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LISTA DE SIGLAS

2. FUNDAMENTOS DA EPISTEMOLOGIA GENÉTICA PIAGETIANA E SUA CONTRIBUIÇÃO AOS ESTUDOS SOBRE O CONHECIMENTO SOCIAL

2.2 FATORES DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

O desenvolvimento das estruturas de conhecimento depende de quatro fatores fundamentais e interdependentes: a maturação biológica, a experiência, a interação e transmissão social e a equilibração (INHELDER; PIAGET, 1976/1955).

Entender como esses fatores se inter-relacionam é imperativo para compreender porque adultos jovens que, em tese, se encontram no estádio formal do desenvolvimento cognitivo, poderão apresentar conhecimento elementar a respeito dos processos que envolvem o financiamento por meio do cartão de crédito. Deste modo, segue breve explanação a respeito destes fatores fundamentais ao desenvolvimento cognitivo.

A maturação biológica é necessária para o desenvolvimento das estruturas, pois este está relacionado ao amadurecimento do organismo, principalmente ao amadurecimento do sistema nervoso e dos sistemas endócrinos. O amadurecimento biológico proporciona a abertura de novas possibilidades, sendo condição necessária para o aparecimento de certas condutas. No entanto, para que essas possibilidades se efetuem e se ampliem são necessários o exercício funcional e a experiência. A maturação tem papel fundamental durante todo o desenvolvimento mental, mas se quanto mais as aquisições se afastam das origens sensório-motoras tanto mais variável é a sua cronologia, não na ordem de sucessão, porém nas datas de aparecimento, e ainda, maiores tornam-se as influências do meio físico e social e menos influência se dá ao amadurecimento no desenvolvimento cognitivo (Ibid., p.

137-138). Este é um fator de caráter individual, mas que não pode ser considerado o único responsável pelo desenvolvimento mental uma vez que este depende da relação entre os demais fatores.

A experiência com os objetos é essencial para a construção da inteligência e dela derivam dois tipos de conhecimento, o físico e o lógico-matemático. A experiência física advém da ação que o sujeito exerce sobre os objetos e do (re)conhecimento de suas propriedades físicas a partir da abstração física ou

empírica. O sujeito “extrai” dos objetos as suas propriedades, tais como, espessura, tamanho, temperatura, dentre outras. (PIAGET, 1995; STOLTZ, 2006). A experiência lógico-matemática requer do sujeito uma abstração reflexionante, apoiada nas atividades cognitivas do sujeito. É o resultado de uma informação ou conhecimento que o sujeito obtém a partir da coordenação de suas ações sobre o objeto. Com este conhecimento, o sujeito passa a fazer relações entre suas informações, percebendo, por exemplo, as diferenças de temperatura, espessura, tamanho, e passa a ser capaz de utilizar o conhecimento construído nas mais variadas finalidades. Para tanto, a abstração reflexionante envolve dois processos: o reflexionamento e a reflexão. O reflexionamento significa transpor “a um plano superior o que colhe num patamar precedente” (PIAGET, 1995, p. 6), conceituando a ação realizada. A reflexão implica uma reorganização, ou seja, o sujeito reconstrói “sobre o novo plano B o que foi colhido no plano de partida A” (Id.), é um reflexionamento de segundo grau.

A interação e a transmissão social possibilitam que, a partir das relações interpessoais, o sujeito conheça diferentes formas de ser e pensar, promovendo o avanço de seu desenvolvimento. As trocas interindividuais variam de uma sociedade a outra por conta das diversidades culturais, variando também os processos cognitivos, ocasionando atrasos ou avanços de ordem cronológica, no desenvolvimento cognitivo dos sujeitos conforme o modelo social a que pertençam (PIAGET, 1983).

Todos os fatores têm função fundamental e nenhum deles pode ser isoladamente responsável pelo desenvolvimento cognitivo. A maturação, por exemplo, por si só não promoveria o desenvolvimento, sendo que:

[...] com efeito, se só interviesse uma ação contínua da maturação interna do organismo e do sistema nervoso, os estágios não seriam somente seqüenciais, mas igualmente ligados a datas cronológicas relativamente constantes, como são a coordenação da visão e da preensão por volta de 4-5 meses, o aparecimento da puberdade, etc.

(PIAGET, 1983, p. 281).

A equilibração é responsável pela integração dos demais fatores, sendo o desenvolvimento cognitivo somente possível a partir desta integração. A equilibração é um sistema autorregulador das ações de coordenações particulares, que dependem tanto das circunstâncias quanto das potencialidades do sujeito (Id.). É um

processo de busca de um novo equilíbrio ou adaptação a partir de uma situação de desequilíbrio cognitivo, frente a uma situação na qual o sujeito não saiba como agir.

A equilibração determinará a maneira como o sujeito entenderá e se relacionará com o mundo.

A compreensão de uma noção como a de lucro exige a integração de todos os fatores do desenvolvimento. A interdependência destes fatores pode ser observada nos resultados de pesquisas sobre a construção de noções econômicas, descritas no capítulo 4 deste trabalho. Pesquisas a partir de diferentes abordagens demonstram que esta compreensão normalmente começa a se definir por volta da adolescência (STACEY, 1987, LEISER et al., 1990, SONUGA-BARKE; WEBLEY, 1993, WEBLEY; PLASIER, 1998, FURNHAM, 2001, FENKO, 2000, OTTO;

WEBLEY, 2001, WEBLEY, 2005, AMAR, et al., 2001; 2006, DENEGRI, et al.,1998, dentre outras).7

Se apenas o amadurecimento biológico/cognitivo resultasse em aprendizagem, os adultos não apresentariam dificuldades em compreender os processos econômicos. Uma vez que, para que realmente ocorra a compreensão das noções econômicas, bem como de outras, são necessários o amadurecimento, a experiência, a transmissão social, que em nenhum momento foi descartada pela teoria piagetiana, e a integração destes fatores pelo processo de equilibração. Por outro lado, se apenas a experiência fosse suficiente para o desenvolvimento da compreensão, as crianças a adquiririam desde muito cedo, pois o contato com o mundo econômico é muito precoce, as crianças comumente acompanham seus pais ou demais adultos em compras e pagamentos, às agências bancárias, supermercados, ou demais atividades que envolvem questões financeiras. No entanto, sem o desenvolvimento das estruturas necessárias a este entendimento, não há compreensão.

O subcapítulos a seguir descreve, sucintamente, os estádios de desenvolvimento cognitivo, organizados por Piaget, segundo a construção das estruturas de conhecimento.

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7 A ampliação dos dados das pesquisas aqui referidas é apresentada no capítulo 4 deste trabalho, mais precisamente no subcapítulo 4.1.