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Neoliberalismo e as Políticas Sociais na América Latina.

2. Os Direitos Sociais em Tempos de Neoliberalismo.

2.4 Neoliberalismo e as Políticas Sociais na América Latina.

Torna-se necessário esclarecer que políticas sociais e welfare state se diferenciam não só conceitualmente, mas, principalmente, por este último configurar-se como um sistema de proteção social61 que expressa, historicamente, as lutas e as conquistas das classes trabalhadoras e subalternas e o desenvolvimento particular do capital em dada sociedade, com suas crises e respostas a essas crises.

Compreendemos, ainda, que as políticas sociais expressam, contraditoriamente, mecanismos de controle, criados através do Estado, para a classe trabalhadora. Seja, através de formas de inclusão no sistema, na distribuição de renda, na regulação sindical e trabalhista, ou mesmo, expressos nos modelos de gestão dessas políticas que trazem traços de cultura política, denominada patrimonialista e paternalista.

De acordo com Pastorini (1997), a política social é parte do processo dialético de demanda/ negociação/ outorgamento. As políticas sociais são constitutivas da totalidade social, que envolvem pelo menos três sujeitos principais: as classes hegemônicas, o Estado como intermediador e hegemoneizador e as classes trabalhadoras e subalternas beneficiárias das políticas sociais.

61

Cf: FLEURY, Sônia. Estado sem Cidadãos. Seguridade Social na América Latina. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1994.

Neste estudo, as políticas sociais decorrem das relações conflitivas existentes entre os sujeitos envolvidos. Ao serem analisadas numa perspectiva histórica, cumprem, dentro de determinado contexto, funções ideológicas, sociais, culturais e econômicas, o que requer entendê-las como mecanismo de legitimação da ordem econômica, através da reprodução da força de trabalho para assegurar o desenvolvimento do capitalismo. O que, também, significa compreendê-las como instrumento de controle da força de trabalho excedente.

Os Estados na América Latina, principalmente, Chile, Brasil e Argentina, que passaram por períodos autoritários, possuem em comum um modelo econômico de aceleração industrial e tecnológica associado à política de ajuste proposta, ou seja, crescimento com centralidade, autoritarismo, corporativismo, bem como coerção e burocracia fortemente presentes nas funções estatais (SOARES, 2003).

A crise fiscal do Estado, nos anos noventa, antes de tudo, deve ser analisada a partir dos fatos da conjuntura internacional e nacional. Nos países da América Latina o debate sobre o Estado vem marcado pelo fenômeno da globalização, crise do welfare state, critérios distributivistas, crise fiscal, ajustes estruturais, justiça social e o aprofundamento das desigualdades sociais, acompanhando as tendências que vêm ocorrendo no plano macroeconômico nos países centrais62. Neste sentido, concordamos com Moraes (2001:61), quando, em sua análise sobre o lugar das políticas em tempos de neoliberalismo, chega a afirmar que:

“No hemisfério Norte, os grandes inimigos a destruir são o Estado de

bem-estar e as instituições políticas que permitem o gerenciamento estatal da economia. No terreno das idéias, eles se identificam com as doutrinas econômicas keynesianas. No hemisfério Sul, os vícios decorrem das políticas sociais e regulamentações trabalhistas, por um lado, e do Estado protecionista e industrializante, por outro. Essas instituições sociais, econômicas e políticas tornariam a economia rígida demais, engessada, estagnada”.

Ainda, segundo o autor, no hemisfério Sul, elas evitam o bom funcionamento das forças criativas do mercado. Desta forma, para o autor, na América do Sul, “as

62

Cf: LAURELL, Asa Cristina (Org). Estado e políticas sociais no neoliberalismo. São Paulo: Cortez/CEDEC. 2002.

doutrinas perniciosas estão encarnadas pelas teorias desenvolvimentistas, pelo nacionalismo populista, pelo socialismo terceiro-mundista” (Op. Cit. p, 61).

Segundo Fernandes (1995: 55-56), a política de ajuste neoliberal para a América Latina é caracterizada por propostas de desestatização, desregulamentação e desuniversalização.

“Desestatização: Privatização dos setores estatizados no pós-guerra: marca uma ruptura com uma política industrial anterior baseada nas empresas estatais com os instrumentos de desenvolvimento econômico”.

“Desregulamentação: Crescente tendência à desregulamentação das atividades econômicas e sociais e da intervenção estatal: justificada na suposta superioridade do mercado em relação ao burocratismo do Estado”.

“Desuniversalização: Reversão dos padrões universais dos sistemas de proteção social. Estes são reduzidos em função da pressão da crise fiscal dos Estados” .

Os aspectos comuns nas conseqüências para os países latino-americanos são sintetizados por Soares (2000:31-33):

“(1) O período de implantação: diferenças nas conjunturas internacionais e dentro dos próprios países nos anos 80 e 90; (2) O tipo e intensidade das políticas de ajuste (seu caráter mais ou menos ortodoxo, radicalidade ou gradualidade das medidas, etc.); (3) A estruturação da economia (mais ou menos industrializada); (4) A estruturação do Estado (federativo, democrático, autoritário); (5) A estruturação anterior das políticas públicas (âmbito nacional; grau de universalidade no acesso) e; (6) As diferenças relativas às condições sociais encontradas (características, intensidade e extensão das situações de desigualdade e pobreza)”.

O prognóstico desenhado pelos neoliberais para os países da América Latina, de acordo com Moraes (2001:62), é que “as políticas sociais em expansão geram

também, inevitavelmente, uma burocracia estatal poderosa e irresponsável. Esta vira uma casta, que adquire força e interesses próprios, operando com o dinheiro dos outros, confiscado aos empresários, esses cidadãos operosos e criativos massacrados pelo Estado”.

Este prognóstico vem seguido de uma receita. Os neoliberais apontam que no campo político a influência das massas pobres, incapazes e malsucedidas mediante o direito de votar, organizar e atuar politicamente se torna perigosa e passa a incomodar os bem-sucedidos e capazes. Para tal, receitam que é necessário reduzir esse universo político, ou mesmo, o campo de atividades políticas sobre as quais as massas podem influir, desregulamentando, enxugando e privatizando o Estado. Reduzir o número de servidores públicos, que estejam sob pressão das massas; aqueles fundamentais para a política pública, como, por exemplo, a justiça e o setor financeiro, devem ser protegidos e devem seguir a voz dos mercados (MORAES, 2001).

Nos anos noventa, a contra-ofensiva da sociedade civil organizada na América Latina à política de ajuste macroeconômico neoliberal está relacionada a cada realidade histórica, à capacidade de luta e da correlação de força existente em cada sociedade. No Brasil, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, os embates foram muitos, a partir da construção de uma prática política ofensiva. Ou seja, sindicatos, movimentos rurais e urbanos, organizações não-governamentais se posicionaram contrários às privatizações, à fundação das organizações sociais (OS) e à reforma da previdência, mobilizando-se, indo às ruas, organizando a greve dos servidores públicos federais, realizando atos públicos com denúncias de fraudes, corrupção e descaso com as políticas públicas de saúde e educação, entres outros.

No debate sobre o papel do Estado temos um deslocamento deste que passa de interventor no mercado para instituição regulatória das atividades econômicas, ou seja, sua dimensão é reduzida, passando a atuar na relação público versus privado, centralização versus descentralização, focalização versus universalização, entre outros. Todas essas dimensões envolvem o novo papel do Estado e sua relação com o padrão de acumulação, desenvolvimento econômico e com a sociedade, principalmente, no que diz respeito às políticas públicas. O Estado assume assim um papel de “agente da modernidade”.

Na concepção de Soares (2000:32), a estrutura e consolidação das políticas públicas sociais (âmbito nacional; grau de universalidade do acesso; padrão de financiamento; cobertura, etc), dão-nos elementos para uma análise critica da

realidade latino-americana. A autora cita três padrões de desmonte63 das políticas públicas sociais, a saber:

“(1) destruição e ruptura total com o padrão anterior (caso chileno); (2) desmonte de políticas sociais pouco estruturadas e frágeis (casos como o Peru e a Bolívia, onde o Estado como agente executor de políticas sociais desapareceu do mapa: hoje os pobres nesses países estão entregues a programas financiados por recursos internacionais e nas mãos das ONGs); e (3) o desmonte simultâneo de políticas sociais frágeis (como alguns programas de assistência social) e de políticas mais estruturadas, algumas inclusive a caminho de mudanças em direção à maior universalização e justiça social (como, por exemplo, a Seguridade Social no Brasil – especialmente o seu Sistema Único de Saúde (SUS), o único com acesso universal na América latina)” .64

No Brasil, de acordo com Netto (2000:81),

“O alvo central do ataque do projeto político conduzido pelo governo FHC foi, como é facilmente depreensível, o conjunto dos direitos sociais. São estes direitos os que, diretamente, oneram o capital; indiretamente como demonstrou o teórico ‘clássico’ da cidadania moderna (o, aliás, liberal Marshall), eles podem até mesmo travar princípios elementares da sociedade de classes. Ora apresentados como ‘privilégios’, ora grosseiramente mistificados como ‘injustiças’, e, sobretudo postos como ‘financeiramente insustentáveis’, os direitos sociais foram objeto de mutilação, redução e supressão em todas as latitudes onde o grande capital impôs o ideário neoliberal; o Brasil de FHC, quanto a isto, apenas reiterou a receita: governabilidade do país, conforme a equipe dependia fundamentalmente da flexibilização desses direitos”.

2.5. A Universalidade dos Direitos Sociais no Brasil em Tempos de