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Estado de Bem-Estar Social e a Universalidade dos Direitos Sociais.

1. A Evolução dos Direitos do Homem.

1.11. Estado de Bem-Estar Social e a Universalidade dos Direitos Sociais.

Antes da Primeira Guerra Mundial, o estado de bem-estar social – entendido como um conjunto de direitos de proteção social ao trabalhador e seus familiares – estava sendo erguido em alguns países da Europa, sendo a Alemanha o país precursor. É inegável, historicamente, que a Primeira Guerra impulsionou a luta por direitos sociais, por dois motivos que valem a pena recordar: primeiro refere-se à relação entre o Estado e a sociedade durante os anos de guerras, que implicam destruição de equipamentos sociais e falta de investimentos em infra-estrutura econômica e social. Nestas situações, é comum o governo, para evitar as rebeliões e greves de operários, prometer novos direitos em caso de suposta vitória. Em segundo lugar, pela vitória bolchevique na Revolução Russa de outubro de 1917, e a guerra civil que se seguiu, regime que se identificava como socialista e que estatizou os meios de produção (SINGER, 2003).

Para compreendermos a concepção de Estado de Bem-Estar, que, de agora em diante, no nosso texto passaremos a denominar de welfare state, tomaremos como base os estudos de Esping-Andersen (1991; 1995). O desenvolvimento do welfare state em países capitalistas possui várias abordagens que correspondem aos conceitos fundamentados por matrizes teóricas, que vão desde a perspectiva estruturalista à social-democrata, passando pelo marxismo e chegando ao neoliberalismo contemporâneo 47.

Como afirma Esping-Andersen (1991:94),

“O argumento a favor da mobilização de classe deriva da economia política social-democrata. Distingue-se da análise estruturalista e da abordagem institucional por sua ênfase nas classes sociais como os

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principais agentes de mudança e por sua afirmação de que o equilíbrio do poder das classes determina a distribuição de renda. Enfatizar a mobilização ativa das classes não implica necessariamente negar a importância do poder estruturado ou hegemônico”.

Neste sentido, o modelo teórico social-democrata de welfare state define a necessidade da classe trabalhadora se mobilizar, sem, contudo, mudar a estrutura hegemônica vigente. Sobre o conceito de welfare state, na literatura, o autor afirma que a maioria das publicações o define como ações que envolvem a responsabilidade estatal e são desenvolvidas no intuito de garantir o bem-estar básico dos cidadãos. Essa concepção não nos dá elementos para desvendar se as políticas sociais são ou não emancipadoras; oferecem ou não ajuda ao mercado; se este corrobora com o sistema capitalista, ou, por exemplo, o que vem a significar necessidade básica do cidadão (ESPING-ANDERSEN, 1991).

Consideramos que o welfare state é um fenômeno que envolve diversas fontes teóricas, desde economia, política, cultura e social. Envolve noções de desenvolvimento urbano-industrial, estatal, correlações de força entre o Estado e a sociedade civil. Portanto, o mero desenvolvimento de um sistema de prestação de serviços estatais de seguridade social (previdência, assistência e saúde) não gera necessariamente um welfare state. No dizer de Marx (1977:214), “O direito não pode

ser nunca superior à estrutura econômica nem ao desenvolvimento cultural da sociedade por ela condicionada”.

Segundo Esping - Andersen (1991:86-87), enquanto o capital “se mantivesse com

um mundo de pequenos proprietários, a propriedade em si pouco teria a temer da democracia. Mas, com a industrialização, surgiram as massas proletárias, para quem a democracia era um meio de reduzir os privilégios da propriedade”. Os

liberais tinham razão em recear a democracia, cujo motivo principal era o voto universal, “pois era provável que este politizasse a luta pela distribuição, pervertesse

o mercado e alimentasse ineficiências. Muitos liberais concluíram que a democracia usurparia ou destruiria o mercado”.

Já nas discussões sobre o welfare state por economistas liberais, como Hayek (1997) e Friedman (1988), estes afirmam que o Estado intervencionista, a igualdade

(leia-se, universalidade na garantia de direitos) e a democracia são os piores inimigos do mercado livre.

A universalidade dos direitos proveniente da luta da classe trabalhadora por melhores salários e condições de trabalho e vida, aliada à expansão dos direitos civis e políticos traduzidos em mais democracia, torna a garantia do bem-estar social o maior empecilho da expansão do capitalismo. Para os autores liberais acima mencionados, as garantias sociais conquistadas pela classe dominada vêm comprometendo a expansão do mercado de capitais, portanto, a redução nos níveis de acumulação e lucro. Estes consideram ainda que a igualdade na garantia de direitos, tão festejada pela classe trabalhadora, rompe com o status na posição social, aumenta os conflitos sociais e reduz limites “naturalmente” impostos entre as duas classes sociais fundamentais.

A crise do capital repercute no papel do Estado, nos welfares states dos países centrais e nos movimentos sindicais, portanto incidindo na luta de classes. Numa conjuntura de crise são criados diversos mecanismos de reestruturação48 e hegemonia pelo capital, mas também, contraditoriamente, reforçam as bases de enfrentamento e a criação de novas estratégias de luta pela classe trabalhadora.

Segundo Mota (1995:50), essa crise49 nos discursos oficiais “é problematizada a

partir de fatores externos, como é o caso da crise do petróleo de 1973, das lutas sociais pela libertação dos povos do Terceiro Mundo, do movimento dos sindicatos, etc”. Entretanto, a autora afirma que a chamada crise dos anos 80 se caracteriza

como crise do capital, “cuja principal determinação é econômica, expressa num

movimento convergente em que a crise de superprodução é administrada mediante a expansão do crédito para financiar tanto os déficits dos países hegemônicos como a integração funcional dos países periféricos ao processo de internacionalização do capital” (1995:55).

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Na literatura atual das ciências sociais, políticas e econômicas temos vários autores que discutem o tema. Sugerimos, entre outros, HARVEY, David. Condição Pós-Moderna - Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1998.

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A autora faz um excelente estudo sobre a cultura da crise e a seguridade social. Ver em MOTA, Ana Elizabete. Cultura da crise e Seguridade Social: um estudo sobre as tendências da Previdência e da Assistência Social brasileira nos anos 80 e 90. São Paulo: Cortez, 1995.

Como estratégia da crise, no final dos anos 80, o capital se reinventa criando um programa de ajuste macroeconômico denominado de neoliberalismo por liberais contemporâneos. Apresentado como a única forma de explicação do mundo capaz de dar conta da nova fase da sociedade - a globalização e a mundialização da economia capitalista, verifica-se também presente no campo das idéias políticas e culturais, sendo que repercute mais perversamente na esfera social, por desconsiderar direitos sociais já conquistados.

No próximo item deste estudo, iremos abordar o processo de crise cíclica do capital e do Estado de Bem-Estar Social. Entendendo que as crises afetam a efetivação dos direitos sociais e, por conseguinte, sua universalidade. O estudo da universalidade do direito no campo da saúde – compreendida como fenômeno histórico - é mediado por correlações de forças que sugerem avanços e retrocessos. Abordaremos ainda o processo de construção do neoliberalismo na América Latina e no Brasil e quais as conseqüências para as políticas sociais públicas de caráter universal.

Capítulo II.