.

Nesta lógica, criou-se um sistema de saúde focalizado, com forte tendência à segmentação e à seletividade. Compreendemos que, ao contrário do constante no discurso oficial, a orientação na gestão FHC é que a política social tenha caráter compensatório, pois deve ser dirigida aos setores pobres e mais vulneráveis da população.

De acordo com Mendes (2001 a: 109),

“A evolução do recente sistema de serviços de saúde brasileiro mostrou que a universalização sonhada pelo movimento sanitário e desejada pela maioria dos constituintes transformou-se, na prática social, no pesadelo da segmentação. É que o Sistema Único de Saúde, que deveria ser um sistema universal e gratuito, vem-se transformando num sistema para os pobres, com todas as conseqüências perversas que essa segmentação implica. O pior, contudo, é que a segmentação, quando consolidada, é de difícil reversão”.

Em tempos de crise do capital e de transformações societárias, o modelo de gestão baseado em sua gênese num sistema mix público / privado eleva a lucratividade do subsistema privado contratado ou conveniado e do setor de saúde suplementar (plano de assistência médica – hospitalar individual privado). A tendência crescente de racionalização do gastos do subsistema público impulsiona a procura do setor privado pelos indivíduos, mesmo para aqueles que defendem que a saúde é um direito de todos e dever do Estado.

Compreendemos que a redução dos direitos sociais resulta de determinações tanto nacionais quanto internacionais à ordem social e econômica atual. As determinações internas podem ser traduzidas por fatores políticos (como alargamento ou cessação da democracia), econômicos (estabilidade) e sociais (organização política das classes trabalhadoras e subalternizadas), configurando as relações de forças presentes no Estado e na sociedade que, em alguns momentos, fazem avançar a luta pela consolidação e efetivação dos direitos sociais, em outros, retroceder. Já as externas englobam o risco que o país ocupa na escala econômica mundial, taxa de desemprego estrutural, relacionamento com os países devedores, crescimento interno, taxa de exportação, índices inflacionários, índice dos juros, capacidade de pagamento do montante das dívidas interna e externa, dentre outros.

Por fim, avaliamos que, no Brasil, a redução do direito à saúde possui características políticas e econômicas específicas, compreendida neste estudo como universalidade “seletiva”. O governo analisado considera que, criando e implementando programas de Atenção Básica, por exemplo, Bolsa Alimentação e Nutrição, Farmácia Básica, para alcançar os segmentos mais vulneráveis, estão “universalizando” o acesso dos

cidadãos ao SUS. Entretanto, defendemos a tese de que essa “universalização” tão

propalada é seletiva, focalizada nos gastos e segmenta a população pela sua disposição de pagamento, da capacidade de mobilização e da expectativa de adoecer.

Compartilhamos da opinião de Mendes (2001a: 112) é preciso

“Criar um ciclo virtuoso de universalização includente. Um SUS de qualidade e gratuito poderá conter a expansão do sistema privado de

planos e seguros de saúde no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, nas pequenas médias cidades do Sul e Sudeste e trazer de volta ao sistema público, num primeiro momento, contingente significativo de usuários de planos individuais, especialmente de classe média-baixa, que estão pressionando seus orçamentos familiares com gastos em serviços de saúde”.

No Brasil, a reversão da desconcentração, focalização dos gastos, seletividade e segmentação de acesso aos serviços de saúde passa pela real institucionalização do SUS, como um sistema público universal para todos os brasileiros. E isso significa, na prática, melhorar a sua qualidade, eficiência e resolutividade.

CONSIDERAÇÕES