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A Universalidade da Saúde no Governo de Fernando Henrique: ênfase na seletividade e segmentação nas ações básicas de saúde.

3 2 O Ajuste Neoliberal e a Saúde no Brasil.

4. A Universalidade do Direito à Saúde no Brasil.

4.3. A Universalidade da Saúde no Governo de Fernando Henrique: ênfase na seletividade e segmentação nas ações básicas de saúde.

O acesso universal na década de 1990 foi reafirmado em discursos oficiais da gestão FHC, porém, na execução, foi sendo paulatinamente substituído por ações seletivas voltadas para segmentos mais vulneráveis da população, excluindo outras camadas, com a justificativa de que aqueles sempre estiveram à margem dos serviços públicos de saúde.

No primeiro mandato de FHC, iniciado em 1995, focalização dos gastos, programas seletivos e segmentados passam a ser o carro chefe da política de saúde, exaltados em discursos oficiais, dentro e fora do País. No relatório de avaliação dos sete anos do Plano Real (BRASIL, 2001: 71), elaborado pelo governo, “o programa Saúde da

objetivo ampliar o acesso da população aos serviços básicos de saúde, por meios de Agentes Comunitários de Saúde e de Equipes de Saúde da Família”.

O programa tem como objetivo, segundo o mesmo relatório, “reorganizar a prática

assistencial, substituindo o modelo tradicional orientado para hospitais e para a cura de doenças” (p.72). Sua atenção está centrada na família de baixo poder aquisitivo

ou nenhuma renda, de regiões consideradas pelos gestores locais como vulneráveis e/ou sem equipamentos sociais disponíveis.

Segundo o Ministério da Saúde,

“Mais da metade dos estados não possui critérios para priorizar a implantação do PSF nos municípios. Provavelmente, isso se deve ao fato de não ter havido restrições da parte do Ministério da Saúde, para as metas de implantação informadas pelos estados na programação da concessão da parte variável do Piso de Atenção Básica – PAB, referente ao incentivo para o PSF. Alguns estados priorizam os municípios de acordo com o porte, a posição, a localização, a (des) organização da atenção básica em saúde ou a situação econômica. Dos estados que adotam o critério populacional, uns priorizam os municípios menores, na expectativa de fornecer uma cobertura alta no município - entre 80 e 100% -, e outros pelos maiores, buscando obter um maior número de equipes no estado” (Brasil, 1999:16).

De acordo com os dados do MS, o Programa de Saúde da Família113, desde 1994 vem sendo implantado por todas as regiões do país, atingindo todos os 27 estados. A NOB 01/96 foi um importante instrumento de consolidação do Programa, garantindo mecanismos de financiamento direto do Ministério da Saúde para os municípios, modificando a lógica de financiamento, baseada na adesão ao modelo

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O incentivo financeiro à implantação do PSF e PACS são assim delimitados: adicional percentual variável por grupo de população efetivamente coberta pelo Programa de Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) a ser transferido aos municípios, fundo a fundo, conforme normas do MS. O incentivo será calculado conforme os seguintes critérios: a) PSF: +3% s/ PAB, para cada 5% pop. coberta, até 60% da pop. municipal.; +5% s/PAB, para cada 5% pop. coberta, entre 60% e 90% da pop. municipal; +7% s/PAB, para cada 5% pop. coberta, acima de 90% da pop. municipal; b)PACS: +1% s/PAB, para cada 5% pop. coberta, até 60% da pop. municipal.; +2% s/PAB, para cada 5% pop. coberta, entre 60% e 90% da pop. municipal.; +3% s/PAB, para cada 5% pop. coberta, acima de 90% da pop. Municipal. Estes adicionais são limitados a 80% do valor do PAB para o PSF e 30% para o PACS. Os incentivos do PSF e do PACS não são acumulativos para uma mesma população (BRASIL, 2002 b: 18).

de atenção básica, considerando a cobertura populacional. A expansão da proposta objetivou ser uma estratégia para a mudança do modelo assistencial.

O número de Equipes de Saúde da Família114 - ESF, em 1995, totalizava com 724 equipes, em 150 municípios, atendendo 1,1 milhão de pessoas, menos de 1% da população. Até dezembro de 2001, o Programa implantou 13.168 equipes, atendendo 45,4 milhões de pessoas ou quase 27% da população, em 3.684 municípios, ou seja, 66% do total de municípios do País (Gráfico 2).

Gráfico 2 - M unicípios cobertos pelo PSF, Brasil 1995 - 2001 150 228 567 1.117 1.870 3.109 3.684 724 847 1.623 3.147 4.945 10.674 13.168 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 equipes municipios

Fonte: BRASIL. MS/SAS, 2002b.

A cobertura do Programa é maior na Região Nordeste (38%), onde se concentra maior número de população em vulnerabilidade social e menor na Sudeste (17%), com população de maior renda nacional per capita (BRASIL, 2002b).

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Segundo o MS, a atuação das ESF “é calcada na aproximação da assistência a seu usuário. É um programa de execução municipal, com critérios de organização definidos pelo Governo Federal. Cada equipe é composta por um médico, uma enfermeira, duas auxiliares de enfermagem e cinco agentes de saúde, sendo estes recrutados entre os membros da comunidade, o que facilita a prestação do serviço e o controle social. Cada equipe atende a até mil famílias, e seu enfoque preventivo abrangente proporciona cobertura a todos os membros da família” (Brasil, 2002 b).

Em relação aos Agentes Comunitários envolvidos no atendimento à saúde, como assinala o MS, seu contingente foi elevado de 29.098 em 1994 para 152.865 em 2001, uma quantidade quatro vezes maior. Eles atenderam 87,9 milhões de pessoas, no respectivo período, cobrindo 879 municípios, inicialmente, e chegando a 4.786 municípios, 86,1% do total nacional, em 2001 (Gráfico 3).

Gráfico 3 - Municípios cobertos pelo PACS, Brasil 1994-2001

1.088 1.470 3.203 3.541 4.052 4.611 4.786 152.865 111.659 146.730 88.961 54.934 44.532 34.546 29.098 879 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Nº Municípios Nº ACS

Fonte: BRASIL. MS/SAS, 2002b.

Segundo Serra (2002:44), “A ênfase na atenção básica sempre fez parte das boas

intenções a respeito das políticas de saúde no Brasil, mas somente no governo do presidente Fernando Henrique saltou da retórica do desejo para a prática”.

Para Serra, numa conjuntura de crise é necessário focalizar os gastos e equacionar o financiamento (devido ao alto custo do sistema). Porém, contraditoriamente, considera fundamental descentralizar a execução, mas centralizar no nível central a definição de programas; eliminar pontos de estrangulamento na oferta de serviços;

aumentar a fiscalização e o controle social. Em discurso115, ressalta que essas medidas são indispensáveis para o adequado funcionamento do sistema e para reduzir as iniqüidades em saúde, embora não suficientes. Argumenta que tais políticas envolvem dois grupos, quais sejam:

“O primeiro consiste em medidas gerais, abertas a toda a população, mas que têm um efeito claramente distributivo, ou seja, beneficiam mais do que proporcionalmente os mais pobres e compreende: (a) ênfase na atenção básica; (b) programas de saúde da família; (c) medicamentos; (d) prevenção de doenças; (e) mutirões de cirurgias eletivas e; (f) assistência à gestante. O segundo grupo consiste em medidas focalizadas voltadas diretamente para esses setores e envolve ações diretamente focalizadas em direção aos mais pobres, desdobrando-se, em quatro iniciativas: (a) saneamento básico; (b) alocação de profissionais de saúde para os municípios mais carentes; (c) saúde indígena e; (d) bolsa-alimentação” (Op. Cit. 44p)

Os números da saúde são comemorados pelo governo e creditados ao desempenho do Programa de Saúde da Criança e Aleitamento Materno, aliado ao PSF e PACS, contribuindo para a redução da mortalidade infantil 116, que decresceu de 47,8%, no início da década de 1990 para 35,3%, em 2000 (BRASIL, 2001d: 73).

Barros et alii (1996:15), afirmam que:

“Ainda que se observe uma tendência de melhoria para alguns indicadores de saúde no Brasil, a velocidade desta proporciona a persistência, ou mesmo a ampliação das desigualdades entre os países. Assim a Argentina apresentou em 1991 uma expectativa de vida ao nascer cinco anos maior que a do Brasil, o Uruguai sete anos, e o México, apesar de suas conhecidas desigualdades regionais, quatro anos a mais que o Brasil, cabendo ressaltar que os quatro

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Seminário sobre “Desigualdades nos Sistemas de Saúde”, organizado pelo Banco Mundial, Estados Unidos, 10 de Abril de 2001, publicada em SERRA, 2002.

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Taxa de Mortalidade Infantil - É definida como o número de óbitos de menores de um ano de idade (por mil nascidos vivos), em determinada área geográfica e período, e interpreta-se como estimativa de risco do nascido vivo morrer durante o seu primeiro ano de vida. Altas taxas de mortalidade infantil refletem, de maneira geral baixos níveis de saúde, de condições de vida e de desenvolvimento socioeconômico. As taxas de mortalidade infantil são geralmente classificadas em altas (50% ou mais), médias (20% -49%) e baixas (menos de 20%), em função da proximidade ou distância dos valores já alcançados pelas sociedades mais desenvolvidas ao longo do tempo. No entanto, mesmo quando as taxas de mortalidade infantil são baixas no conjunto, podem ser verificadas pronunciadas variações entre distintos segmentos da população. Fonte: IBGE. Censo 2000.

países têm níveis de renda per capita similares. No período de 1970 a 1991, as taxas de mortalidade infantil caíram na Argentina, no Uruguai e no México, tendo o mesmo acontecido no Brasil e na grande maioria dos outros países. Em todos os casos citados houve, no período, um aumento da razão entre as taxas de mortalidade infantil no Brasil com relação à dos outros três países”.

Mendes (2001a: 117) argumenta ainda dizendo que precisa ser garantida uma atenção primária à saúde resolutiva e, por conseqüência,

“Os novos recursos deveriam, prioritariamente, ser alocados no desenvolvimento quantitativo e qualitativo do Programa de Saúde da Família (PSF). O que significa estender o PSF para além dos limites dos municípios pequenos e das periferias das cidades de porte médio, de forma a atingir as grandes cidades, as áreas metropolitanas e regiões habitadas por segmentos de classe média mais aberta ao sistema público de serviços de saúde”.

4.4. A Universalidade da Saúde no Governo de Fernando Henrique: