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LISTA DE SIGLAS

2. FUNDAMENTOS DA EPISTEMOLOGIA GENÉTICA PIAGETIANA E SUA CONTRIBUIÇÃO AOS ESTUDOS SOBRE O CONHECIMENTO SOCIAL

2.1 DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Analisar os processos que envolvem o desenvolvimento e a aprendizagem é importante para entender a questão da compreensão de uma noção, no caso deste estudo, a noção de lucro das instituições financeiras com o uso do cartão de crédito.

Segundo Piaget (1964), o desenvolvimento é um processo espontâneo, completamente relacionado à embriogênese em seu sentido mais amplo, ou seja, depende do desenvolvimento do sistema nervoso e das funções inatas, além do desenvolvimento do corpo, evidentemente. Segundo o autor, “no caso do desenvolvimento do conhecimento das crianças, a embriogênese acaba somente na idade adulta” (Ibid., p.1). O desenvolvimento geral é um processo relacionado à totalidade das estruturas de conhecimento, em seu contexto biológico e psicológico.

Enquanto que a aprendizagem é um processo provocado, seja pelas situações, por um experimento psicológico, por um professor ou por uma situação externa. Assim, o processo de aprendizagem, sendo resultado de uma situação provocadora, se opõe ao desenvolvimento, este, espontâneo.

Em seu artigo, Piaget (1946) faz uma crítica aos autores que baseiam a aprendizagem no esquema estímulo-resposta. Não que considere essa abordagem inteiramente falsa, mas constata que o estímulo-resposta não é capaz de explicar a aprendizagem cognitiva. Contrariando os que entendem que primeiro há um estímulo e que este irá promover uma resposta, e esta resposta só ocorrerá para o estímulo se este for significativo ao sujeito e, para tanto, é necessário que, nas palavras do próprio autor:

[...] haja uma estrutura que permita sua assimilação, uma estrutura que pode integrar esse estímulo, mas que ao mesmo tempo provoque a resposta. Em outras palavras, eu proporia que o esquema estímulo-resposta fosse escrito na forma circular – na

forma de um esquema ou de uma estrutura que não é simplesmente a de um caminho. [...] o estímulo é realmente um estímulo, somente quando é assimilado em uma estrutura, e é essa estrutura que provoca a resposta. Consequentemente, não é exagero dizer, que a resposta está lá primeiro. Ou, se quiserem, no principio há a estrutura. [...] Desde que haja uma estrutura, o estímulo provocará uma resposta, mas somente por intermédio dessa estrutura.

(PIAGET, 1964, p. 9).

O reforço externo pode ser suficiente para promover o aprendizado de algumas características físicas, por meio da observação de fatos, mas não é suficiente para o caso das estruturas lógicas. As estruturas lógicas não são resultado da experiência física, podendo ser alcançadas somente por intermédio do processo autorregulador, do equilíbrio interno. Para que ocorra aprendizagem, no caso dessas estruturas, é preciso que a estrutura a ser ensinada ao sujeito possa ser suportada por estruturas lógico-matemáticas mais elementares. É necessário que haja o desenvolvimento de estruturas e uma relação natural em que a estrutura mais complexa tenha como base, estruturas mais simples. A aprendizagem não é simplesmente resultado de um reforço externo e sim das próprias ações (reflexivas) do sujeito sobre o objeto de aprendizagem.

Piaget (1964) propõe que a aprendizagem de estruturas está subordinada às mesmas leis do desenvolvimento natural dessas estruturas, assim, o desenvolvimento deve anteceder a aprendizagem e não o contrário, conforme afirmação do pesquisador:

Na realidade, desenvolvimento é um processo essencial e cada elemento do aprendizado ocorre como uma função do desenvolvimento total, antes de ser um elemento que explica o desenvolvimento. (PIAGET, 1964, p. 10).

Para defender sua posição Piaget apresenta três questões aos que afirmam ter obtido êxito ao ensinar estruturas operatórias. A respeito da durabilidade do aprendizado por reforço externo, a teoria piagetiana afirma que, se a estrutura é desenvolvida espontaneamente, alcançado o estado de equilíbrio, o aprendizado será duradouro (PIAGET, 1973/1970). A primeira questão seria se o aprendizado por reforço externo seria duradouro ou não e sob que condições isso seria possível.

A segunda questão envolve a generalização. Segundo o autor, “o que torna o aprendizado interessante é a possibilidade de transferir, de generalização” (PIAGET,

1964, p. 12). Portanto, deve-se questionar se o aprendizado conseguido seria um aspecto isolado na mente infantil, ou se é realmente uma estrutura dinâmica capaz de levar à generalização.

A terceira questão levantada em relação à aprendizagem, a partir do reforço externo, refere-se ao estádio operatório do sujeito que aprende. Ainda segundo o autor, deve-se verificar o nível de operações espontâneas do indivíduo no início da experiência e o nível operatório construído depois desta, a fim de verificar se houve ou não avanço no desenvolvimento.

Piaget (1964) conclui que, no esquema estímulo-resposta, a aprendizagem pode ser entendida como uma associação. A abordagem piagetiana contrapõe a teoria do estímulo-resposta, entendendo que a relação fundamental para o desenvolvimento das estruturas não pode ser uma relação de associação, mas sim de assimilação. Definindo assimilação como a integração de qualquer espécie de realidade dentro de uma estrutura, a teoria piagetiana apresenta o sujeito como ser ativo no seu processo de aprendizagem:

Uma operação é uma atividade. A aprendizagem só é possível quando há assimilação ativa. É essa atividade de parte do sujeito que me parece ser mal apresentada no esquema estímulo-resposta.

O que eu proponho põe ênfase na idéia de auto-regulação, na assimilação. Toda a ênfase é colocada na atividade do próprio sujeito, e eu penso que sem essa atividade não há didática ou pedagogia que significativamente transforme o sujeito. (Ibid., p.2).

A operação é essencial para explicar o desenvolvimento do conhecimento.

Como anteriormente descrito, para conhecer um objeto ou um acontecimento é preciso que o sujeito aja, opere sobre ele. O conhecimento não resulta da simples cópia da realidade, para conhecer é necessário transformar, modificar o objeto. A (re)construção do objeto proporciona o entendimento de como esse objeto é construído. O sujeito constrói a si enquanto (re)constrói o objeto e esse aprendizado deve promover a transformação do sujeito. Não há aprendizagem sem ação (PIAGET, 1994/1932). Uma operação está sempre relacionada a outras operações, nunca é isolada, sendo parte de uma estrutura total, por exemplo: uma classe lógica não existe, mas sim, uma estrutura total de classificação.

Então, se a aprendizagem depende do desenvolvimento das estruturas do conhecimento, o desenvolvimento dessas estruturas, por sua vez, está relacionado a quatro fatores fundamentais, descritos a seguir.