• Nenhum resultado encontrado

3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SÓCIO REGIONAL À LUZ DA

3.2 O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE

O desenvolvimento encontra-se no cerne da visão de mundo prevalecente em nossa época, e é sob sua base que se funda o processo de invenção cultural que permite observar o homem como um agente transformador do mundo que o cerca126, sendo primordial, portanto, a sua importância para o trabalho.

Assim, antes de tratar especificamente acerca do tratamento constitucional e legal conferido aos princípios do desenvolvimento sustentável e sócio regional em nosso ordenamento jurídico, é fundamental caracterizar a noção desenvolvimentista que embasou a pesquisa, para compreender como as energias renováveis poderão atuar para promover a efetivação da vontade constitucional na elaboração das políticas energéticas do país.

De tal modo, o presente trabalho adotou como paradigma teórico a noção do “Desenvolvimento como Liberdade” proposto na obra de Amartya Sen127

, pelo fato de tratar- se da concepção mais moderna da atualidade que permeia os debates mundiais acerca do desenvolvimento.

Todavia, é sempre importante ressaltar a grande dificuldade existente em tentar criar um modelo único de desenvolvimento econômico e social capaz de abarcar todas as realidades vivenciadas mundialmente, considerando que cada país possui características próprias, e adota as políticas de desenvolvimentos pensadas e aplicadas mundialmente de formas distintas, especialmente porque uma mesma política poderá resultar em resultados práticos distintos quando aplicadas em locais com realidades diferenciadas em face da influência dos outros aspectos que são também relevantes.

126

FURTADO, Celso. Introdução ao Desenvolvimento – enfoque histórico-estrutural. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 10.

É também por isso que aumenta a importância das ideias defendidas por Amartya Sen, que tentam adequar-se às distintas realidades econômicas e sociais dos países, na criação dos seus modelos próprios de desenvolvimento.

A conjuntura que norteia a noção do desenvolvimento como liberdade com o advento do século XX é a fixação do regime democrático e participativo como o modelo preeminente de organização política; o fato de atualmente ter sido ampliada a expectativa de vida das pessoas em relação aos tempos passados; e o fenômeno da globalização, que fez com que as diferentes regiões do globo passassem a estar cada vez mais aproximadas, não somente em termos de troca, comércio e comunicações, mas também no que diz respeito às ideias e ideais interativos128.

Além disso, destaca-se que os problemas novos ainda se encontram convivendo com os antigos, visto que vivemos em mundo notadamente opressor que tolhe as liberdades individuais de cada um: persiste a pobreza e existem necessidades essenciais não satisfeitas; ocorre a disseminação das fomes coletivas e crônicas; observa-se a violação das liberdades políticas elementares e das liberdades formais básicas; acontece uma ampla negligência em face dos interesses e da condição de agentes das mulheres; bem como se verificam ameaças cada vez mais significativas ao meio ambiente e à sustentabilidade da vida econômica e social. Privações essas que atingem indiscriminadamente tanto os países ricos quanto os pobres, devendo o desenvolvimento ser, por via de regra, o responsável pela diminuição das privações sofridas129.

De forma que é necessário “considerar a liberdade individual como um comprometimento social” para combater os problemas enfrentados em nossa sociedade contemporânea. Quando a expansão da liberdade é observada como o principal fim e meio do desenvolvimento, a partir da eliminação dos aspectos que limitem as escolhas e as oportunidades das pessoas130.

Observa-se que a partir do Desenvolvimento como Liberdade, de Amartya Sen, ocorre verdadeira quebra de valores na noção desenvolvimentista historicamente adotada em nível mundial, quando se deixa de conferir relevância tão somente à questão econômica, passando a se atribuir valor essencial às questões sociais e humanísticas, bem como de qualidade de vida, que passam a encontrar-se imbuídas no conceito de desenvolvimento.

128

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, 2000. p. 9.

129 Ibidem, p. 9. 130 Ibidem, p. 10.

Para Amartya Sen a liberdade seria central para o processo de desenvolvimento por duas razões: (i) a razão avaliatória, quando a avaliação do progresso deve ser feita verificando-se primordialmente se houve aumento na liberdade das pessoas; (ii) a razão da eficácia, quando a realização do desenvolvimento depende inteiramente da condição livre de agente das pessoas131.

De acordo com a razão avaliatória, o desenvolvimento passa a ser observado “como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”. E o enfoque das liberdades humanas começa a contrastar com as visões mais restritas de desenvolvimento, como aquelas que identificam o desenvolvimento como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), aumento das rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. Destaca-se que o crescimento do PIB ou das rendas individuais podem ser muito importantes ao atuar como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependem de outros fatores determinantes, tais como as disposições sociais e econômicas (como, por exemplo, os serviços de educação e saúde), e os direitos civis (como a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas, por exemplo)132.

Por isso, a visão da liberdade envolve tanto os processos que permitem a liberdade de ações e decisões, quanto as oportunidades reais que as pessoas possuem, em face das suas circunstâncias pessoais e sociais para realizar o mínimo que gostariam133.

A razão da eficácia, por outro lado, defende a condição de agente livre e sustentável como motor fundamental para o desenvolvimento134. Nesse caso, aquilo que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado substancialmente pelas oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e pelas condições habilitadoras, como boa saúde, educação básica, incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas135. Enfatiza-se, assim, a necessidade de ocorrer uma análise integrada entre as atividades econômicas, sociais e políticas, ao envolver uma multiplicidade de instituições e condições de agente que se relacionam de forma interativa. Destacam-se, por conseguinte, os

131

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, 2000. p. 18.

132 Ibidem, p. 17. 133 Ibidem, p. 31. 134

A concepção que engloba a condição de agente livre do indivíduo denominada pelo autor diz respeito ao papel da condição de agente do indivíduo como membro do público e como participante de ações econômicas, sociais e políticas (interagindo no mercado e envolvendo-se, direta ou indiretamente, em atividades individuais ou conjuntas na esfera política ou em outras esferas). Para o autor ao ter mais liberdade será melhorado o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, atuando em questões centrais para o processo de desenvolvimento. Ibidem, p. 33.

papeis e as inter-relações das denominadas liberdades instrumentais essenciais, ajudando a promover a capacidade geral de uma pessoa, e podendo atuar completando-se mutuamente. São elas: as liberdades políticas; as facilidades econômicas; as oportunidades sociais; as garantias de transparência; e a segurança protetora136.

Para a obra paradigma, as disposições sociais (que abarcam diversas instituições, como o Estado, o mercado, o sistema legal, os partidos políticos, a mídia, os grupos de interesse público e os foros de discussão pública, entre outras) devem ser investigadas de acordo com a sua contribuição para a expansão e garantia das liberdades substantivas dos indivíduos, caracterizados como agentes ativos de mudança e não apenas como meros recebedores passivos de benefícios137.

E se a liberdade é o que o desenvolvimento promove, então se verifica a existência de um argumento fundamental em favor da concentração nesse objetivo abrangente, e não em algum meio especifico ou em alguma lista de instrumentos especialmente escolhida. O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos138.

É a teoria como liberdade de Amartya Sen a mais moderna e completa da atualidade, que será usada como paradigma teórico na elaboração do presente estudo, no sentido do que o desenvolvimento deve promover o bem-estar das pessoas, com a melhoria da sua qualidade de vida, já que essa sempre foi a sua razão final. E, assim, vencidas as considerações iniciais acerca do “Desenvolvimento como Liberdade”, passa-se a avaliação jurídica do desenvolvimento sustentável.